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segunda-feira, 17 de junho de 2013

O dever social do homem de eleição

Diz a Escritura que “os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz”, uma razão profunda que deveria acompanhar durante toda a vida os homens de eleição que por mérito próprio e mercê das suas capacidades humanas e culturais se ergueram acima da mediania, devendo, por isso, aos destinos dos povos,  a honra de vincularem os seus nomes aos destinos das Pátrias e da Humanidade, tendo em conta, que os “filhos das trevas”, não podem nem devem impor-se aos “filhos da luz”, um facto que acontece sempre quando estes deixam cair os braços e desertam.

Num dos volumes de “As Farpas” Ramalho Ortigão, ao tecer sentidos comentários à morte de Alexandre Herculano – um homem de eleição, para ele  – afirma que ele a partir do dia 14 de Setembro de 1877 pertence ao domínio da posteridade e que naquele vulgo grandioso se plasmaram dois destinos: o do historiador da nacionalidade portuguesa e o do pensador emérito e crítico penetrante, valoroso trabalhador, o grande artista, o inimitável mestre e, a par de tudo isto, passou à história como o ilustre solitário de Vale de Lobos.

E é, neste último passo da vida de Herculano, que o autor das “Farpas” põe a tónica ao afirmar que o dia  do nosso grande luto nacional não é aquele em que expirou o solitário ilustre, mas sim aquele em que deixou de existir para o vertiginoso bulício da vida pública o ardente escritor, que no seio da multidão flutuante, estrepitosa, leviana, indiferente, pérfida, traiçoeira, ingrata, lançava às praças e às ruas públicas, lamacentas e sórdidas, as suas ideias de cada dia, nobres, castas e desinteressadas (...) adejando sobre as imundícies e sobre as dejecções da cidade, como douradas abelhas impolutas, que vão de alma em alma sacudindo das asas luminosas em pólen diamantino a divina verdade.

A prosa puríssima de Ramalho Ortigão, parece, fustigar, por vezes, a atitude do isolamento a que Herculano, num dado passo,  votou a sua vida – como se não tivesse esse direito por ser a figura que era e de quem muito haveria a esperar – tendo perdido a sociedade muito daquilo que o seu talento dispunha para a formação intelectual e humana das gerações mais novas.
Diz, ele, que o afastamento da vida pública daquele homem comprometeu o destino mental de uma geração inteira e que  a ausência do espírito sobre o espírito foi uma catástrofe para a geração moderna, ou seja, para a sua própria geração.

Ramalho viria a morrer no ano de 1915, teve a arte de nos deixar retratos lindíssimos do seu tempo e dos homens que teve a honra de conhecer, quer pessoalmente, quer na vida pública.
Ao ler a prosa de grande profundidade social que fez escola, o  escritor de aguarelas tão finas da vida portuguesa do último quartel do século XIX, traça um quadro que ainda hoje, tem todo o sentido, pelo facto de assistirmos ao abandono da vida pública activa, de figuras proeminentes, que muito teriam a dar à Pátria portuguesa, onde proliferam em demasia vultos sem o golpe de asa que forma os grandes homens e os grandes estadistas, parecendo que os devemos chamar a estar presentes, sobretudo, neste momento difícil que atravessamos, onde deixámos que se perdesse pelo caminho muito da honra e do dever que engrandecem as sociedades.
E não é demais lembrar a prosa de Ramalho sobre o isolamento, no fim da vida, de Herculano, remetido a um silêncio profundo na sua casa de campo, perto de Lisboa.
Diz ele, que à tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse até aos quatro cantos do País, a expressão viril das grandes convicções(...).
É neste ponto que devemos reter o nosso pensamento, porque aquilo que no nosso tempo mais dói ao povo que somos, é não ser feito como devia, o combate sereno, embora inflexível, sobres as grandes causas que estão por detrás das grandes convicções, parecendo que os homens do nosso tempo se bastam com meros exercícios de retóricas mal alinhavadas, como se o povo não lhes merecesse um pouco mais de respeito, de combate duro e convicto na defesa dos  valores importantes da vida, que são afinal, aqueles que dão sentido às grandes batalhas do espírito.

A política converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do Governo.
Este último parágrafo não é da minha lavra.
É de Ramalho Ortigão e pertence ao conjunto da prosa belíssima que ele escreveu em 1877, lembrando a morte do autor da “História de Portugal”.
Ao lê-la, até parece que os grupos em que se dividem os partidos, nas várias sensibilidades que os formam – enfaticamente apelidadas de sãos pluralismos – mais não representam que impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, para alcançarem o poder, como diz o autor das “Farpas”.

Chamemos, pois, à vida pública no momento oportuno, todos aqueles homens de eleição que conhecemos, porque o nosso povo bem precisa das suas vozes e dos seus exemplos para ganhar coragem e salvar a Pátria.

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