Oliveira Martins
Se
fizermos um exame retrospectivo – às vezes convém que o façamos para julgarmos
o tempo presente – levando o nosso pensamento, para o efeito, para um tempo
situado em finais do século XIX relativamente à nossa vida pública e colectiva,
concluímos que o tempo actual no que concerne às finanças públicas tem tais
similitudes que estas não deixam de ser perturbantes, constituindo a análise,
um facto demonstrativo da inépcia endémica que nos devia envergonhar quando
cotejamos as duas realidades, pesem embora os 118 anos que a roda do tempo já
consumiu desde o dia em que Oliveira Martins subiu à tribuna para falar ao País.
Recuando
todos esses anos, temos que no dia 20 de Janeiro de 1892, Oliveira Martins,
Ministro das Finanças no governo presidido por Dias Ferreira, apresentou o
programa financeiro do novo governo empossado em 17 de Janeiro, para substituir
João Crisóstomo, que após a demissão do governo em exercício aquando do
Ultimato inglês de 1890, não conseguira unir as partes do governo de unidade
nacional que então se criara.
Num
dado passo do seu discurso, Oliveira Martins, declarou:
Não cansarei a câmara reproduzindo algarismos que
todos conhecem, e fazendo considerações que hoje, felizmente, estão no espírito
de todos e que é deplorável que o não estivessem há muito tempo; porque o facto
é que, desde longos anos, nós vivemos uma vida completamente artificial, abandonando
as fontes da riqueza natural do pais. Nós chegámos a este estado,
verdadeiramente anormal, de consumir exclusivamente produtos estrangeiros e de
trabalhar exclusivamente com capitais estrangeiros; de nos dessangrarmos
anualmente com o serviço desses capitais e com o preço desses produtos! Assim
vivíamos efectivamente e assim vivemos durante largos anhos, se o espaço de
meio século, pouco mais ou menos, se pode chamar largos anos; mas vivemos como?
Vivemos exagerando a soma da dívida pública até às proporções verdadeiramente
esmagadoras em que hoje se encontra.
Nos
tempos difíceis que correm, não raro, ouvimos dizer às mentes menos
comprometidas com os meandros políticos que Portugal nas últimas duas dezenas
de anos – no mínimo – tem vivido acima das suas posses, ou seja, a riqueza
criada não tem sustentado o nível de vida que temos feito, endividando-nos em
cada ano que tem passado, com a comparticipação da Banca e dos Governos que
temos tido, como se a Economia fosse um poço sem fundo e não andássemos a pedir
dinheiro emprestado, para suprir as faltas de liquidez dos orçamentos
nacionais, que já geraram asserções, como: “deixaram-nos o País de tanga” e, no
último debate para aprovação do orçamento para 2011, na mesma linha, ouvimos
dizer; “deixaram-nos de calças na mão”, epítetos de mediato julgados
aterradores por alguns apaniguados dos governos do PS em exercício, como se
quando se falou do País ter ficado de “tanga” António Guterres não tivesse
falado do “pântano” em que se tornara a vida pública... e abalasse.
Mas
voltando ao discurso de Oliveira Martins de 20 de Janeiro de 1892,
relativamente ao facto de termos andado a viver, fingindo de ricos, ele disse: desde longos anos,
nós vivemos uma vida completamente artificial, para acrescentar, logo a
seguir, algo que nós temos feito, a começar pelo abandono dos campos, tendo
desleixado uma das fontes
da riqueza natural do pais, a que se seguiu, entre outras, o abandono do
mar português, a indústria pesada e a metalo-mecânica.
Tudo
isto, por ordem da Europa, que nos convidou a deixar cair os braços, de que
resultou um empobrecimento suicida a que alegremente, ao que parece, nos
entregámos, sem termos uma voz de comando que nos alertasse que a
diferença entre a importação e a exportação havia de ser paga em espécie, isto é,
com o dinheiro recebido por empréstimos, que outra coisa não temos feito há
décadas, ao ponto de estarmos todos endividados, um facto de que só agora
parece haver consciência.
Tudo
isto é o resultado de termos passado a consumir exclusivamente
produtos estrangeiros e de trabalhar exclusivamente com capitais estrangeiros;
de nos dessangrarmos anualmente com o serviço desses capitais e com o preço
desses produtos, como no mesmo discurso disse Oliveira Martins.
Voltar
ao passado, lembrando aquele antigo chefe do governo, é lembrar uma atitude que
devia ter o actual responsável pelo governo que temos, José Sócrates, o qual,
ao contrário do que devia ter acontecido, por motivos eleitoralistas andou a
esconder a dura realidade em que Portugal estava mergulhado, ainda que para a
mesma fosse alertado, quer pelo Presidente da República, como pela oposição
mais consciente, a qual, também não está isentes de culpas.
Voltando,
ainda, ao discurso de Oliveira Martins, ele disse com todas as letras: Vivemos exagerando a
soma da dívida pública até às proporções verdadeiramente esmagadoras em que
hoje se encontra.
Hoje,
dizemos o mesmo.
Mas
é bom que fiquem estas palavras, demonstrativas que há diferenças abissais nos
homens de Estado, que é, precisamente, o que nos falta no tempo que passa.
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