Pesquisar neste blogue

domingo, 9 de junho de 2013

A imaterialidade do Crucifixo




 A intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático.
Mahatma Gandhi
 

Nota: Este texto tem alguns anos, mas a violência que foi o retirar das salas de aula dos Crucifixos no tempo do primeiro governo de José Sócrates, ainda hoje, assinala o desaforo que constituiu a afronta feita aos católicos portugueses de, como foi possível ter existido em Portugal o desprezo de certos homens públicos pelo símbolo maior de uma crença que mudou o mundo e ajudou à fraternidade universal, razão, porque, este texto não poderá jamais ser ignorado pela minha consciência que um dia o ditou e o no tempo o fez publicar.


Que a Democracia é o melhor sistema político, ninguém tenha dúvidas.
E, porque é assim, bem merece, que sobre ela se faça um pouco da sua história, porque o título desta crónica – embora o não pareça  tem muito a ver com este sistema político – parecendo-nos que a recente invectiva governamental contra o Crucifixo devia ter merecido a atenção democrática de um Estado que se afirma laico, mas que não pode esquecer valores nacionais, sejam ou não religiosos, porque aquela parte do povo que se afirma laica é uma minoria e não pode nem deve esquecer a outra, que é maioritária, porque ao fazê-lo, a democracia sai feriada, pela simples razão de não se respeitar a maior parte.
Mas vamos a um pouco de história. A democracia começou no tempo em que a cidade de Atenas, a mais evoluída das cidades-estados (1) da Grécia Ocidental era governada pelo regime tirânico de  Pisístrato (2) que tomara o poder ilegalmente, exercendo um poder oligárquico.
Apesar de fazer cumprir os códigos de Sólon (3) o seu poder ditatorial continuado em 527 a.C. pelos seus dois filhos Hípias e Hiparco, foi extinto a partir do assassinato de Hiparco por dois jovens, Amódio e Aristógiton -  heróis gregos da Democracia que a História conhece como os  “tiranicidas” e cujo acto extremo levou à fuga de Hípias para a Pérsia, abrindo o caminho a que o “Partido dos Ricos” chefiado por Iságoras e o dos populares, chefiado por Clístenes passassem a disputar entre si o controle político da pólis, até ao momento em que Iságoras, que era apoiado por Cleómenes – rei de Esparta – conseguiu desterrar o seu rival, Cleómenes.
Valeu neste passo, o povo, que tendo-se revoltado, trouxe de volta o seu líder a quem foram dados poderes constituintes com o fim de se experimentar algo que era inédito: o regime governado directamente pela vontade maioritária do povo: A Democracia.
Em traços larguíssimos esta é a história dos primeiros passos democráticos e que levaria Péricles (4) a declarar: Vivemos sob a forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar os outros. Seu nome, como tudo o que depende não de poucos mas da maioria, é democracia.
    O que veio a seguir, é que importa, sobretudo, o tempo actual, onde o modelo da democracia ateniense deu lugar às mais diversas, como a nossa, que tem 30 anos e ainda tem muito caminho a percorrer para ser um regime puro, sem recorrer a atitudes que deixem ficar no povo dúvidas quanto à clareza das intenções confinadas a atitudes exercidas, ainda que pela força do voto.
   Vem isto a propósito da recente medida do Governo em mandar retirar das Escolas estatais o Crucifixo. (nota: ver a data do texto em rodapé)
    Porquê?
-- Não será que o Crucifixo faz parte do património cultural do povo português que ao longo da sua História viveu com ele?
Faz e vejamos porquê: Os simples Crucifixos mandados retirar pelo Governo integram-se na memória colectiva do povo português em honra à Cruz do Calvário que foi a inspiradora da cruz que andou nas caravelas e nas naus dos Descobrimentos e está, ainda hoje, nalguns lados erecta nos padrões que assinalam a chegada dos nautas e em muitos dos monumentos nacionais cinzelada nas cantarias.
Por outro lado, bem recentemente, a Assembleia da República, no tempo do Governo do Eng. António Guterres fez aprovar o seguinte Diploma:

DATA: Sábado, 8 de Setembro de 2001
NÚMERO: 209/01 SÉRIE I-A
EMISSOR: Assembleia da República
DIPLOMA/ACTO: Lei n.º 107/01
SUMÁRIO: Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural
PÁGINAS DO DR: 5808 a 5829

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
E segue todo o articulado do texto.
Nele, e quando se trata de aferir valores patrimoniais, encontram-se nos princípios basilares (art. 1º) algo que se lê do seguinte modo: Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas.
E, mais à frente, no Artigo 3º, com o título: Tarefa fundamental do Estado, é dito entre outras a seguinte recomendação: Através da salvaguarda e valorização do património cultural, deve o Estado assegurar a transmissão de uma herança nacional cuja continuidade e enriquecimento unirá as gerações num percurso civilizacional singular.
    Os sublinhados são nossos.
    Postas as coisas neste pé, representando o Crucifixo um bem imaterial que faz parte da cultura da Nação desde a sua origem – e a Lei, como acima refere o que dela se copiou, obriga o Estado a defendê-lo – não se compreende, portanto,  a sanha do Governo actual, que está a ferir -  segundo o nosso entendimento - não apenas a Lei  da protecção e valorização do Património Cultural, como a alínea “e” do art. 9º da Constituição que começa por dizer o seguinte, como uma das missões que lhe cabe ao Estado: Proteger e valorizar o património cultural do povo português(...) e nisto nada tem a ver o nº 3 do art. 43º onde se diz que  o  ensino público não será confessional, porque a Cruz não impõe a prática de uma determinada confissão religiosa, mas é, apenas a representação de um símbolo de onde emergem valores, como o da tolerância e do respeito pelas instituições – dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César – disse o Homem, que se tornou, sem que o houvesse pedido o autor desse símbolo histórico que marcou Povos e Nações ao longo dos séculos e, particularmente, o povo de Portugal.
    E vai continuar assim, porque a Cruz é eterna e os homens, finitos.
O Governo, é certo, tem maioria democrática, mas parece ter agido com intolerância, como nenhum outro tinha feito ao longo de trinta anos de Democracia em Portugal  e, a ser assim, cambem por inteiro as palavras de Gandhi: A intolerância é em si uma forma de violência (...)  pelo facto de ninguém ter a certeza, qual seria a resposta do povo português – no seu todo – se lhe fosse feita a pergunta se estava de acordo em ser retirado o Crucifixo das salas de aula.
   Esta dúvida deveria ter bastado ao Governo para ter deixado ficar incólume a Cruz, por ser na sua representação – não só a imagem de um credo religioso, que também é – mas por ser na sua singeleza um valor patrimonial da Nação portuguesa, à sombra da qual e da sua força espiritual se formou a Nação que somos. Há, no entanto, quem diga e a voz do povo é voz de Deus - voz do símbolo que foi apeado -  que o Governo agiu assim para lançar um motivo de discussão na campanha já em curso das próximas eleições presidenciais, com propósitos de onde – a ser verdade - a Democracia sai ferida. A ser assim e porque a política é um jogo, está em cima e às claras um ponto escuro.
E ficam quatro perguntas:
- Será que se isto devia ser permitido, mesmo a uma maioria - que afinal não sabe se a maioria real da Nação, onde estão os que não votaram para a constituição democrática do actual Governo – está do seu lado?
- Será – é lícito perguntar se todos aqueles que ajudaram a formar a maioria governativa, onde há muitos que têm respeito pela Cruz, estão de acordo com esta medida?
- Porque é que um pequeno colégio pode mandar na consciência da globalidade dos seus eleitores?
- Ou o que aconteceu não mexe com a consciência do homem?
É por isso, que o facto pode revestir-se de alguma intolerância  e violência e ser obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático.
Eu não queria – sinceramente o declaro – que estas palavras atribuídas a Gandhi tivessem razão, porque é meu desejo profundo que a Democracia cresça em Portugal para bem do povo de que sou parte e ao qual me orgulho de pertencer.





(1) - Nome dado à “pólis”


(2) - Pisístrato (600-527 a.C.) foi um líder popular e tornou-se um tirano. Usurpou a autoridade que conseguiu manter à sua morte.


(3)- Como legislador, Sólon em 594 a.C. iniciou uma reforma que proibiu a hipoteca da terra e a escravidão por endividamento. Dividiu a sociedade pelo critério censitário (pela renda anual) e criou o tribunal de justiça.


(4)  - Político ateniense(495-429 a.C.) Chefe do partido democrático exerceu uma profunda  influência entre os seus concidadãos. Foi Chefe do Estado (443-429). Protegeu as artes e letras e embelezou Atenas com o Partenon.


15 de Dezembro de 2005

Sem comentários:

Enviar um comentário