Fé é um pássaro que canta em
plena noite, porque acredita que vai nascer um novo dia
(Rabindranath Tagore)
Vista estritamente do ponto de vista
teológico a fé tem merecido desde o Apóstolo S. Paulo as mais variadas
conjecturas e explicações, tendo merecido muitos milhares de livros, e entre
eles, um que foi publicado no século XX e a que o autor – Leo Trese – chamou: A
Fé Explicada, que reverte num ilustrado compêndio começado com “O Fim da
Existência do Homem” e acabado com um capítulo destinado à “Bíblia”.
Tagore é mais simples e menos complicado que
Leo Trese.
Compara a fé a um simples pássaro – que simboliza
no seu místico pensamento todo o homem -
levado a cantar em plena noite, sensibilizado, porque no mais fundo de
si mesmo ele sabe que vai nascer um novo
dia, assumindo assim uma crença que passa por cima das sombras da noite, por
muito escura que seja.
Contudo, ter fé não é uma assunção simples
pelo facto dela ter de nascer associada à razão e vir de dentro para fora do
homem e, assim, informar todas as suas acções, donde se pode inferir da justeza
do célebre conceito de André Maurois, quando nos diz que a razão de ser de qualquer fé é trazer-nos uma certeza, e esta só
se conquista no interior do homem pela aceitação que este faz – num dia
qualquer – de uma crença que a sua razão aceite.
Sendo, por isso, lícito concluir que a
certeza de que nos fala o ilustre académico pode ter o sentido da fé que nos é
dado pela Bíblia, mas também, o de uma outra fé qualquer, desde que o poder da razão a veja como uma possibilidade
de trazer uma certeza naquilo que se procura ou se deseja aceitar como conduta,
ainda que ela nos atire para campos menos próprios da honra e da moral que deve
orientar o homem de bem.
Dir-se-á, por isso, que a fé supõe:
acreditar, ainda que seja naquilo que nos delapida.
Razão porque crer na dignificação da
existência que é dever cumprir de peito aberto aos olhos do mundo e poder fazer
isto em plena noite – seja a que é marcada pelo calendário ou a que se funda
dentro do espírito do homem em busca da luz – é a grande conquista que é
preciso fazer, porquanto, é sempre em qualquer destas noites que é belo
acreditar que se vai fazer dia, ou se
quisermos, luz.
Sobre o que vimos dizendo, alinha-se por cima
de todas as modernas concepções a Encíclica “Fé e Razão” (Setembro-1998) do
Papa João Paulo II, que a abrir diz estas palavras admiráveis: A fé e a razão (fides et ratio) constituem
como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação
da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a
verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-o e
amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.
De sublinhar que João Paulo II antes de
apontar ao homem, como uma condição, o conhecimento de Deus, coloca o assunto
ao contrário, ou seja, dá-lhe a primazia para este se conhecer a si mesmo, e, em
última análise, aparece o conhecimento que este deve fazer de Deus, ou seja, a razão é colocada antes
da fé.
Isto é significativo, porque é a resposta do
tempo actual onde navega a Barca de Pedro que não quer molestar – e muito menos violentar
- a consciência do homem, dando-lhe toda
a liberdade na escolha do caminho, como se ele fosse, o pássaro de Tagore, que canta em plena noite, porque acredita
que vai nascer um novo dia, e para
que o exame que é precisos fazer com as armas profícuas da razão, sejam, como
diz o texto pontifício, as duas asas pelas quais o espírito humano
se eleva para a contemplação da verdade, que é, por fim, onde se encontra a
fé, no cumprimento de um princípio que ao ser atingido pela razão natural, pressupõe que ela
transporta em si mesmo o mistério da existência do homem como um ser religioso,
ainda que o não queira reconhecer.
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