Num tempo em que para se atribuir o Prémio
Nobel da Literatura não se punham razões políticas no prato da balança para a
desequilibrar, Rabindranath Tagore, em 1921, foi o agraciado, tendo-o sido,
apenas, pela sua obra de rara beleza humana e mística que encheu páginas
imorredoiras de uma grande espiritualidade, que é, na sua grandeza um hino ao
homem e àquilo que nele é mais importante: - o amor pelo próximo.
No conto “O
Velho e o Menino” Tagore, põe em cena aquelas duas idades opostas.
O velho, esse homem de Deus, como lhe
chama, morava numa alta montanha e tinha por hábito descer todos os dias à
aldeia para cumprir a tarefa do trabalho até ao momento em que tomando o
burrico, ia, encosta acima a caminho de casa.
Acontecia passar junto da fonte no momento em
que o Sol estava mais quente e, muito embora, com sede, por amor de Deus e
duma promessa que fizera, seguia em
frente, maravilhado porque era costume ser recompensado com o aparecimento no
céu, de uma estrela de rara beleza.
Num certo dia, um rapazinho que lhe seguia os
passos, aproximou dele confessando-lhe o desejo de o imitar.
-Não poderás, meu pequeno, suportar esta
vida – disse-lhe o velho – , mas o
pequeno tanto insistiu e de tal maneira o fez, que por fim, ele acedeu,
acentuando, que consentia que assim se fizesse mas que a experiência duraria
apenas um dia.
Diz-nos a narração que naquela noite dormiram
os dois na casa da montanha e pela madrugada ambos desceram a encosta a caminho
das tarefas que havia para fazer, até que cumprido o trabalho, os dois,
começaram outra tarefa, que era a subida do monte.
O rapazinho, ofegante, vencia a subida com
dificuldade.
Chegado à fonte abeirou-se dela para beber água mas como sabia que o velho
não tinha aquele costume – e porque queria imitá-lo – embora morto de sede
dispunha-se não se desedentar.
Este facto causou no velho um sério problema,
porque – pensava ele – a quebra da promessa faria com que não visse, desenhada
no céu a estrela do costume; mas não era justo impor este sacrifício ao seu
jovem companheiro.
Por isso, abeirando-se da fonte bebeu da água
fresca e cristalina no que foi acompanhado pelo rapazinho, cheio de alegria.
Diz, Tagore, que naquele passo o mais
importante foi a caridade, pesasse embora, no velho, o receio de naquele dia não ver a estrela do
costume. Foi, portanto, a medo que ergueu os olhos para o céu, onde perante os
seus olhos atónitos, não estava só desenhada a estrela de todos os dias, como
outra de igual beleza a fazer-lhe companhia.
Ao gesto da sua caridade, Deus respondera-lhe,
duplicando o milagre das estrelas.
Este é, com efeito, um conto maravilhoso.
Demonstra bem a alma do grande Poeta dos
sentimentos humanos, que não sendo um cristão de confissão, era-o, contudo e em
alto grau, porque na sua vida bebeu por inteiro do conceito do Deus dos
cristãos: Amarás o próximo como a ti mesmo (1), como naquele passo em que ao pôr no seu
herói um amor assim, não se importou que ele quebrasse a promessa por amor da
caridade.
Em paga, Deus, como já vimos pagou-lhe pelo
dobro o seu gesto de amor.
A lição está aqui e é maravilhosa.
O conto, porém, não deixa de ser uma
inquietante chamada de atenção ao nosso
egoísmo e, até, à falsa caridade que tantas vezes usamos em cenas de uma
piedade tão piegas que para Deus nada representa.
Não deixemos, por isso, de fazer bem ao
próximo, mesmo que seja preciso alterar o nosso comportamento se formos mais
humanos, porque seremos mais amigos de Deus.
E há-de ser por estes gestos que Ele um dia nos
chamará pelo nosso nome.
....................................................................................................................................
(1) -- Mt
19, 19
Sem comentários:
Enviar um comentário