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segunda-feira, 3 de junho de 2013

João de Deus



Foto in Wikipédia
João de Deus Ramos nasceu em São Bartolomeu de Messines (Algarve) no dia 8 de Março de 1830 e faleceu em Lisboa, no dia 11 de Janeiro de 1896. Era filho de José Pedro Ramos e de D. Isabel Gertrudes Martins. A sua vida decorre entre os reinados de D. Maria II a D. Carlos.
Em 1849 entra na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Direito, curso que  acaba apenas em  1859, o que lhe terá suscitado dizer, que a sua formatura teria durado tanto tempo como a Guerra de Tróia. Acabado o Curso de Direito em prazo tão dilatado, deixa-se ficar por Coimbra, no meio estudantil das serenatas e da boémia, tendo-se, no entando, dedicado ao jornalismo e à advocacia na cidade do Mondego, a que se seguiram, Beja, Évora e Lisboa.
Questões familiares, fazem-no, em 1862, regressar ao Algarve. O seu espírito rebelde, porém, transvia-o para Beja, onde permanece durante dois anos, ocupado na redacção de “O Bejense”, jornal que em 1863, dá à estampa e por sua lavra artigos de crítica contra António Feliciano de Castilho, defensor do velho Romantismo, já a agonizar, sendo nesse mesmo ano convidado por Rodrigo de Morais Soares a escrever um folhetim educativo para o Archivo Real. (1)
João de Deus não seguiu qualquer escola literária mas adoptou uma estética muito própria, de um lirismo (2) que o torna o maior Poeta de Portugal, nesse campo. As suas poesias foram reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Dedicou-se à pedagogia, resultando daí a Cartilha Maternal publicada em 1876 – um  ensino de leitura às crianças que foi muito divulgado –  e do qual a Rainha D. Amélia disse: Nos seus versos aprendi a amar Portugal; na sua Cartilha Maternal aprendi a ler português e ensinei os meus filhos a ler.
Regressado a S. Bartolomeu de Messines, é  em Silves, em casa de José António Garcia Blanco que em 1869 que é convencido a disputar a eleição para deputado à Câmara. É eleito pelo círculo de Silves, facto que o obriga a fixar residência em Lisboa. A política, porém, não o fascina minimamente. É raro aparecer na Câmara, onde, no entanto se mantém durante uma legislatura por consideração aos amigos e seus eleitores.
Admira e frequenta a tertúlia e o remanso do Café Martinho, ali perto do teatro de D. Maria II.
Do seu casamento com D. Guilhermina Battaglia, tem cinco filhos, dois rapazes e três raparigas.
É nomeado, e contestado – acontece com os grandes homens - Comissário Geral do Ensino da Leitura, segundo o seu método, declarado de interesse nacional – a Cartilha Maternal.
Poeta, por um dom da sua alma lírica foi jornalista por acaso e pedagogo, por intuição.
Conhecido pelo seu indiferentismo por escolas literárias, João de Deus foi irredutível na ligação que manteve com  a verdade simples, que cantou com rara elevação, arvorando como temas fundamentais, Deus, a mulher, a sobrenaturalidade e aqui e ali o erótico ingénuo, revestido de roupagens naturais que dão uma inusitada beleza.
A sátira e as fábulas que ele trabalhou nos seus últimos anos de Coimbra, nunca  atingiram, no entanto,  o nível inultrapassável do seu lirismo puro e apaixonado.
Foi um poeta popular e ao mesmo tempo de um fino cariz cultural.
Em 1893, Teófilo Braga, edita, toda a obra dispersa no livro: Campo de Flores, que teve uma nova edição em 1896, ainda revista por João de Deus.
No dia 8 de Março de 1895, estudantes de Lisboa, Coimbra, Porto, Santarém, Braga, Lamego e Portalegre a que se juntou a Imprensa portuguesa, o povo anónimo e muitas as crianças, manifestam-se junto a sua casa, na Estrela, em Lisboa.
Era sócio honorário pela Academia Real das Ciências e pelo Instituto de Coimbra.
No dia 9, daquele mesmo ano assiste a um sarau no teatro D. Maria II que contou com a assistência do Rei D. Carlos. No fim saiu da sala sobre as capas dos estudantes.
O seu funeral, cerca de um ano depois, foi uma manifestação nacional, constituindo a maior consagração pública que algum dia se fizeram em Portugal a escritores.
Como um marco lírico ficou profundamente estrelado no céu da poesia portuguesa, o famoso poema, Enjeitadinha, que o povo antigo sabia de cor:
De que choras tu, anjinho?
"Tenho fome e tenho frio!     
— E só por este caminho
Como a ave que caiu
Ainda implume do ninho!...
A tua mãe já não vive?
"Nunca a vi em minha vida;
 Andei sempre assim perdida,
E mãe por certo não tive!"
— És mais feliz do que eu,
Que tive mãe e... morreu!
Sobre a mulher, deixou-nos, do seu profundo respeito e idolatrado sentir humano, composições que são jóias raras, com esta, Mal Sabes, que entre outras tem estas duas quadras:
                       
Despedi-me de ti, os lábios rindo,
Mas estalando o coração, que em suma
Deus me livrasse a mim por forma alguma,
De te nublar um dia o gesto lindo!
Que eu sofra, muito embora: o meu destino
Qual é senão sofrer a vida inteira?
Causa da tua lágrima primeira
É que nunca serei: não te amofino.
Na célebre cançoneta, Amor, João Deus eleva o seu lirismo tão puro e imaculado, que dir-se- á, estarmos em presença de um poeta de alma etérea:
                                                    
     Não vês como eu sigo
                                                     Teus passos, não vês?
                                                     O cão do mendigo
                                                     Não é mais amigo
                                                     Do dono, talvez!
                                                     Ao pé de uma fonte
                                                     No fundo de um vale,
                                                     No alto de um monte
                                                     De vasto horizonte.
                                                     Sem ti estou mal!
João de Deus era um poeta de cunho cristão.
No poema Pátria, deixa-nos explícito algo que nos lembra a Parábola do Filho Pródigo, tecendo um ideia entretecida de sentimentos filiais tão nobres e tão altruístas que devem merecer de todos aqueles que têm a graça de lerem este formoso e cândido Poeta, um sentido respeito, pela harmonia e sentido dos versos e pelo seu encadeamento singularmente belo, que leva todo o homem de sentimentos puros a desejar morrer onde lhe embalaram o berço, como se naquele punhado de terra estivesse a Pátria inteira.
Diz, assim, João de Deus:
Como o pródigo volta ao lar paterno
Desenganado do que em vão procura,
Eu já desfalecido nesta lida
De sonhos sobre sonhos de ventura,
Desejava dormir o sono eterno
Abrindo junto ao berço a sepultura!
Fechar em suma o círculo da vida
No saudoso ponto de partida!
Chegado, pois, Senhor, aquele dia
Que se me apague a luz que me alumia,
Deixai-me descansar onde repousa
Meu santo pai e sua terna esposa
- A minha santa mãe!
Ser-me-á assim mais leve a fria lousa...
Que a terra onde se nasce é mãe também!
Este desejo do Poeta, de dormir o sono da morte junto dos seus progenitores não se cumpriu.
Pela sua postura de cidadão erguido ao cume mais alto da honra de ter vivido e ter feito da vida uma causa em prol dos outros, como o atesta, para além do valor da sua obra poética – que é um ímpar em toda a Literatura portuguesa – a sua obra de pedagogo, traduzida na Cartilha Maternal, onde muitas gerações de portugueses aprenderam a ler, a Pátria, fez do seu corpo, património comum, e ao dar-lhe honras de Estado, fê-lo repousar no Panteão Nacional ao lado de Almeida Garrett e Guerra Junqueiro, homens, que como ele, se libertaram da lei da morte, no dizer inspirado de Luís de Camões.

(1) - Jornal de Agricultura fundado em 1858, quando o Bacharel em Medicina, que ficou conhecido por Morais Soares, tomou posse em1852 do cargo de Chefe de Repartição da Agricultura da Secretaria das Obras Públicas, criada no reinado de D. PedroV. Em Lisboa, existe uma rua com o seu nome.
(2) - O lirismo tem a sua primeira afirmação nacional na poesia trovadoresca, cujos géneros principais são: as cantigas de amor assimiláveis à poética provençal, na qual o poeta exprime uma forte admiração e submissão em relação à mulher amada

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