"Alminhas" na fachada de um edifício
in,
Carta do Lazer das Aldeias Históricas
“ALMINHAS
POPULARES"
Se for chamado a tormentos
Meu Jesus, - Bondade –
Infinda
Faz que seja nas
Alminhas
Da minha aldeia tão
linda.
......................................
Nem só na
Igreja se reza
Também vós sois
oratório,
Ó Alminhas do caminho,
À beira do Purgatório.
António
Correia de Oliveira
in,
Poema: “Alminhas”
INTRODUÇÃO
Chamamos “Alminhas” aos pequenos e singelos
oratórios de construção pétrea, alguns mais recentes, pintados de branco, como
marcos a bordejar os caminhos, normalmente abrigados em nichos, muitos deles
protegidos por grades de ferro, guardando no interior a coberto das canículas e das tempestades pequenas
pinturas alusivas às almas que aguardam a hora da redenção, tendo explícitas,
palavras piedosas num pedido de orações a todos os que passam junto delas.
Este tema de pura religiosidade popular que se
encontra inequivocamente expresso nas representações policromáticas do
Purgatório, não passou desapercebido ao
estro do mimoso Poeta que foi António Correia de Oliveira, como não passa – mas
sem manifestações de cunho literário – à maioria do povo, especialmente àquele
que se situa a norte do Rio Tejo, tendo este fenómeno religioso implantação de
relevo em toda a região da Beira-Serra, onde não há aldeia que não tenha as
suas “Alminhas”.
Causa próxima disto é o facto do tema ter
raízes fundas na alma do povo, de tal modo que ainda neste tempo se assiste um
pouco por todo o lado, quer à feitura destas modestas construções, quer à
reparação das mesmas, factos comprováveis que nos dão deste acontecimento
popular uma imagem da fé dos vivos ao orar pelos seus mortos, fazendo-o
convictamente.
Segundo uma crença muito antiga este hábito
é coevo das religiões anteriores ao próprio cristianismo, as quais
se pautavam já naqueles tempos distantes na crença da existência dum patamar intermédio entre o Inferno e o
Paraíso como um lugar destinado a receber os mortos e onde estes podiam ser
resgatados das suas culpas.
Este lugar de expiação só muitos séculos
depois, por intervenção dos cristãos é que passou a ser designado pelo nome de
Purgatório. (1)
Aconteceu isto em pleno tempo da
Contra-Reforma, logo após ter surgido na Alemanha, encabeçado por Martinho
Lutero (2)
o movimento reformador que negava a sua existência.
Desde os tempos da sua aparição as “Alminhas”
nunca deixaram de constituir um tipo de
religiosidade tradicional a que se prendeu sempre algum sentido de temor a
Deus.
Tradicional por ser um assunto vinculado a um
esquema antigo e de certo modo arcaico legado pela Idade Média e temeroso,
porque no mais fundo da alma do povo crente existia o receio do julgamento
divino, donde terá surgido em linha directa a necessidade de orar pelas almas
dos mortos, na esperança que eles, resgatados dos seus pecados intercederiam
pelos vivos junto de Deus.
A este propósito, J. Leite de Vasconcelos (3) refere o seguinte:
Em umas alminhas de ao pé de Braga, está
inscrito este letreiro:
Lembrai-vos
de nós
Que
nós nos lembraremos de vós.
Naqueles recuados tempos o cristianismo
preenchia a vivência do homem desde o seu nascimento até ao fim da sua
caminhada terrena, onde não faltavam as superstições mais variadas, ingénuas,
muitas vezes e quase sempre como reflexo de falta de cultura religiosa, mas
marcantes no modo como as pessoas conduziam os destinos por entre algumas
sombras a que a ausência de conhecimentos emprestavam algum desconforto, onde o
medo pela ira divina ganhava uma grande importância.
ORIGENS
E SUA IMPLANTAÇÃO
Há quem defenda a tese de que as “Alminhas” são
um reflexo, no cristianismo, de antigos
costumes pagãos existentes na velha Roma e cuja cultura como se sabe se
espalhou pelo grande Império conquistado pelas suas grandes legiões de
destemidos guerreiros
J. Leite de Vasconcelos, a este propósito, não
se coíbe de afirmar que elas são um vestígio do paganismo.
Se recuarmos no tempo, concluiremos que na
velha Roma havia o culto pela sacralização dos mortos, um costume que estará na
origem da construção dos manes-lares – mortos divinizados – mas isso
parece não constituir uma referência válida que possa estar na génese do
aparecimento das “Alminhas”.
E do mesmo modo os lares viales e lares
compitales.
Constituíam eles um hábito romano que passava
pela erecção ao longo dos caminhos e nas
suas encruzilhadas de pequenas construções a que chamaram: Lares Viales
– deuses protectores de caminhos - e Lares Compitales – deuses
protectores das encruzilhadas – todos eles dedicados aos deuses Lares,
tidos como génios agrícolas, prefigurando divindades destinadas à protecção dos
campos e das respectivas colheitas.
No ano de 577 este culto predominantemente
campestre, por ordem se Sérvio Túlio, deixou a sua implantação campesina e
passou a estar presente dentro do perímetro urbano de Roma, instalando-se os
altares de igual modo nas encruzilhadas e ruas da cidade.
Pode, no entanto e com segurança afirmar-se que nem só os
romanos veneravam os génios protectores dos caminhos.
A solidão destes, por regra, eram causa de
ataques de malfeitores e, por outro lado, as tempestades, o frio e a chuva eram
temidos pelos viajantes, factos que faziam sentir a falta de abrigos, o que
teria levado já os gregos a suprir esta necessidade, fazendo construir pequenas
capelas dedicadas especialmente à protecção de Apolo e de Hermes.
Na Lusitânia, no tempo dos celtas, por volta do
século VI, havia do mesmo modo divindades protectoras dos caminhos.
Estes factos terão contribuído, decididamente,
para que a Igreja dos primeiros tempos – que como é sabido utilizou práticas
correntes do paganismo vestindo-as com a roupagem do anúncio da crença no Deus
único, pregada por Jesus – contrapôs àquelas manifestações a sua doutrina, como
manifestação à sociedade da referência maior que tinha para dar: a Cruz, onde
fora crucificado o Filho de Deus.
A cruz originou, deste modo, a existência dos
primeiros cruzeiros, quando num dado lugar se pretendia deixar uma marca de
algo que tivesse acontecido e fosse motivo de orações.
Por isso se pode afirmar que os primitivos
Cruzeiros que antecederam as “Alminhas” foram as primeiras afirmações da Igreja
ao longo dos caminhos, enquanto marcos importantes de religiosidade cristã e
cuja difusão terá atravessado toda a Idade Média.
As “Alminhas” efectivamente, haveriam de surgir
muito depois, em pleno tempo da Contra-Reforma (4)
quando as “Confrarias das Almas”, entretanto instituídas em finais do século
XVI entraram em acção sob a invocação da Virgem.
Por este motivo a sua implantação no terreno
não se fica a dever aos primitivos costumes pagãos – ainda que possam ter
alguma longínqua ligação nos seus aspectos exteriores - sendo certo que elas são uma emanação dos
tempos pré-tridentinos, onde a crença na existência do Purgatório aceite pela
Igreja logo nos primeiros séculos, passou a ter uma aceitação generalizada
muito antes da sua oficialização conciliar a qual só viria a acontecer no
século XIII.
A tradição popular desde sempre acreditou que
as encruzilhadas dos caminhos eram centros privilegiados para se reunirem
forças estranhas e sobrenaturais, havendo quem asseverasse que naqueles lugares
haviam danças de bruxas e feiticeiros, bem como o aparecimento de lobisomens
e outras coisas espantosas a que seria imperioso oferecer o dom implícito no
poder da oração.
Muitas
das “Alminhas” que vemos erectas nesses locais reflectem sentimentos de crenças
simples nesse poder de cariz eminentemente espiritual, o qual seria capaz de
afugentar as forças do mal que naqueles lugares se reuniam.
Contra estas forças têm-se como certo,
que durante muito tempo – possivelmente até ao século VI – era costume acender-se luzes nas encruzilhadas
dos caminhos.
No que se refere à implantação das “Alminhas”
em Portugal – e, concretamente, nos caminhos e aldeias da Beira-Serra – este
facto, terá ocorrido durante o século XVII quando as primeiras “Confrarias das
Almas” – após o Concílio de Trento - terão feito a sua aparição entre nós,
promovendo-se a sua difusão sob o
valimento das orações pelas almas dos mortos,
empresa a que o clero se terá associado,
empenhadamente.
EXISTÊNCIA
DO PURGATÓRIO
Terão pesado decisivamente nos Padres
conciliares que viriam a definir o dogma do Purgatório, as palavras do Cap. 12,
versículo 42 do 2º Livro dos Macabeus, onde é relatada a morte de alguns
soldados de Judas Macabeu às mãos de tropa de Górgias, comandante da Idumeia. (5)
Conta-se naquele passo do Livro do Antigo
Testamento, que tendo-se reconhecido debaixo das túnicas dos soldados mortos
alguns objectos consagrados aos ídolos, o que era proibido pela lei judaica,
Judas Macabeu e aqueles que o seguiam puseram-se em oração, implorando que o
pecado cometido obtivesse um completo perdão de Deus.
E do mesmo modo, no Novo Testamento, ecoavam as
palavras de S. Marcos, no Cap. 3, versículo 28, quando diz: Aos filhos dos
homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem
(...)
Resultou de tudo isto que a Patrologia
(6) assessorada por doutos teólogos, acabasse por dar um esclarecimento cabal ao
sentido da expiação dos pecados, como obra a realizar no Purgatório, após a
morte do corpo.
Sobre este tema Santo Agostinho e S. João
Crisóstomo – entre outros - deixaram
escritos, bem como eminentes doutores de Teologia da Idade Média, de onde se
destacaram S. Boaventura e S. Tomás de Aquino.
A eficácia das orações sufragando as almas do
defuntos, como já se afirmou, era um costume que havia entrado na prática
corrente logo nos primeiros anos do cristianismo, como o deixam perceber alguns
grafismos alusivos encontrados em catacumbas a que se juntou sempre a pregação
dos Presbíteros e os Papas e, ainda a
tradição popular.
Muito embora esta crença a sua representação
iconográfica é bastante tardia.
Ganhou, apenas, alguma expressão a partir do
século XV, facto que se ficou a dever à controvérsia havida em pleno século
XIII, onde uma corrente de teólogos orientais ao arrepio da crença que vinha
detrás, pôs em causa as penas pelo fogo no Purgatório, a que se contrapuseram
os teólogos ocidentais ao defender o oposto, tendo como referência o apóstolo
S. Paulo que na I Epístola aos cidadãos de Corinto, no Cap. 3, versículo 15 faz
alusão ao fogo purificador e do mesmo modo, outro tanto é referido por S. Pedro
na sua 1ª Epístola, Cap. 1 versículo 7.
O II Concílio de Lião realizado no ano de 1274
vem já por luz sobre este assunto,
assumindo o Purgatório como um dogma.
Anos
depois, o Papa João XXII (1316-1334) publicou a Bula Sacratissimo uti culmine ou Bula
Sabatina, onde reproduz as palavras que a aparição da Virgem lhe teria dito
sobre a salvação das almas do Purgatório.
Ao reconhecer nela a
Confraria do Santo Escapulário do Carmo (7)
- existente havia já alguns anos - e
instituindo o culto da Virgem do
Carmo – patrona dos confrades – cuja
acção intercedia na salvação das almas, estes factos viriam a ter uma
importância vital na crença do Purgatório que se ia generalizando, um pouco por
todo o lado.
Mais
tarde, no ano de 1439, no Concílio de Florença este assunto viria a ser
rectificado e posteriormente, com carácter definitivo, no Concílio de Trento (8)
como doutrina da fé, já entretanto, estabelecida.
A tudo
isto deve acrescentar-se que a lenda da aparição de Jesus ao Papa S. Gregório
Magno, quando este celebrava na Igreja da Santa Cruz de Jerusalém, em Roma, no
final da Idade Média
teve uma grande importância, comprovada pelo facto deste acontecimento ter
marcado definitivamente a representação iconográfica das almas do Purgatório,
com especial difusão no Ocidente, onde as chamadas “Missas de S. Gregório” ao multiplicarem-se
por toda a cristandande haveriam de chegar a Portugal.
De tudo quanto se disse pode afirmar-se que o
dogma da existência do Purgatório marcou definitivamente toda a cristandade até
aos tempos de hoje, onde este tema continua a ter na alma do povo uma grande
aceitação, sendo o mesmo assumido nos nossos tempos pela Igreja de Roma,
conforme assinala a mais recente publicação do Catecismo da Igreja Católica.
Deve referir-se que esta crença marcou desde
muito cedo os povos mais antigos.
O bispo húngaro Thiamer Tóth (9)afirma o
seguinte, num dos seus livros:
A fé no Purgatório não encontra somente grandes
tesoiros de consolação para os cristãos; é também crença universal enraizada no
fundo da alma humana. Por isso de uma ou outra forma encontramo-la mesmo nas épocas
anteriores ao Cristianismo, como um dogma das religiões pagãs.
Conservam-se alguns livros de grande
antiguidade referentes às cerimónias do culto; por exemplo os livros dos ritos
fúnebres do Egipto.
E neles se fala das expiações porque hão-de
passar as almas dos justos antes de serem admitidas no reino celestial de
Osiris.
Segundo a religião dos Persas, as almas dos
defuntos deviam passar, em peregrinação penosa pelos doze signos do zodíaco, e
só depois alcançariam a eternidade.
Os estoicos gregos referem-se às esferas de
fogo do “empírio” (10) em que as almas se
purificam das faltas.
Não há liturgia pagã em que não se encontrem
orações e sacrifícios pelas almas que vão “errando nas sombras”.
RERESENTAÇÃO
ICONOGRÁFICA DO PURGATÓRIO
Foi durante os séculos XV e XVI que a
iconografia alusiva às almas padecendo nesse estádio entre o Céu e o Inferno,
se difundiu, com especial relevância no século XV, onde as almas eram
representadas no espaço inferior das pinturas, como acontece com o quadro de um
pintor natural de Toledo, Pedro Machuca existente no famoso Museu do Prado, em
Madrid: “A Virgem e as Almas do
Purgatório” (1517).
Estes quadros tendo por figura central a Virgem
com o Menino, rodeada de anjos e sentada nas nuvens, fazendo gotejar leite
sobre as almas a partir dos seus seios simbolizavam o alívio que as orações dos
crentes provocavam nos pacientes tiveram grande difusão até finais do século
XVI, altura em que a partir das ideias determinadas pela Contra-Reforma o poder
eclesiástico viria a proibir tal representação.
A lenda
de S. Gregório, anunciando que as almas seriam salvas da fogueira através das
orações dos viventes, foi outro motivo do desenvolvimento iconográfico da
representação do Purgatório.
O facto deste ser representado por uma fogueira
ardente, no meio da qual se alinhavam os condenados é um elemento que foi
sempre ao encontro da Teologia ocidental, sendo de referir que nem o Concílio
de Lião nem o de Florença assinalaram o fogo como uma condição purificadora,
decisiva e inalterável, sendo certo que terá havido da parte dos eclesiásticos
alguma exorbitação, podendo admitir-se como válida a tese que teria partido
deles a orientação para que os artistas incluíssem nas suas pinturas o fogo
como representação trágica das penas do Purgatório.
É ponto assente que os artistas da Idade Média
ao representar o Inferno se serviam da cabeça de Leviatão (11)
e duma caldeira – a caldeira de Pêro Botelho - suspensa sobre chamas,
modelos que estiveram também presentes nos quadros do Purgatório, vendo-se em
muitos deles os anjos a libertarem os condenados após a expiação das suas
penas, quer do monstro ou da caldeira
ardente.
Este costume medieval prolongou-se até ao
século XVII.
Em muitos casos vêem-se quadros representando
S. Miguel segurando nas mãos uma balança cuja finalidade é a de pesar as almas
já redimidas, aparecendo na parte inferior por entre as chamas purificadoras,
vultos de um rei coroado, um bispo mitrado
e um nobre, como prova da igualdade de todos perante Deus.
APARECIMENTO
DAS “CONFRARIAS DAS ALMAS”,
IMPULSIONADORAS
DAS “ALMINHAS”
A crença no Purgatório sofre os primeiros
abalos com o movimento de Martinho
Lutero, cuja asserção ao negar o valor das orações pela alma dos mortos faz que
se lhe siga na mesma peugada o reformador João Calvino, em França.
As acções destas personalidades respeitadas
pelo pensamento colectivo em faixas muito importantes da sociedade protestante,
entretanto aflorada, faz despoletar noutras nações da Europa movimentos afins,
como aconteceu na Suécia, Noruega, Suiça, Países-Baixos, Hungria, Polónia,
Grã-Bretanha e Escócia.
O Concílio de Trento[1]
para se opor àquele movimento separatista travou um árduo combate, no intento
de remediar as desordens que iam alastrando, tendo dando início à
Contra-Reforma, destacando-se Papas como Paulo III, Paulo IV, Pio IV, S. Pio V,
Gregório XIII e Sisto V.
Nas representações do Purgatório desaparece o
Leviatão e a caldeira fumegante, dando-se um lugar privilegiado à Virgem, ao
alto, a assistir do Céu à expiação das
almas que em baixo são retiradas dos tormentos pela mão de um ou mais anjos.
O padroeiro das Confrarias das Almas, S.
Gregório Magno, aparece em muitos quadros junto da Virgem e de Cristo,
assistindo à libertação das almas.
Em Portugal, estas Confrarias terão chegado em
pleno século XVII, havendo registos da sua existência entre os anos de 1610, em
Lisboa e 1668, no Porto, tendo-se difundido no início do século XVIII por todo
o País, aparecendo por todo o lado, ao ar livre e por sua iniciativa, pinturas
do Purgatório acompanhadas com legendas onde eram pedidas orações pela alma dos
mortos.
Nasceram deste modo as “Alminhas”, ainda hoje,
um costume bem enraizado no nosso povo, costume que teve grande aceitação na
piedade popular das gentes de todas as aldeias do interior e, logo, é possível
presumir que as primeiras “Alminhas” terão chegado às aldeias da Beira-Serra durante o século
XVII.
Inicialmente, os primeiros painéis eram
pintados sobre madeira e eram colocados suspensos sobre paredes, em lugares
públicos.
Sucederam-se, depois, as primeiras construções
com pequenos nichos defensores dos painéis e legendas pondo estes elementos a
coberto dos agentes atmosféricos.
A
grafia, de um modo geral, assentava nos seguintes dizeres, em português
actual:
Lembrai-vos Das Almas
do Purgatório Com
Um Padre Nosso e Uma Ave Maria
Ou,
ainda:
Vós Que Passais Lembrai-vos de Nós Com Um P. N. A. M., ou, como se lê numa poesia de António Nobre:
........................................................
Ora
havia lá (e há ainda) umas Alminhas
Com
um painel antigo sob um oratório
Que
são as almas a penar no Purgatório.
E
tem esta legenda: “Ó vós que ides
passando
Não esqueçais a nós neste lume penando!”
.............................................................
Por todo o século XVIII as “Alminhas” tiveram
sempre como moradia nichos que se encrustavam em edifícios e muros ou, então,
ocupando pequeninas capelas ao longo dos caminhos ermos.
Nos séculos XIX e XX as “Alminhas” sofrem a
alteração do material dos painéis, que em muitos casos passou a ser substituído
pelo azulejo policromático, mantendo no entanto os aspectos iconográficos
alcançados na época da Contra-Reforma.
"Alminhas" junto a um caminho rural da Beira-Serra
(1961) - foto do autor
AS “ALMINHAS” DA BEIRA-SERRA
Os que num dia distante
Vos
ergueram com carinho
Convidam
o caminhante
Já
cansado do caminho
A
uma pausa na jornada
E
à oração que alivia,
Lembrando
a alma amada
Pai - Nosso ; Avé - Maria
Com toda a segurança tem-se como certo que a
expansão das “Alminhas” se fez, prioritariamente, pelas regiões a norte do Rio
Tejo, muito especialmente para cima do Rio Mondego, tendo tido larga expansão
em muitas zonas da Beira-Serra no século XIX,
onde não raro é possível encontrar construções à beira de caminhos de pé
posto nas encostas e até nos cumes dos montes por onde passavam os viajantes e
aos quais estas modestas construções podiam fornecer abrigo durante as
tempestades.
Em muitos casos na nossa região elas assinalam
casos de mortes ocorridas por viajantes nas solidões dos descampados e, até,
dando cumprimento a promessas.
Se é ponto assente que as encruzilhadas dos
caminhos eram tidos como locais de mágicas estranhas, podemos afirmar que as
primeiras construções terão recaído nesses mesmos lugares, por serem locais de
passagem de viajantes e logo propícios ao recolhimento de orações,
especialmente, quando as intempéries os obrigavam a paragens na caminhada dos
seus destinos.
Antigamente, na Beira-Serra, quando faltavam
caminhos e os transportes motorizados não existiam, as necessidades básicas das
aldeias eram supridas pelos almocreves que atravessavam os montes, muitas vezes
a altas horas, levando pela arreata as alimárias, quando o não faziam eles
mesmo, carregando as mercadorias.
Acontecia o mesmo com os viandantes acidentais
e, até, com aqueles que faziam o correio, que muitas vezes chegava de
noite, para ser distribuído na manhã seguinte.
Eram longos os caminhos e bem difíceis.
E quantas vezes as forças não terão abandonado
os caminheiros da noite até ao ponto de caírem exaustos, mortos de cansaço e,
quantas vezes, as crendices não terão contribuído para que num dado ponto do
caminho se terem sentido amedrontados, valendo-lhes o poder da oração que
erguiam a céu aberto com o pensamento no santo da sua predilecção.
Muitas das “Alminhas” que vemos por aqui e por
ali, nasceram destes percalços das caminhadas e, outras, para num dado ponto do
caminho assinalar a morte de alguém que não conseguira chegar ao seu destino.
Em que localidade surgiram as primeiras
“Alminhas”?
Ao certo ninguém sabe.
Diz a tradição que teria sido na cidade de
Lisboa, onde as primeiras representações iconográficas apresentavam pinturas de
tábuas com imagens do Purgatório que se penduravam pelas paredes da cidade.
O que teria acontecido a seguir, até ao ponto
do culto das almas ter preferencialmente caminhado para cima do Rio Tejo, não é
possível sabê-lo com autenticidade.
Sabe-se,
pela constatação da realidade facilmente comprovável que o culto ancestral das
“Alminhas” se encontra profusamente difundido por todo o Norte de Portugal, de
que são exemplos as milhares de
construções, umas modestas, configurando pequenos nichos em muros delimitadores
da caminhos rurais e, outras, ostentando alguma perícia de pormenor
construtivo, com a inclusão de zonas alpendradas.
Na Beira-Serra, onde as “Alminhas” encontraram
grande culto e tiveram uma larga expansão, está por fazer um inventário
cuidadoso que abranja todos os seus Concelhos, uma obra que nos parece deveria
ser feita em prol da cultura popular que marcou profundamente a alma dos nosso
antepassados.
Anota-se que o vizinho Concelho da Lousã editou
uma publicação onde com carácter exaustivo se faz o levantamento de todas as
“Alminhas” existentes no perímetro da sua área concelhia, com o pormenor de
cada uma delas estar devidamente localizada, com descrição breve dos materiais
construtivos e acompanhadas com fotografia.
Julga-se que é uma tarefa que está por fazer no
campo da cultura popular nos Concelhos da Beira-Serra, devendo no entanto,
ter-se em conta que se mantém viva esta devoção, pelo facto como já se
assinalou que é um costume a reparação daquelas que sofrem algum dano, como,
inclusive, se assiste, à edificação de novas “Alminhas”
A POESIA POPULAR E AS “ALMINHAS”
Na sua ingenuidade tão peculiar o povo
profundamente crente, não se esqueceu de tecer loas às “Alminhas” como
facilmente se depreende das seguintes quadras populares sobejamente conhecidas:
As Alminhas pedem rezas
a quem lhes tira o chapéu
pois um simples Padre Nosso
pode a muitas dar o Céu.
As Alminhas têm caixa
para esmolas receber;
quem mais lhe dá é o pobre
apesar de nada ter.
Quem passar numas Alminhas
reze por quem as ergueu;
pois quem delas se lembrou,
ser lembrado mereceu.
As Alminhas como os búzios
no silêncio a ressoar,
trazem-nos ecos longínquos
das almas em seu penar.
E entre tantas, ah! quem sabe
se não serão incluídas
almas vossas, almas minhas,
lá no fogo inda retidas.
As Alminhas são de todos,
ninguém diga, não são minhas;
é um dever sufragá-las,
pois são nossas irmãzinhas.
Ergam-se nichos de Alminhas
como lírios num altar,
nas cidades, nas aldeias,
desde a serra à beira mar.
As Alminhas têm raízes
no peito do nosso povo
que lhes dedica um carinho
sempre vivo e sempre novo.
As Alminhas são de todos.
Pois quem é que lá não tem
um parente ou um amigo,
um bom pai ou santa mãe?
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