Pesquisar neste blogue

domingo, 16 de junho de 2013

Alminhas Populares (Oratório dos Caminhos)



"Alminhas" na fachada de um edifício
in, Carta do Lazer das Aldeias Históricas


“ALMINHAS POPULARES"

Se for chamado a tormentos
Meu Jesus, - Bondade – Infinda
Faz que seja nas Alminhas
Da minha aldeia tão linda.
......................................
Nem só na Igreja se reza
Também vós sois oratório,
Ó Alminhas do caminho,
À beira do Purgatório.

António Correia de Oliveira
in, Poema: “Alminhas”

INTRODUÇÃO


Chamamos “Alminhas” aos pequenos e singelos oratórios de construção pétrea, alguns mais recentes, pintados de branco, como marcos a bordejar os caminhos, normalmente abrigados em nichos, muitos deles protegidos por grades de ferro, guardando no interior a coberto  das canículas e das tempestades pequenas pinturas alusivas às almas que aguardam a hora da redenção, tendo explícitas, palavras piedosas num pedido de orações a todos os que passam junto delas.

Este tema de pura religiosidade popular que se encontra inequivocamente expresso nas representações policromáticas do Purgatório,  não passou desapercebido ao estro do mimoso Poeta que foi António Correia de Oliveira, como não passa – mas sem manifestações de cunho literário – à maioria do povo, especialmente àquele que se situa a norte do Rio Tejo, tendo este fenómeno religioso implantação de relevo em toda a região da Beira-Serra, onde não há aldeia que não tenha as suas “Alminhas”.
Causa próxima disto é o facto do tema ter raízes fundas na alma do povo, de tal modo que ainda neste tempo se assiste um pouco por todo o lado, quer à feitura destas modestas construções, quer à reparação das mesmas, factos comprováveis que nos dão deste acontecimento popular uma imagem da fé dos vivos ao orar pelos seus mortos, fazendo-o convictamente.

Segundo uma crença muito antiga este hábito é coevo das religiões anteriores ao próprio cristianismo, as quais se pautavam já naqueles tempos distantes na crença da existência  dum patamar intermédio entre o Inferno e o Paraíso como um lugar destinado a receber os mortos e onde estes podiam ser resgatados das suas culpas.
Este lugar de expiação só muitos séculos depois, por intervenção dos cristãos é que passou a ser designado pelo nome de Purgatório. (1)

Aconteceu isto em pleno tempo da Contra-Reforma, logo após ter surgido na Alemanha, encabeçado por Martinho Lutero (2) o movimento reformador que negava a sua existência.
Desde os tempos da sua aparição as “Alminhas” nunca deixaram  de constituir um tipo de religiosidade tradicional a que se prendeu sempre algum sentido de temor a Deus.
Tradicional por ser um assunto vinculado a um esquema antigo e de certo modo arcaico legado pela Idade Média e temeroso, porque no mais fundo da alma do povo crente existia o receio do julgamento divino, donde terá surgido em linha directa a necessidade de orar pelas almas dos mortos, na esperança que eles, resgatados dos seus pecados intercederiam pelos vivos junto de Deus.

A este propósito, J. Leite de Vasconcelos (3) refere o seguinte:
Em umas alminhas de ao pé de Braga, está inscrito este letreiro:

                                  
                                                           Lembrai-vos de nós
                                                           Que nós nos lembraremos de vós.

Naqueles recuados tempos o cristianismo preenchia a vivência do homem desde o seu nascimento até ao fim da sua caminhada terrena, onde não faltavam as superstições mais variadas, ingénuas, muitas vezes e quase sempre como reflexo de falta de cultura religiosa, mas marcantes no modo como as pessoas conduziam os destinos por entre algumas sombras a que a ausência de conhecimentos emprestavam algum desconforto, onde o medo pela ira divina ganhava uma grande importância.

 

ORIGENS E SUA IMPLANTAÇÃO


Há quem defenda a tese de que as “Alminhas” são um reflexo, no cristianismo,  de antigos costumes pagãos existentes na velha Roma e cuja cultura como se sabe se espalhou pelo grande Império conquistado pelas suas grandes legiões de destemidos guerreiros
J. Leite de Vasconcelos, a este propósito, não se coíbe de afirmar que elas são um vestígio do paganismo.
Se recuarmos no tempo, concluiremos que na velha Roma havia o culto pela sacralização dos mortos, um costume que estará na origem da construção dos manes-lares – mortos divinizados – mas isso parece não constituir uma referência válida que possa estar na génese do aparecimento das “Alminhas”.

E do mesmo modo os lares viales e lares compitales.

Constituíam eles um hábito romano que passava pela  erecção ao longo dos caminhos e nas suas encruzilhadas de pequenas construções a que chamaram: Lares Viales – deuses protectores de caminhos - e Lares Compitales – deuses protectores das encruzilhadas – todos eles dedicados aos deuses Lares, tidos como génios agrícolas, prefigurando divindades destinadas à protecção dos campos e das respectivas colheitas.

No ano de 577 este culto predominantemente campestre, por ordem se Sérvio Túlio, deixou a sua implantação campesina e passou a estar presente dentro do perímetro urbano de Roma, instalando-se os altares de igual modo nas encruzilhadas e ruas da cidade.
Pode, no entanto e  com segurança afirmar-se que nem só os romanos veneravam os génios protectores dos caminhos.
A solidão destes, por regra, eram causa de ataques de malfeitores e, por outro lado, as tempestades, o frio e a chuva eram temidos pelos viajantes, factos que faziam sentir a falta de abrigos, o que teria levado já os gregos a suprir esta necessidade, fazendo construir pequenas capelas dedicadas especialmente à protecção de Apolo e de Hermes.
Na Lusitânia, no tempo dos celtas, por volta do século VI, havia do mesmo modo divindades protectoras dos caminhos.

Estes factos terão contribuído, decididamente, para que a Igreja dos primeiros tempos – que como é sabido utilizou práticas correntes do paganismo vestindo-as com a roupagem do anúncio da crença no Deus único, pregada por Jesus – contrapôs àquelas manifestações a sua doutrina, como manifestação à sociedade da referência maior que tinha para dar: a Cruz, onde fora crucificado o Filho de Deus.
A cruz originou, deste modo, a existência dos primeiros cruzeiros, quando num dado lugar se pretendia deixar uma marca de algo que tivesse acontecido e fosse motivo de orações.
Por isso se pode afirmar que os primitivos Cruzeiros que antecederam as “Alminhas” foram as primeiras afirmações da Igreja ao longo dos caminhos, enquanto marcos importantes de religiosidade cristã e cuja difusão terá atravessado toda a Idade Média.
As “Alminhas” efectivamente, haveriam de surgir muito depois, em pleno tempo da Contra-Reforma (4) quando as “Confrarias das Almas”, entretanto instituídas em finais do século XVI entraram em acção sob a invocação da Virgem.

Por este motivo a sua implantação no terreno não se fica a dever aos primitivos costumes pagãos – ainda que possam ter alguma longínqua ligação nos seus aspectos exteriores -  sendo certo que elas são uma emanação dos tempos pré-tridentinos, onde a crença na existência do Purgatório aceite pela Igreja logo nos primeiros séculos, passou a ter uma aceitação generalizada muito antes da sua oficialização conciliar a qual só viria a acontecer no século XIII.
A tradição popular desde sempre acreditou que as encruzilhadas dos caminhos eram centros privilegiados para se reunirem forças estranhas e sobrenaturais, havendo quem asseverasse que naqueles lugares haviam danças de bruxas e feiticeiros, bem como o aparecimento de lobisomens e outras coisas espantosas a que seria imperioso oferecer o dom implícito no poder da oração.

 Muitas das “Alminhas” que vemos erectas nesses locais reflectem sentimentos de crenças simples nesse poder de cariz eminentemente espiritual, o qual seria capaz de afugentar as forças do mal que naqueles lugares se reuniam.
Contra estas forças têm-se como certo, que durante muito tempo – possivelmente até ao século VI – era  costume acender-se luzes nas encruzilhadas dos caminhos.
No que se refere à implantação das “Alminhas” em Portugal – e, concretamente, nos caminhos e aldeias da Beira-Serra – este facto, terá ocorrido durante o século XVII quando as primeiras “Confrarias das Almas” – após o Concílio de Trento - terão feito a sua aparição entre nós, promovendo-se  a sua difusão sob o valimento das orações pelas almas dos mortos,  empresa a que o clero se terá associado,  empenhadamente.

 

EXISTÊNCIA DO PURGATÓRIO


Terão pesado decisivamente nos Padres conciliares que viriam a definir o dogma do Purgatório, as palavras do Cap. 12, versículo 42 do 2º Livro dos Macabeus, onde é relatada a morte de alguns soldados de Judas Macabeu às mãos de tropa de Górgias, comandante da Idumeia. (5)
Conta-se naquele passo do Livro do Antigo Testamento, que tendo-se reconhecido debaixo das túnicas dos soldados mortos alguns objectos consagrados aos ídolos, o que era proibido pela lei judaica, Judas Macabeu e aqueles que o seguiam puseram-se em oração, implorando que o pecado cometido obtivesse um completo perdão de Deus.

E do mesmo modo, no Novo Testamento, ecoavam as palavras de S. Marcos, no Cap. 3, versículo 28, quando diz: Aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem (...)
Resultou de tudo isto que a Patrologia (6) assessorada por doutos teólogos, acabasse por dar um esclarecimento cabal ao sentido da expiação dos pecados, como obra a realizar no Purgatório, após a morte do corpo.
Sobre este tema Santo Agostinho e S. João Crisóstomo – entre outros -  deixaram escritos, bem como eminentes doutores de Teologia da Idade Média, de onde se destacaram S. Boaventura e S. Tomás de Aquino.

A eficácia das orações sufragando as almas do defuntos, como já se afirmou, era um costume que havia entrado na prática corrente logo nos primeiros anos do cristianismo, como o deixam perceber alguns grafismos alusivos encontrados em catacumbas a que se juntou sempre a pregação dos Presbíteros  e os Papas e, ainda a tradição popular.
Muito embora esta crença a sua representação iconográfica é bastante tardia.

Ganhou, apenas, alguma expressão a partir do século XV, facto que se ficou a dever à controvérsia havida em pleno século XIII, onde uma corrente de teólogos orientais ao arrepio da crença que vinha detrás, pôs em causa as penas pelo fogo no Purgatório, a que se contrapuseram os teólogos ocidentais ao defender o oposto, tendo como referência o apóstolo S. Paulo que na I Epístola aos cidadãos de Corinto, no Cap. 3, versículo 15 faz alusão ao fogo purificador e do mesmo modo, outro tanto é referido por S. Pedro na sua 1ª Epístola, Cap. 1 versículo 7.
O II Concílio de Lião realizado no ano de 1274 vem já por  luz sobre este assunto, assumindo o Purgatório como um dogma.
 Anos depois, o Papa João XXII (1316-1334) publicou a  Bula Sacratissimo uti culmine ou Bula Sabatina, onde reproduz as palavras que a aparição da Virgem lhe teria dito sobre a salvação das almas do Purgatório.

 Ao reconhecer nela a Confraria do Santo Escapulário do Carmo (7) -  existente havia já alguns anos -  e   instituindo  o culto da Virgem do Carmo – patrona dos confrades –  cuja acção intercedia na salvação das almas, estes factos viriam a ter uma importância vital na crença do Purgatório que se ia generalizando, um pouco por todo o lado.
 Mais tarde, no ano de 1439, no Concílio de Florença este assunto viria a ser rectificado e posteriormente, com carácter definitivo, no Concílio de Trento (8) como doutrina da fé, já entretanto, estabelecida.

 A tudo isto deve acrescentar-se que a lenda da aparição de Jesus ao Papa S. Gregório Magno, quando este celebrava na Igreja da Santa Cruz de Jerusalém, em Roma, no final da Idade Média teve uma grande importância, comprovada pelo facto deste acontecimento ter marcado definitivamente a representação iconográfica das almas do Purgatório, com especial difusão no Ocidente, onde as chamadas “Missas de S. Gregório” ao multiplicarem-se por toda a cristandande haveriam de chegar a Portugal.

De tudo quanto se disse pode afirmar-se que o dogma da existência do Purgatório marcou definitivamente toda a cristandade até aos tempos de hoje, onde este tema continua a ter na alma do povo uma grande aceitação, sendo o mesmo assumido nos nossos tempos pela Igreja de Roma, conforme assinala a mais recente publicação do Catecismo da Igreja Católica.
Deve referir-se que esta crença marcou desde muito cedo os povos mais antigos.
O bispo húngaro Thiamer Tóth (9)afirma o seguinte, num dos seus livros:

A fé no Purgatório não encontra somente grandes tesoiros de consolação para os cristãos; é também crença universal enraizada no fundo da alma humana. Por isso de uma ou outra forma encontramo-la mesmo nas épocas anteriores ao Cristianismo, como um dogma das religiões pagãs.
Conservam-se alguns livros de grande antiguidade referentes às cerimónias do culto; por exemplo os livros dos ritos fúnebres do Egipto.
E neles se fala das expiações porque hão-de passar as almas dos justos antes de serem admitidas no reino celestial de Osiris.
Segundo a religião dos Persas, as almas dos defuntos deviam passar, em peregrinação penosa pelos doze signos do zodíaco, e só depois alcançariam a eternidade.
Os estoicos gregos referem-se às esferas de fogo do “empírio” (10) em que as almas se purificam das faltas.
Não há liturgia pagã em que não se encontrem orações e sacrifícios pelas almas que vão “errando nas sombras”.

RERESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA DO PURGATÓRIO


Foi durante os séculos XV e XVI que a iconografia alusiva às almas padecendo nesse estádio entre o Céu e o Inferno, se difundiu, com especial relevância no século XV, onde as almas eram representadas no espaço inferior das pinturas, como acontece com o quadro de um pintor natural de Toledo, Pedro Machuca existente no famoso Museu do Prado, em Madrid: “A Virgem e as Almas do Purgatório” (1517).

Estes quadros tendo por figura central a Virgem com o Menino, rodeada de anjos e sentada nas nuvens, fazendo gotejar leite sobre as almas a partir dos seus seios simbolizavam o alívio que as orações dos crentes provocavam nos pacientes tiveram grande difusão até finais do século XVI, altura em que a partir das ideias determinadas pela Contra-Reforma o poder eclesiástico viria a proibir tal representação.
A  lenda de S. Gregório, anunciando que as almas seriam salvas da fogueira através das orações dos viventes, foi outro motivo do desenvolvimento iconográfico da representação do Purgatório.

O facto deste ser representado por uma fogueira ardente, no meio da qual se alinhavam os condenados é um elemento que foi sempre ao encontro da Teologia ocidental, sendo de referir que nem o Concílio de Lião nem o de Florença assinalaram o fogo como uma condição purificadora, decisiva e inalterável, sendo certo que terá havido da parte dos eclesiásticos alguma exorbitação, podendo admitir-se como válida a tese que teria partido deles a orientação para que os artistas incluíssem nas suas pinturas o fogo como representação trágica das penas do Purgatório.

É ponto assente que os artistas da Idade Média ao representar o Inferno se serviam da cabeça de Leviatão (11) e duma caldeira – a caldeira de Pêro Botelho - suspensa sobre chamas, modelos que estiveram também presentes nos quadros do Purgatório, vendo-se em muitos deles os anjos a libertarem os condenados após a expiação das suas penas,  quer do monstro ou da caldeira ardente.
Este costume medieval prolongou-se até ao século XVII.
Em muitos casos vêem-se quadros representando S. Miguel segurando nas mãos uma balança cuja finalidade é a de pesar as almas já redimidas, aparecendo na parte inferior por entre as chamas purificadoras, vultos de um rei coroado, um bispo mitrado  e um nobre, como prova da igualdade de todos perante Deus.

APARECIMENTO DAS “CONFRARIAS DAS ALMAS”,
IMPULSIONADORAS DAS “ALMINHAS”

A crença no Purgatório sofre os primeiros abalos  com o movimento de Martinho Lutero, cuja asserção ao negar o valor das orações pela alma dos mortos faz que se lhe siga na mesma peugada o reformador João Calvino, em França.
As acções destas personalidades respeitadas pelo pensamento colectivo em faixas muito importantes da sociedade protestante, entretanto aflorada, faz despoletar noutras nações da Europa movimentos afins, como aconteceu na Suécia, Noruega, Suiça, Países-Baixos, Hungria, Polónia, Grã-Bretanha e Escócia.
O Concílio de Trento[1] para se opor àquele movimento separatista travou um árduo combate, no intento de remediar as desordens que iam alastrando, tendo dando início à Contra-Reforma, destacando-se Papas como Paulo III, Paulo IV, Pio IV, S. Pio V, Gregório XIII e Sisto V.

Nas representações do Purgatório desaparece o Leviatão e a caldeira fumegante, dando-se um lugar privilegiado à Virgem, ao alto, a assistir do Céu  à expiação das almas que em baixo são retiradas dos tormentos pela mão de um ou mais anjos.
O padroeiro das Confrarias das Almas, S. Gregório Magno, aparece em muitos quadros junto da Virgem e de Cristo, assistindo à libertação das almas.
Em Portugal, estas Confrarias terão chegado em pleno século XVII, havendo registos da sua existência entre os anos de 1610, em Lisboa e 1668, no Porto, tendo-se difundido no início do século XVIII por todo o País, aparecendo por todo o lado, ao ar livre e por sua iniciativa, pinturas do Purgatório acompanhadas com legendas onde eram pedidas orações pela alma dos mortos.

Nasceram deste modo as “Alminhas”, ainda hoje, um costume bem enraizado no nosso povo, costume que teve grande aceitação na piedade popular das gentes de todas as aldeias do interior e, logo, é possível presumir que as primeiras “Alminhas” terão chegado  às aldeias da Beira-Serra durante o século XVII.
Inicialmente, os primeiros painéis eram pintados sobre madeira e eram colocados suspensos sobre paredes, em lugares públicos.
Sucederam-se, depois, as primeiras construções com pequenos nichos defensores dos painéis e legendas pondo estes elementos a coberto dos agentes atmosféricos.
A  grafia, de um modo geral, assentava nos seguintes dizeres, em português actual:
Lembrai-vos Das Almas do Purgatório Com Um Padre Nosso e Uma Ave Maria
Ou, ainda:
Vós Que Passais Lembrai-vos  de Nós Com Um P. N. A. M., ou, como se lê numa poesia de António Nobre:

........................................................

Ora havia lá (e há ainda) umas Alminhas
Com um painel antigo sob um oratório
Que são as almas a penar no Purgatório.
E tem esta legenda: “Ó vós que ides passando
Não esqueçais a nós neste lume penando!”

.............................................................
Por todo o século XVIII as “Alminhas” tiveram sempre como moradia nichos que se encrustavam em edifícios e muros ou, então, ocupando pequeninas capelas ao longo dos caminhos ermos.
Nos séculos XIX e XX as “Alminhas” sofrem a alteração do material dos painéis, que em muitos casos passou a ser substituído pelo azulejo policromático, mantendo no entanto os aspectos iconográficos alcançados na época da Contra-Reforma.


"Alminhas" junto a um caminho rural da Beira-Serra
(1961) - foto do autor

AS “ALMINHAS” DA BEIRA-SERRA


Os que num dia distante
Vos ergueram com carinho
Convidam o caminhante
Já cansado do caminho
A uma pausa na jornada
E à oração que alivia,
Lembrando a alma amada
Pai - Nosso ; Avé - Maria

Com toda a segurança tem-se como certo que a expansão das “Alminhas” se fez, prioritariamente, pelas regiões a norte do Rio Tejo, muito especialmente para cima do Rio Mondego, tendo tido larga expansão em muitas zonas da Beira-Serra no século XIX,  onde não raro é possível encontrar construções à beira de caminhos de pé posto nas encostas e até nos cumes dos montes por onde passavam os viajantes e aos quais estas modestas construções podiam fornecer abrigo durante as tempestades.

Em muitos casos na nossa região elas assinalam casos de mortes ocorridas por viajantes nas solidões dos descampados e, até, dando cumprimento a promessas.
Se é ponto assente que as encruzilhadas dos caminhos eram tidos como locais de mágicas estranhas, podemos afirmar que as primeiras construções terão recaído nesses mesmos lugares, por serem locais de passagem de viajantes e logo propícios ao recolhimento de orações, especialmente, quando as intempéries os obrigavam a paragens na caminhada dos seus destinos.

Antigamente, na Beira-Serra, quando faltavam caminhos e os transportes motorizados não existiam, as necessidades básicas das aldeias eram supridas pelos almocreves que atravessavam os montes, muitas vezes a altas horas, levando pela arreata as alimárias, quando o não faziam eles mesmo, carregando as mercadorias.
Acontecia o mesmo com os viandantes acidentais e, até, com aqueles que faziam o correio, que muitas vezes chegava de noite, para ser distribuído na manhã seguinte.
Eram longos os caminhos e bem difíceis.
E quantas vezes as forças não terão abandonado os caminheiros da noite até ao ponto de caírem exaustos, mortos de cansaço e, quantas vezes, as crendices não terão contribuído para que num dado ponto do caminho se terem sentido amedrontados, valendo-lhes o poder da oração que erguiam a céu aberto com o pensamento no santo da sua predilecção.
Muitas das “Alminhas” que vemos por aqui e por ali, nasceram destes percalços das caminhadas e, outras, para num dado ponto do caminho assinalar a morte de alguém que não conseguira chegar ao seu destino.

Em que localidade surgiram as primeiras “Alminhas”?
Ao certo ninguém sabe.
Diz a tradição que teria sido na cidade de Lisboa, onde as primeiras representações iconográficas apresentavam pinturas de tábuas com imagens do Purgatório que se penduravam pelas paredes da cidade.
O que teria acontecido a seguir, até ao ponto do culto das almas ter preferencialmente caminhado para cima do Rio Tejo, não é possível sabê-lo com autenticidade.

 Sabe-se, pela constatação da realidade facilmente comprovável que o culto ancestral das “Alminhas” se encontra profusamente difundido por todo o Norte de Portugal, de que são exemplos as  milhares de construções, umas modestas, configurando pequenos nichos em muros delimitadores da caminhos rurais e, outras, ostentando alguma perícia de pormenor construtivo, com a inclusão de zonas alpendradas.
Na Beira-Serra, onde as “Alminhas” encontraram grande culto e tiveram uma larga expansão, está por fazer um inventário cuidadoso que abranja todos os seus Concelhos, uma obra que nos parece deveria ser feita em prol da cultura popular que marcou profundamente a alma dos nosso antepassados.

Anota-se que o vizinho Concelho da Lousã editou uma publicação onde com carácter exaustivo se faz o levantamento de todas as “Alminhas” existentes no perímetro da sua área concelhia, com o pormenor de cada uma delas estar devidamente localizada, com descrição breve dos materiais construtivos e acompanhadas com fotografia.
Julga-se que é uma tarefa que está por fazer no campo da cultura popular nos Concelhos da Beira-Serra, devendo no entanto, ter-se em conta que se mantém viva esta devoção, pelo facto como já se assinalou que é um costume a reparação daquelas que sofrem algum dano, como, inclusive, se assiste, à edificação de novas “Alminhas”

A POESIA POPULAR E AS “ALMINHAS”

Na sua ingenuidade tão peculiar o povo profundamente crente, não se esqueceu de tecer loas às “Alminhas” como facilmente se depreende das seguintes quadras populares sobejamente conhecidas:

As Alminhas pedem rezas
a quem lhes tira o chapéu
pois um simples Padre Nosso
pode a muitas dar o Céu.

As Alminhas têm caixa
para esmolas receber;
quem mais lhe dá é o pobre
apesar de nada ter.

Quem passar numas Alminhas
reze por quem as ergueu;
pois quem delas se lembrou,
ser lembrado mereceu.

As Alminhas como os búzios
no silêncio a ressoar,
trazem-nos ecos longínquos
das almas em seu penar.

E entre tantas, ah! quem sabe
se não serão incluídas
almas vossas, almas minhas,
lá no fogo inda retidas.

As Alminhas são de todos,
ninguém diga, não são minhas;
é um dever sufragá-las,
pois são nossas irmãzinhas.

Ergam-se nichos de Alminhas
como lírios num altar,
nas cidades, nas aldeias,
desde a serra à beira mar.

As Alminhas têm raízes
no peito do nosso povo
que lhes dedica um carinho
sempre vivo e sempre novo.

As Alminhas são de todos.
Pois quem é que lá não tem
um parente ou um amigo,
um bom pai ou santa mãe?



(1) - A tradição católica do purgatório tem uma história que remonta, antes de Jesus, à crença encontrada no judaísmo de rezar pelos mortos. Especula-se que o cristianismo pode ter tomado a sua prática similar. A Crença católica do purgatório se baseia, entre outras razões, sobre esta prática da oração pelos mortos.

(2) - Martinho Lutero, em alemão Martin Luther, (Eisleben, 10 de novembro de 1483 — Eisleben, 18 de fevereiro de 1546) foi um sacerdote católico agostiniano e professor de teologia germânico que foi figura central da Reforma Protestante. Que ficando contra os conceitos da Igreja Católica veementemente contestando a alegação de que a liberdade da punição de Deus sobre o pecado poderia ser comprada, confrontou o vendedor de indulgências Johann Tetzel com suas 95 Teses em 1517. Sua recusa em retirar seus escritos a pedido do Papa Leão X em 1520 e do Imperador Carlos V na Dieta de Worms em 1521 resultou em sua excomunhão pelo Papa e a condenação como um fora-da-lei pelo imperador do Sacro Império Romano Antigo.

(3) - José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo, mais conhecido por Leite de Vasconcelos (Ucanha, Tarouca, 7 de julho de 1858 — Lisboa, 17 de maio de 1941), foi um linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo português.

(4) - Contra-Reforma, também conhecida por Reforma Católica é o nome dado ao movimento que surgiu no seio da Igreja Católica e que, segundo alguns autores, teria sido uma resposta à Reforma Protestante iniciada com Lutero, a partir de 1517.

(5) - Iduméia ou Edom. Os edomitas foram um grupo tribal vizinhos de Judá ao sul, de língua semítica habitantes do Deserto de Negev e do vale de Arabá do qual é hoje o sul do Mar Morto e vizinho ao Jordão. A região tem muitos arenitos avermelhados, o que pode ter levado à origem do nome "Edom". A nação de Edom é conhecida por ter sobrevivido aos séculos VIII e IX a.C, e a Bíblia o data muitos séculos antes desses. Provas arqueológicas recentes podem indicar uma nação Edomita tão antiga quanto ao Século XI a.C., . A nação deixou de existir com o estado estabelecido com as Guerras judaico-romanas.

(6) - A Patrologia é uma enorme coleção de escritos dos Padres da Igreja e outros escritores eclesiásticos publicada por Jacques-Paul Migne entre 1844 e 1855 e os índices publicados entre 1862 e 1865.

(7) - O Escapulário do Carmo é um sinal externo de devoção mariana. Os seus utilizadores (quer sejam religiosos quer sejam leigos) pertencem automaticamete à Ordem Carmelita e consagram-se à Virgem Maria, na esperança de obter a sua especial proteção e intercessão. O distintivo externo desta pertença ou consagração/devoção é precisamente o pequeno escapulário marrom, que é constituído por duas peças de tecido marrom de lã atadas entre si por uma corda.

(8) - O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico. É considerado um dos três concílios fundamentais na Igreja Católica.nota 1 Foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica,1 no contexto da Reforma da Igreja Católica e a reação à divisão então vivida na Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da Contra-Reforma.1 O Concílio foi realizado na cidade de Trento, na Província autónoma de Trento, na área do Tirol italiano

(9) - Monsenhor Tihamer Toth nasceu em Szolnok (Hungria) em 1889. Estudou na Universidade de Pázmány, em Budapeste, e foi ordenado sacerdote em 1912. Em 1916, começou um programa de rádio famoso que se tornou famoso no país. Em 1924, foi nomeado professor de Pedagogia na Universidade de Pázmány e, em 1931, foi escolhido para ser diretor do seminário de Budapeste. Foi sagrado bispo em 1938, mas faleceu pouco depois, em 1939. (in, Eclesiae)

(10) - Empíreo, a partir do latim medieval Empyreus, uma adaptação do grego antigo, "dentro ou sobre o fogo (pyr)", devidamente Céu Empíreo, é o lugar mais alto dos céus, (reservado para anjos, deuses, santos e seres abençoados) que em cosmologias antigas deveria ser ocupado pelo elemento fogo (ou éter na filosofia natural de Aristóteles).

(11) - O Livro de Jó, capítulos 40 e 41, aponta a imagem mais impressionante do Leviatã, descrevendo-o como o maior (ou o mais poderoso) dos monstros aquáticos1 , . No diálogo entre Deus e Jó, o primeiro procede a uma série de indagações que revelam as características do monstro, tais como "ninguém é bastante ousado para provocá-lo; quem o resistiria face a face? Quem pôde afrontá-lo e sair com vida debaixo de toda a extensão do céu? ....Quem lhe abriu os dois batentes da goela, em que seus dentes fazem reinar o terror?......

 in, Wikipédia, com excepção do nº9


BIBLIOGRAFIA


“Alminhas” Padrões de Portugal Cristão (P. Francisco de Babo)
Os Painéis do Purgatório e as Origens da Alminhas Populares (Flávio Gonçalves)
A Arte Popular(Luís Chaves)
Etnografia Artística Portuguesa (Vergílio Correia)
As Religiões na Lusitânia, vol. III (J. Leite de Vasconcelos)
Etnografia Portuguesa, vol. X (J. Leite de Vasconcelos)



Sem comentários:

Enviar um comentário