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João de Deus Ramos nasceu em
São Bartolomeu de Messines (Algarve) no dia 8 de Março de 1830 e faleceu em
Lisboa, no dia 11 de Janeiro de 1896. Era filho de José Pedro Ramos e de D.
Isabel Gertrudes Martins. A sua vida decorre entre os reinados de D. Maria II a
D. Carlos.
Em 1849 entra na Universidade
de Coimbra, na Faculdade de Direito, curso que
acaba apenas em 1859, o que lhe
terá suscitado dizer, que a sua formatura teria durado tanto tempo como a
Guerra de Tróia. Acabado o Curso de Direito em prazo tão dilatado, deixa-se
ficar por Coimbra, no meio estudantil das serenatas e da boémia, tendo-se, no
entando, dedicado ao jornalismo e à advocacia na cidade do Mondego, a que se
seguiram, Beja, Évora e Lisboa.
Questões familiares, fazem-no,
em 1862, regressar ao Algarve. O seu espírito rebelde, porém, transvia-o para
Beja, onde permanece durante dois anos, ocupado na redacção de “O Bejense”,
jornal que em 1863, dá à estampa e por sua lavra artigos de crítica contra António
Feliciano de Castilho, defensor do velho Romantismo, já a agonizar, sendo nesse
mesmo ano convidado por Rodrigo de Morais Soares a escrever um folhetim
educativo para o Archivo Real. (1)
João de Deus não seguiu
qualquer escola literária mas adoptou uma estética muito própria, de um lirismo (2)
que o torna o maior Poeta de Portugal, nesse campo. As suas poesias foram
reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta
duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Dedicou-se à pedagogia,
resultando daí a Cartilha Maternal publicada em 1876 – um ensino de leitura às crianças que foi muito
divulgado – e do qual a Rainha D. Amélia
disse: Nos seus versos aprendi a amar Portugal; na sua Cartilha Maternal
aprendi a ler português e ensinei os meus filhos a ler.
Regressado a S. Bartolomeu de
Messines, é em Silves, em casa de José
António Garcia Blanco que em 1869 que é convencido a disputar a eleição para
deputado à Câmara. É eleito pelo círculo de Silves, facto que o obriga a fixar
residência em Lisboa. A política, porém, não o fascina minimamente. É raro
aparecer na Câmara, onde, no entanto se mantém durante uma legislatura por
consideração aos amigos e seus eleitores.
Admira e frequenta a tertúlia
e o remanso do Café Martinho, ali perto do teatro de D. Maria II.
Do seu casamento com D.
Guilhermina Battaglia, tem cinco filhos, dois rapazes e três raparigas.
É nomeado, e contestado –
acontece com os grandes homens - Comissário Geral do Ensino da Leitura, segundo
o seu método, declarado de interesse nacional – a Cartilha Maternal.
Poeta, por um dom da sua alma
lírica foi jornalista por acaso e pedagogo, por intuição.
Conhecido pelo seu
indiferentismo por escolas literárias, João de Deus foi irredutível na ligação
que manteve com a verdade simples, que
cantou com rara elevação, arvorando como temas fundamentais, Deus, a mulher, a
sobrenaturalidade e aqui e ali o erótico ingénuo, revestido de roupagens
naturais que dão uma inusitada beleza.
A sátira e as fábulas que ele
trabalhou nos seus últimos anos de Coimbra, nunca atingiram, no entanto, o nível inultrapassável do seu lirismo puro e
apaixonado.
Foi um poeta popular e ao
mesmo tempo de um fino cariz cultural.
Em 1893, Teófilo Braga, edita,
toda a obra dispersa no livro: Campo de Flores, que teve uma nova edição
em 1896, ainda revista por João de Deus.
No dia 8 de Março de 1895,
estudantes de Lisboa, Coimbra, Porto, Santarém, Braga, Lamego e Portalegre a
que se juntou a Imprensa portuguesa, o povo anónimo e muitas as crianças, manifestam-se
junto a sua casa, na Estrela, em Lisboa.
Era sócio honorário pela
Academia Real das Ciências e pelo Instituto de Coimbra.
No dia 9, daquele mesmo ano
assiste a um sarau no teatro D. Maria II que contou com a assistência do Rei D.
Carlos. No fim saiu da sala sobre as capas dos estudantes.
O seu funeral, cerca de um ano
depois, foi uma manifestação nacional, constituindo a maior consagração pública
que algum dia se fizeram em Portugal a escritores.
Como um marco lírico ficou
profundamente estrelado no céu da poesia portuguesa, o famoso poema,
Enjeitadinha, que o povo antigo sabia de cor:
De que
choras tu, anjinho?
"Tenho
fome e tenho frio!
— E só
por este caminho
Como a
ave que caiu
Ainda
implume do ninho!...
A tua
mãe já não vive?
"Nunca
a vi em minha vida;
Andei sempre assim perdida,
E mãe por certo não
tive!"
— És
mais feliz do que eu,
Que tive
mãe e... morreu!
Sobre a mulher, deixou-nos, do
seu profundo respeito e idolatrado sentir humano, composições que são jóias
raras, com esta, Mal Sabes, que entre outras tem estas duas quadras:
Despedi-me
de ti, os lábios rindo,
Mas
estalando o coração, que em suma
Deus me
livrasse a mim por forma alguma,
De te
nublar um dia o gesto lindo!
Que eu
sofra, muito embora: o meu destino
Qual é
senão sofrer a vida inteira?
Causa da
tua lágrima primeira
É que
nunca serei: não te amofino.
Na célebre cançoneta, Amor,
João Deus eleva o seu lirismo tão puro e imaculado, que dir-se- á, estarmos em
presença de um poeta de alma etérea:
Não vês
como eu sigo
Teus passos, não
vês?
O cão do mendigo
Não é mais amigo
Do dono, talvez!
Ao pé de uma
fonte
No fundo de um
vale,
No alto de um
monte
De vasto
horizonte.
Sem ti estou
mal!
João de Deus era um poeta de
cunho cristão.
No poema Pátria,
deixa-nos explícito algo que nos lembra a Parábola do Filho Pródigo, tecendo um
ideia entretecida de sentimentos filiais tão nobres e tão altruístas que devem
merecer de todos aqueles que têm a graça de lerem este formoso e cândido Poeta,
um sentido respeito, pela harmonia e sentido dos versos e pelo seu encadeamento
singularmente belo, que leva todo o homem de sentimentos puros a desejar morrer
onde lhe embalaram o berço, como se naquele punhado de terra estivesse a Pátria
inteira.
Diz, assim, João de Deus:
Como o pródigo volta ao
lar paterno
Desenganado do que em vão
procura,
Eu já desfalecido nesta
lida
De sonhos sobre sonhos de
ventura,
Desejava dormir o sono
eterno
Abrindo junto ao berço a
sepultura!
Fechar em suma o círculo da
vida
No saudoso ponto de
partida!
Chegado, pois, Senhor,
aquele dia
Que se me apague a luz que
me alumia,
Deixai-me descansar onde
repousa
Meu santo pai e sua terna
esposa
- A minha santa mãe!
Ser-me-á assim mais leve a
fria lousa...
Que a terra onde se nasce é
mãe também!
Este desejo do Poeta, de dormir
o sono da morte junto dos seus progenitores não se cumpriu.
Pela sua postura de cidadão
erguido ao cume mais alto da honra de ter vivido e ter feito da vida uma causa
em prol dos outros, como o atesta, para além do valor da sua obra poética – que
é um ímpar em toda a Literatura portuguesa – a sua obra de pedagogo, traduzida
na Cartilha Maternal, onde muitas
gerações de portugueses aprenderam a ler, a Pátria, fez do seu corpo,
património comum, e ao dar-lhe honras de Estado, fê-lo repousar no Panteão
Nacional ao lado de Almeida Garrett e Guerra Junqueiro, homens, que como ele,
se libertaram da lei da morte, no dizer inspirado de Luís de Camões.
(1) - Jornal de Agricultura fundado em 1858,
quando o Bacharel em Medicina, que ficou conhecido por Morais Soares, tomou
posse em1852 do cargo de Chefe de Repartição da Agricultura da Secretaria das
Obras Públicas, criada no reinado de D. PedroV. Em Lisboa, existe uma rua com o
seu nome.
(2) - O
lirismo tem a sua primeira afirmação nacional na poesia
trovadoresca, cujos
géneros principais são: as cantigas de amor assimiláveis à poética provençal, na qual o
poeta exprime uma forte admiração e submissão em relação à mulher amada
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