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domingo, 2 de junho de 2013

Um sentido para a fé




Fé é um pássaro que canta em plena noite, porque acredita que vai nascer um novo dia
(Rabindranath Tagore)


Vista estritamente do ponto de vista teológico a fé tem merecido desde o Apóstolo S. Paulo as mais variadas conjecturas e explicações, tendo merecido muitos milhares de livros, e entre eles, um que foi publicado no século XX e a que o autor – Leo Trese – chamou: A Fé Explicada, que reverte num ilustrado compêndio começado com “O Fim da Existência do Homem” e acabado com um capítulo destinado à “Bíblia”.
Tagore é mais simples e menos complicado que Leo Trese.
Compara a fé a um simples pássaro – que simboliza no seu místico pensamento todo o homem -  levado a cantar em plena noite, sensibilizado, porque no mais fundo de si mesmo  ele sabe que vai nascer um novo dia, assumindo assim uma crença que passa por cima das sombras da noite, por muito escura que seja.
Contudo, ter fé não é uma assunção simples pelo facto dela ter de nascer associada à razão e vir de dentro para fora do homem e, assim, informar todas as suas acções, donde se pode inferir da justeza do célebre conceito de André Maurois, quando nos diz que a razão de ser de qualquer fé é trazer-nos uma certeza, e esta só se conquista no interior do homem pela aceitação que este faz – num dia qualquer – de uma crença que a sua razão aceite.
Sendo, por isso, lícito concluir que a certeza de que nos fala o ilustre académico pode ter o sentido da fé que nos é dado pela Bíblia, mas também, o de uma outra fé qualquer, desde que o poder da razão a veja como uma possibilidade de trazer uma certeza naquilo que se procura ou se deseja aceitar como conduta, ainda que ela nos atire para campos menos próprios da honra e da moral que deve orientar o homem de bem.
Dir-se-á, por isso, que a fé supõe: acreditar, ainda que seja naquilo que nos delapida.
Razão porque crer na dignificação da existência que é dever cumprir de peito aberto aos olhos do mundo e poder fazer isto em plena noite – seja a que é marcada pelo calendário ou a que se funda dentro do espírito do homem em busca da luz – é a grande conquista que é preciso fazer, porquanto, é sempre em qualquer destas noites que é belo acreditar que se vai fazer dia, ou se quisermos, luz.
Sobre o que vimos dizendo, alinha-se por cima de todas as modernas concepções a Encíclica “Fé e Razão” (Setembro-1998) do Papa João Paulo II, que a abrir diz estas palavras admiráveis: A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.
De sublinhar que João Paulo II antes de apontar ao homem, como uma condição, o conhecimento de Deus, coloca o assunto ao contrário, ou seja, dá-lhe a primazia para este se conhecer a si mesmo, e, em última análise, aparece o conhecimento que este deve fazer de Deus, ou seja, a razão é colocada antes da fé.
Isto é significativo, porque é a resposta do tempo actual onde navega a Barca de Pedro que   não quer molestar – e muito menos violentar -  a consciência do homem, dando-lhe toda a liberdade na escolha do caminho, como se ele fosse, o pássaro de Tagore, que canta em plena noite, porque acredita que vai nascer um novo dia, e para que o exame que é precisos fazer com as armas profícuas da razão, sejam, como diz o texto pontifício,  as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade, que é, por fim, onde se encontra a fé, no cumprimento de um princípio que ao ser atingido pela razão natural, pressupõe que ela transporta em si mesmo o mistério da existência do homem como um ser religioso, ainda que o não queira reconhecer.

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