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sábado, 8 de junho de 2013

QUE A CASA DOS BICOS
NÂO VENHA A SER UM "BICO DE OBRA"
 
Desenho de Roque Gameiro
 
A Casa dos Bicos ou Casa de Brás de Albuquerque localizada em Lisboa  foi construída em 1523 a mando de D. Brás de Albuquerque, filho natural legitimado do segundo governador da Índia portuguesa e foi cedida em 2008 à Fundação Saramago pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) por dez anos, tendo sido inaugurada em 13 de Junho de 2012.
A cedência desta histórica Casa, queira-se ou não entender, causou estranheza e algum mal estar em franjas populacionais lisboetas não alinhadas com o escritor José Saramago, a ponto da mesma ter sido vandalizada, lamentavelmente, em 8 de Abril de 2013 com a destruição dos painéis que comemoravam os 30 anos da edição de Memorial do Convento e os 90 Anos de José Saramago, distinguido em 1998 com o Prémio Nobel da Literatura.
José Saramago formou-se na velha Escola Industrial Afonso Domingues e expatriou-se para a ilha de Lanzarote a ilha mais oriental das Canárias, fincando raízes num local de geografia inóspita de formação vulcânica, com pouca vegetação e nenhuma fonte de água potável.
A decisão tem um carácter revelador.
Ali, Saramago - que até à morte não abandonou o seu ideário comunista -  guardou um olhar abrigado numa ilha europeia mais próxima da África que do velho centro da civilização capitalista que ele abjurava.
Mas convenhamos: ser comunista não é um erro, como não é um erro ser capitalista, desde que o primeiro, na prática do seu ideário não corte os laços com pensamentos contrários e o segundo, cumpra sem extorsões sociais o que deve enquanto agente social e indispensável na fruição da vida, assente no respeito pelo seu semelhante que lhe vende a força do trabalho.
Erro é, quando, num e noutro caso surjem incapacidades de diálogo urbano, como foi o caso de Saramago e, como é - diga-se a verdade - o sistema capitalista de âmbito liberal que a Igreja tão combatida pelo escritor, condena e a que chamou, sem rodeios, o “imperialismo internacional do dinheiro” (1).
Saramago não quis saber desta e outras defesas de âmbito social, em defesa dos mais fracos, feitas pela Igreja e de que resultaram documentos fundamentais, nos séculos XIX e XX, como: "Rerum Novarum" (1891); Quagragesimo Anno (1931); "Mater et Magistra"(1961); "Pacem in Terris" (1963); "Ecclesiam Suam"(1964);  "Gaudium et Spes"(1965); "Populorum Progressio (1967); e "Octogesima Adveniens"(1971).
Em qualquer destes documentos o escritor teve ao dispor informação social advinda de um novo tempo apostólico que lhe poderiam ter dado uma outra postura vivencial, se não fora ter feito do ataque à igreja um modo de vida, de pouco lhe tendo valido, se é que não ignorou deliberadamente - como podemos concluir -  o estudo da “nova” Igreja que nasceu com a publicação da Encíclica “Rerum Novarum" já referida, pelo que, o seu "Memorial do Convento" ao estribar-se numa Igreja antiga, mas já reformada no seu tempo, lhe deveria ter merecido mais respeito, tendo em conta que José Saramago não foi um historiador na verdadeira acepção da palavra.
É  certo e sabido que o escritor se baseou num tempo histórico de uma Igreja antiga fechada sobre si mesma, mas do mesmo modo, o comunismo do seu tempo - e que ele perfilhava -  era bem diferente do comunismo totalitário implantado na Rússia em 1917 e daquele que durou até à queda do muro de Berlim, porque o tempo evoluiu e os homens também.
E estes factos incontroversos de mudanças, sejam eclesiais ou sociais, devem merecer compreensão e respeito - o que julgamos, Saramago não fez - porque não quis entender a Igreja "nova", defensora dos trabalhadores e de que se fez eco, em primeiro lugar, a "Rerum Novarum",  tendo o escritor agido - e escrito -  como se este documentos e os outros que se lhe seguiram, depois, não existissem,
Isto é verdade e, esse, foi o seu erro.
O que se deseja é que a Casa dos Bicos, não venha a ser um "bico de obra" e não voltem a acontecer desacatos dos indignados com esta e outra literatura do escritor, que nunca deixará de ser uma referência literária no Mundo das Letras nacionais e internacionais.

 
(1) . Encíclica Quadragésimo Anno, de Pio XI, 15 de Maio de 1931
 

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