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sábado, 1 de junho de 2013

Cristo não é exclusivo de ninguém!




De tanto escrever e repetir a expressão “O Meu Cristo Partido”, o possessivo “meu” tinha lançado raízes no mais recôndito do meu ser, criando em mim, consciente e inconscientemente, um sentimento inalienável e um direito incontroverso de absoluta posse sobre o Meu Cristo Partido.
Não tinha sido eu a encontrá-lo? Não o tinha comprado com o meu dinheiro? (…)
Logo o Cristo era meu. Só e exclusivamente meu.
E como o tesouro mais valioso da minha existência o conservava eu no meu escritório, sempre fechado à chave.
Ramón Cué
in, O Meu Cristo Partido de Casa em Casa

Para o mais desprevenido, parece que o título do livro O Meu Cristo Partido de Casa em Casa, gera alguma contradição com o pequeno excerto, onde o autor ao reclamar para si o direito incontroverso  de absoluta posse da escultura mutilada de Cristo, não deixaria margem de um qualquer movimento para que a pequena escultura,  pudesse andar de casa em casa a dar-se a todos os que o quisessem receber.
Tudo está correcto, porém.
Ramón Cué ao encontrar aquele Cristo partido, sem um braço e uma perna,  numa “feira da ladra” de Sevilha, avaramente o descreve com um possessivo “meu”, a ponto de o fechar à chave e com o desejo confessado de o não emprestar a quem quer que fosse.
Tem este livro a particularidade do narrador entrar em diálogo com Cristo, numa linguagem entre a mundana deste e a missionária do Mestre.
Sobre este assunto e num livro anterior, o autor, num diálogo travado com o vendedor da feira de Sevilha, soube deste que a escultura teria vindo das montanhas de Aracena e as mutilações se deviam a profanações da guerra, mas que as poderia remediar junto de um restaurador seu vizinho, o que mereceu, de imediato, uma recusa pertinente de Cristo e ser assim colocado no seu escritório.
Estupefacto, perante aquela atitude, tenta retorquir-lhe: Mas, vê-lo assim é para mim uma dor contínua, tendo obtido com resposta, entre outras, as seguintes inquietações evangélicas de Cristo: Não me restabeleça (…) Vendo-me assim, quero servir de chave para a dor humana. (…)
Divinamente, é posto o dedo na ferida.
Cristo é um Mestre.
Efectivamente, de que serve uma devoção que tranquiliza as consciências, tendo um Cristo bonito, se nos esquecemos dos que sofrem e dos que tendo braços, não os têm para trabalhar, porque não arranjam emprego?
De que serve, pois, beijar um Cristo bonito – obra de arte – se é ofendida, diariamente,  a obra de arte que é o homem, filho de Deus e irmão de Cristo, que se fez um igual a nós, excepto no pecado?
O comprador daquela escultura mutilada acabou por compreender tudo isto.
Ele., que se dizia dono: Não tinha sido ele a encontrá-lo? Não o tinha comprado com o seu dinheiro?, acabaria, depois de muitas peripécias – que tornam o livro de leitura obrigatória – por abandonar o sentido de posse e dar o seu “Cristo Partido” de oferenda aos homens, de casa em casa, formando uma vitrina onde estavam expostas lembranças de lágrimas, beijos, súplicas, carícias, abraços, queixas, suspiros (…)
E é, revendo-se, na sua atitude anterior que o autor nos diz: À beira d’Ele, já não me sinto só.
N’Ele estou unido a todos os irmãos quem como eu, o amaram e beijaram.
É esta, finalmente, a mensagem de amor humano que o autor nos quer dar.
Cristo não é exclusivo de ninguém.
Veio ao mundo para ser de todos os homens e não para ser fechado à chave.

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