Desde os tempos da meninice, em Itabuna, bem
perto da costa atlântica, Jorge Amado viveu com as gentes do cais, que ele
honrou, sobremaneira, nas histórias que ouviu e conheceu na Baía de Todos os
Santos, onde o Oceano Atlântico se recolhe e como que morre, num recôncavo
natural que é o seu abraço salgado à terra baiana, imortalizada nesse belo
poema em prosa que é o livro Mar Morto.
Nele, o celebrado autor relata a historia de muitos homens e mulheres, mas tem
o fulcro principal em Guma e Lívia, que encarnam na trama do romance a vida do
cais, do mar e das embarcações que nas suas rotas escondiam as idílicas cenas
de amor dos velhos canoneiros e mestres de saveiros.
Guma era um experimentado marinheiro. Era dono
do “Valente”, o saveiro que conhecia todos os segredos da baía e do Mar Grande;
no entanto, aconteceu, um dia, ter perdido uma corrida para o saveiro “Viajante
sem Porto”, numa aposta que Guma fizera com Manuel, o mestre daquela
embarcação.
Com desejo da desforra, na véspera do dia
aprazado, Guma abeirou-se de Lívia deste jeito:
-Tu quer ir comigo amanhã (...) é uma aposta
que a gente fez. Uma vez a gente apostou corrida, ele ganhou (...) e tu vai
cantar para “Valente” correr...
- E adianta cantar? sorriu ela.
- Tu não sabe? O vento ajuda quem canta melhor.
E aconteceu que no dia da corrida, a caminho de
Itaparica, a ilha que é uma mancha verde no amar azul, o “Valente”
ganhou a corrida.
Conta, agora, reflectir um pouco em cima desta
historia do cais, que é, no seu lirismo puro uma bela história do amor que unia
aqueles dois seres.
Guma era considerado um herói pela gente da
beira cais, mas naquele dia tão importante para si, não prescindiu de levar
consigo a mulher que ele amava e, sobretudo, do seu canto, porque a sua fé e o
amor que tinha por ela, lhe segredava que o vento ajuda quem canta melhor.
É sempre assim o amor verdadeiro. Faz milagres,
ao contrário do amor – se assim se pode chamar
àquele sentimento lascivo, tão em moda nos nossos tempos e,
infelizmente, tão impróprio para a concertação do mundo - de tão às avessas que se apresenta e tão
contrário à crença daquele mestre de saveiro que amava a mulher e o seu modo de
cantar, de tal modo, que indo com ele, o vento – segundo a sua fé - o ajudaria
na corrida com o seu rival, Manuel.
Importa, retirar da história de Jorge Amado,
esta ilação importante: na vida do homem, do homem de todos os tempos, a mulher
sempre teve – e tem de continuar a ter -
esse papel fundamental de perpetuar entre os dois, a centelha do amor ardente
provinda da velha crença que um e outro, são entre si, a cara-metade,
que unida para a vida, faz do todo uma força poderosa e imbatível.
É um poder gigantesco, capaz de arrostar com
todos os perigos do mundo, gerando milagres de fé no destino que faz de ambos
os agentes da vida, seres capazes de a viver contra todos os perigos e percalços.
A fé na mulher e no seu canto que serve para
embalar os filhos e adocicar a vida, é a parte angelical de todo o par
enamorado pela vida, com a serenidade de quem sabe que hão-de chegar ao porto
sonhado, como aconteceu com Guma e Lívia, os dois embarcados na vida e, naquele
dia, no saveiro, para ganharem a corrida. Em cima do “Valente” o mestre do
saveiro contornou todos os perigos do mar ao ouvir o canto da mulher amada, que
era na corrida, a força que o empurrava para a vitória.
É esta a moral da história e a sua parte mais
importante.
Devia servir-nos para que dela retirássemos o
encanto e o carinho que nos devem merecer todas aquelas mulheres que
verdadeiramente caminham ao lado dos homens, cantando e sofrendo às vezes, mas
sem deixar de fazer nunca das horas menos boas um canto de amor ao encontro de
cantos melhores que a vida sempre tem.
Lívia é um exemplo, Guma é uma força e, os
dois, um amor ganhador.
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