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domingo, 16 de junho de 2013

A caridade fez quebrar a promessa!



Num tempo em que para se atribuir o Prémio Nobel da Literatura não se punham razões políticas no prato da balança para a desequilibrar, Rabindranath Tagore, em 1921, foi o agraciado, tendo-o sido, apenas, pela sua obra de rara beleza humana e mística que encheu páginas imorredoiras de uma grande espiritualidade, que é, na sua grandeza um hino ao homem e àquilo que nele é mais importante: - o amor pelo próximo.
No conto “O Velho e o Menino” Tagore, põe em cena aquelas duas idades opostas.
O velho, esse homem de Deus, como lhe chama, morava numa alta montanha e tinha por hábito descer todos os dias à aldeia para cumprir a tarefa do trabalho até ao momento em que tomando o burrico, ia, encosta acima a caminho de casa.
Acontecia passar junto da fonte no momento em que o Sol estava mais quente e, muito embora, com sede, por amor de Deus e duma  promessa que fizera, seguia em frente, maravilhado porque era costume ser recompensado com o aparecimento no céu, de uma estrela de rara beleza.
Num certo dia, um rapazinho que lhe seguia os passos, aproximou dele confessando-lhe o desejo de o imitar.
-Não poderás, meu pequeno, suportar esta vida – disse-lhe  o velho – , mas o pequeno tanto insistiu e de tal maneira o fez, que por fim, ele acedeu, acentuando, que consentia que assim se fizesse mas que a experiência duraria apenas um dia.
Diz-nos a narração que naquela noite dormiram os dois na casa da montanha e pela madrugada ambos desceram a encosta a caminho das tarefas que havia para fazer, até que cumprido o trabalho, os dois, começaram outra tarefa, que era a subida do monte.
O rapazinho, ofegante, vencia a subida com dificuldade.
Chegado à fonte abeirou-se dela  para beber água mas como sabia que o velho não tinha aquele costume – e porque queria imitá-lo – embora morto de sede dispunha-se  não se desedentar.
Este facto causou no velho um sério problema, porque – pensava ele – a quebra da promessa faria com que não visse, desenhada no céu a estrela do costume; mas não era justo impor este sacrifício ao seu jovem companheiro.
Por isso, abeirando-se da fonte bebeu da água fresca e cristalina no que foi acompanhado pelo rapazinho, cheio de alegria.
Diz, Tagore, que naquele passo o mais importante foi a caridade, pesasse embora, no velho,  o receio de naquele dia não ver a estrela do costume. Foi, portanto, a medo que ergueu os olhos para o céu, onde perante os seus olhos atónitos, não estava só desenhada a estrela de todos os dias, como outra de igual beleza a fazer-lhe companhia.
Ao gesto da sua caridade, Deus respondera-lhe, duplicando o milagre das estrelas.
Este é, com efeito, um conto maravilhoso.
Demonstra bem a alma do grande Poeta dos sentimentos humanos, que não sendo um cristão de confissão, era-o, contudo e em alto grau, porque na sua vida bebeu por inteiro do conceito do Deus dos cristãos: Amarás o próximo como a ti mesmo (1), como naquele passo em que ao pôr no seu herói um amor assim, não se importou que ele quebrasse a promessa por amor da caridade.
Em paga, Deus, como já vimos pagou-lhe pelo dobro o seu gesto de amor.
A lição está aqui e é maravilhosa.
O conto, porém, não deixa de ser uma inquietante chamada de atenção ao nosso   egoísmo e, até, à falsa caridade que tantas vezes usamos em cenas de uma piedade tão piegas que para Deus nada representa.
Não deixemos, por isso, de fazer bem ao próximo, mesmo que seja preciso alterar o nosso comportamento se formos mais humanos, porque seremos mais amigos de Deus.
E há-de ser por estes gestos que Ele um dia nos chamará pelo nosso nome.
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(1) -- Mt 19, 19

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