Afirma, Martin Heidegger (1) que nenhuma
época soube menos que a nossa o que é o homem e, no entanto, em nenhuma época da história humana houve tanto
conhecimento sobre aquilo que ele é e representa, enquanto agente especial e
único, chamado cada um pelo seu próprio nome para transformar as coisas em seu
benefício e prazer e, depois, da colectividade de que faz parte.
A que se deve a afirmação do filósofo, que até
parece sem sentido e falha de verdade.
Deve-se, tão simplesmente, a isto: o homem do
nosso tempo é um ser angustiado, carregado de problemas que outras gerações não
conheceram pelo facto da vida lhes não proporcionar tantas solicitações de
carácter ambiental, social e cultural e, até, espiritual.
Há, sobretudo, um facto que deve ser alterado
neste mundo de massas e de ideias feitas
que retiram ao homem muito da sua criatividade específica que são causa de
prazer, dando-lhe razões de viver pelo aprofundamento da sua vida perante o
mundo que o cerca e, onde, ele não pode ser um agente passivo mas interveniente
no moldar das coisas que acontecem.
Na origem, o homem foi chamado para ser criador
e transformador , sendo com a sua actividade pessoal um colaborador de Deus,
havendo entre todos esse espírito de serviço em prol da comunidade desde esse
ponto de partida perdido na bruma do tempo.
O homem com as suas trevas e a sua luz, com as
suas sombras e com a sua fonte de vida foi chamado a percorrer todos os
caminhos e estar presente em todas as instituições e viver dentro delas,
respeitando ideias e doutrinas, sem contudo, perder o seu espírito crítico como
um valor único que ninguém podia absorver e sem perder algo tão importante,
como era a sua identidade própria e insubstituível.
O que se passa, actualmente, é que o
homem-massificado tomou conta do mundo através de livros, discursos, jornais,
cinemas e, até, de simples conversas que indo a reboque de tudo o que é
simplista e imediatista, fez que se perdesse o espírito das primeiras
comunidades estreitadas por laços afectivos que hoje se encontram perdidos ou dispersos
na amálgama de um mundo cruel, onde o homem deixou de ver para além do seu
horizonte e passou a viver o momento que passa sofregamente, como se a vida se
esgotasse em cada dia e não houvessem sempre novos dias e novas madrugadas
carregadas de sonhos.
Não pode, por tudo isto, o homem deixar de se
interrogar sobre os seus problemas actuais que tendem à sua despersonalização
pela influência de vastos poderes que o cercam como uma tenaz, fazendo que ele
ao deixar de pensar por si mesmo, cometa o erro grave de se deixar vergar à
opinião de maiorias acidentais, que hoje existem e amanhã se desfazem sem lhe
deixar tempo de reflexão e de se impor, mesmo quando ele é contrário à tal
maioria acidental que o envolveu numa teia cerceadora da sua vontade, levando-o
a manter no tempo que passa uma afinidade espúria com o cultivo de valores
puramente materiais.
Este facto, onde Deus está ausente pela acção
irreflectida do homem que O esquece, sem cuidar que Ele é uma Presença viva em
todas as ausências que lhe causam todos os que se afadigam em prosseguir a
jornada como se não houvessem valores transcendentais, hão-de continuar a ser
na sua essência o cerne que esteve presente nas
primeiras comunidades onde cada um tinha o seu próprio espaço.
Razão tem, por isso, Heidegger, para
afirmar que nenhuma época soube menos
que a nossa o que é o homem, porque pesem embora todas as suas conquistas
nos mais variados campos do saber, lhe falta o principal, que é o âmago da
ciência mais importante: ele mesmo que a si mesmo se devia perguntar:
- Quem sou e para onde vou?
A falta de uma resposta concertada na linha
espiritual que preenche o destino de cada um é a grande responsável no nosso
tempo pela falta de sabedoria que o homem actual sente de si mesmo e do modo
como deve gerir o seu papel de agente individual e menos arregimentado a grupos
despersonalizadores da sua vontade de gerir o seu modo de vida, pois é do modo
como ele se vive que há-de florir a rosa mais bela do roseiral da existência
humana, que é o homem em si mesmo e todo o mistério que o prende à sua
existência que não pode passar sem sentido.
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(1) - Martin Heidegger
(1889 - 1976) foi um filósofo alemão.
É um dos pensadores fundamentais século
XX, quer pela recolocação do problema do ser e pela refundação da Ontologia,
quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e
cultural. Influenciou muitos outros filósofos, dentre os quais Jean-Paul
Sartre.
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