Na primeira
leitura da Eucaristia de hoje ouvi o seguinte: “…ponho diante de vós a vida e a
morte, Escolhe a vida, para viveres, tu e a tua descendência, amando o Senhor,
teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele” (Dt 30, 19-20).
Como é que eu escolho a vida? (…) Um dos aspectos que uma
opção de vida implica é escolher a alegria. A alegria beneficia a vida, mas a
tristeza traz a morte. Um coração triste é um coração onde alguma coisa está a
morrer. Um coração feliz é um coração em que está a nascer alguma coisa nova.
Henri J. M. Nouwen (1)
A Caminho de Daybreak
O Coro esfusiante do
quarto andamento do Hino à Alegria da 9ª Sinfonia de Beethoven, canta
enlevadamente: Abracem-se milhões! Enviem este beijo para todo o mundo! Irmãos, além
do céu estrelado mora um Pai Amado. Milhões se deprimem diante Dele? Mundo,
você percebe seu Criador? Procure-o mais acima do Céu estrelado! Sobre as
estrelas onde Ele mora.
O “Eureka” do antigo
sábio grego plasmou-se, um dia, no grito de Beethoven: Consegui! Consegui! Enfim, encontrei a alegria!
Entendido como um grito
de emancipação do tempo feudal o Hino à Alegria levou Romain Rolland a elevá-lo
ao estatuto de uma ode humanista celebrando a fraternidade entre os povos,
tendo merecido em 1985 a
eleição de hino oficial da União Europeia, simbolizando os valores partilhados
pelos Países membros, algo que já fora sentido e acarinhado por Beethoven.
Diz-se que ele, após
ter encontrado a solução para um problema de vários anos, em que não conseguira
encontrar talento para musicar os difíceis versos da an die Freude (Ode à Alegria) de Schiller, sentou-se ao piano e
passou a dedilhar aquele hino à fraternidade humana, e que este ao ordenar Abracem-se milhões! Enviem este beijo para
todo o mundo!, nos quer transmitir o modo como devemos escolher a vida,
amando Deus, sentindo que além do céu
estrelado mora um Pai Amado, como afirmam os versos que originaram algumas
desesperanças do compositor e, depois, lhe deram tão grande contentamento.
Cheia de alegria, esta
música genial de Beethoven leva-nos a Deus através da harmonia encontrada e que
por fim deu sentido rítmico aos versos de Schiller, que deixara impresso no
poema uma sonho idealista onde a raça humana
tenderia a ser, no futuro, uma irmandade.
Estando esse desiderato
longe de ser conseguido, continua, contudo, pela universalidade que lhe deu a
genialidade da pauta musical, a ter para os homens de hoje, o mesmo sentido,
num abraço de fraternidade, convidando-os a abandonar os versos difíceis que acontecem nas suas vidas onde se notam, aqui e
ali, manchas de algum desencanto pela falta de Deus, que não se procurou ou foi
abandonado e embora presente no mundo, visivelmente, em tantas acções humanas,
tem, a Sua morada, como salienta Schiller,
acima do Céu estrelado!
É, para que esse Céu,
através da alegria, possa existir como uma dádiva que os homens recebem
gratuitamente d’Aquele que é Alfa e o Ómega, constituindo-se congregador e distribuidor de todas as graças, que o
sentimento alegre tem ser uma escolha consciente e meta para onde devem
caminhar todas as atenções e empenhos humanos.
E, desse modo, a
dicotomia referida por Henri J. M.
Nouwen e se lê no Deuteronómio, ponho
diante de vós a vida e a morte, não deva ser nunca uma escolha de morte,
mas de vida, algo que só existe, verdadeiramente, quando o homem, decifrados os
versos de Deus e encontrada a
harmonia de que nunca desistiu, à semelhança de Beethoven, possa lançar,
alegremente, o seu grito de felicidade: Consegui!
Consegui! Enfim, encontrei a alegria!
Assim, como aconteceu
com o compositor, não podemos abandonar jamais o desejo de conseguir a alegria,
se acreditamos em Deus, Fonte da Vida, porque crendo n’Ele nada nos poderá
empurrar para a morte.
Mas, atenção. Não
confundamos alegria com hilaridade.
A alegria é um estado
de alma que dá a quem a possui um contentamento permanente, traduzido naquele
verso de Schiller, que contém um desejo ardente de levar a todos os homens esse
sinal de felicidade: Enviem este beijo
para todo o mundo! – apontando para a alegria verdadeira, aquela que fez
explodir o génio musical de Beethoven, e é uma acção de graças, enquanto a
hilaridade é, quase sempre, um momento
que passa, mas sem o poder de contagiar ninguém.
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(1)-Sacerdote católico, natural da Holanda. Assistiu a
comunidade de deficientes mentais de L’Arche-Daybreak, em Toronto
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