Diz a Escritura que “os filhos das trevas são
mais espertos que os filhos da luz”, uma razão profunda que deveria acompanhar
durante toda a vida os homens de eleição que por mérito próprio e mercê das
suas capacidades humanas e culturais se ergueram acima da mediania, devendo,
por isso, aos destinos dos povos, a
honra de vincularem os seus nomes aos destinos das Pátrias e da Humanidade,
tendo em conta, que os “filhos das trevas”, não podem nem devem impor-se aos
“filhos da luz”, um facto que acontece sempre quando estes deixam cair os
braços e desertam.
Num dos volumes de “As Farpas” Ramalho Ortigão,
ao tecer sentidos comentários à morte de Alexandre Herculano – um homem de
eleição, para ele – afirma que ele a partir do dia 14 de Setembro de 1877 pertence ao
domínio da posteridade e que naquele vulgo grandioso se plasmaram dois
destinos: o do historiador da nacionalidade portuguesa e o do pensador emérito
e crítico penetrante, valoroso trabalhador, o grande artista, o inimitável
mestre e, a par de tudo isto, passou à história como o ilustre solitário
de Vale de Lobos.
E é, neste último passo da vida de Herculano,
que o autor das “Farpas” põe a tónica ao afirmar que o dia do nosso grande luto nacional não é aquele
em que expirou o solitário ilustre, mas sim aquele em que deixou de existir
para o vertiginoso bulício da vida pública o ardente escritor, que no seio da
multidão flutuante, estrepitosa, leviana, indiferente, pérfida, traiçoeira,
ingrata, lançava às praças e às ruas públicas, lamacentas e sórdidas, as suas
ideias de cada dia, nobres, castas e desinteressadas (...) adejando sobre as
imundícies e sobre as dejecções da cidade, como douradas abelhas impolutas, que
vão de alma em alma sacudindo das asas luminosas em pólen diamantino a divina
verdade.
A prosa puríssima de Ramalho Ortigão, parece,
fustigar, por vezes, a atitude do isolamento a que Herculano, num dado
passo, votou a sua vida – como se não
tivesse esse direito por ser a figura que era e de quem muito haveria a esperar
– tendo perdido a sociedade muito daquilo que o seu talento dispunha para a
formação intelectual e humana das gerações mais novas.
Diz, ele, que o afastamento da vida pública
daquele homem comprometeu o destino mental de uma geração inteira e que a ausência do espírito sobre o espírito foi
uma catástrofe para a geração moderna, ou seja, para a sua própria geração.
Ramalho viria a morrer no ano de 1915, teve a
arte de nos deixar retratos lindíssimos do seu tempo e dos homens que teve a
honra de conhecer, quer pessoalmente, quer na vida pública.
Ao ler a prosa de grande profundidade social
que fez escola, o escritor de aguarelas
tão finas da vida portuguesa do último quartel do século XIX, traça um quadro
que ainda hoje, tem todo o sentido, pelo facto de assistirmos ao abandono da
vida pública activa, de figuras proeminentes, que muito teriam a dar à Pátria
portuguesa, onde proliferam em demasia vultos sem o golpe de asa que
forma os grandes homens e os grandes estadistas, parecendo que os devemos
chamar a estar presentes, sobretudo, neste momento difícil que atravessamos,
onde deixámos que se perdesse pelo caminho muito da honra e do dever que
engrandecem as sociedades.
E não é demais lembrar a prosa de Ramalho sobre
o isolamento, no fim da vida, de Herculano, remetido a um silêncio profundo na
sua casa de campo, perto de Lisboa.
Diz ele, que à tribuna parlamentar nunca
mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse até aos
quatro cantos do País, a expressão viril das grandes convicções(...).
É neste ponto que devemos reter o nosso
pensamento, porque aquilo que no nosso tempo mais dói ao povo que somos, é não
ser feito como devia, o combate sereno, embora inflexível, sobres as grandes
causas que estão por detrás das grandes convicções, parecendo que os homens do
nosso tempo se bastam com meros exercícios de retóricas mal alinhavadas, como
se o povo não lhes merecesse um pouco mais de respeito, de combate duro e
convicto na defesa dos valores
importantes da vida, que são afinal, aqueles que dão sentido às grandes
batalhas do espírito.
A política converteu-se em uma vasta associação
de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja
missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a
cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e
sair do Governo.
Este último parágrafo não é da
minha lavra.
É de Ramalho Ortigão e pertence ao conjunto da
prosa belíssima que ele escreveu em 1877, lembrando a morte do autor da
“História de Portugal”.
Ao lê-la, até parece que os grupos em que se
dividem os partidos, nas várias sensibilidades que os formam – enfaticamente
apelidadas de sãos pluralismos – mais não representam que impelirem-se e
repelirem-se sucessivamente uns aos outros, para alcançarem o poder, como
diz o autor das “Farpas”.
Chamemos, pois, à vida pública no momento
oportuno, todos aqueles homens de eleição que conhecemos, porque o nosso povo
bem precisa das suas vozes e dos seus exemplos para ganhar coragem e salvar a
Pátria.
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