Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os amigos verdadeiros


Giovanni Papini foi um homem invulgar e cuja trajectória – com o seu rasto de sombra e luz – é um enriquecimento espiritual e humano que não deixa de nos impressionar.
Polemista vigoroso fez da sua Florença natal um palco onde a sua vida inquieta deambulou à procura da verdade dos conceitos divinos, dos quais blasfemou nos verdes anos com sarcasmos violentos até se redimir, liberto de sombras e já convertido nas páginas maravilhosas da “História de Cristo”.
O prefaciador do seu livro “Um Homem Liquidado” que constitui um documento espiritual de rara beleza, diz, assim, num dado passo:
Tendo-se conhecido, tendo-se confessado a si próprio e assim com desapiedado realismo(...) prepara o seu momento espiritual mais importante: o da revelação religiosa. Revela, depois, que Papini, terá dito: Preciso de um pouco de certeza; preciso de qualquer coisa verdadeira; é-me indispensável; não sei viver sem isso.
A sua alma florentina que abrira para o mundo das letras com a fundação de revistas revolucionárias andava sequiosa de encontrar qualquer coisa verdadeira onde se pudesse agarrar e prosseguir a jornada, num passo diferente e, porventura, mais certo.
Era um libertino em busca de uma atalho que o conduzisse à estrada real.
O Cap. XXIII de “Um Homem Liquidado” começa, assim, com várias perguntas dirigidas aos seus amigos:
Mas como? Não há um sequer entre vós que tenha a coragem de vir aqui, a minha casa e na minha cara falar-me claramente, revelar, sem compaixão e sem doçuras, aquilo que eu sou? Não há nenhum que me queira dizer desapiedadamente como um verdadeiro amigo, o que fiz de mau, o que não fiz e deveria ter feito, os meus defeitos, os meus vícios e os meus delitos?.
E vai por aí fora, com perguntas e mais perguntas...
Papini, no momento em que escreve o seu livro autobiográfico era um homem em busca da verdade que julgara ter tido presa na sua mão e, afinal, na idade madura lhe fugia como a areia por entre os dedos.
Implora aos amigos com rara força interior que não tenham medo de lhe falar claro e sem compaixão. Que venham e lhe digam cara a cara os seus defeitos. Ele era um homem sequioso de emendar o muito de errado que tinha feito.
Temendo que por cobardia os seus amigos não viessem, cumprindo o que lhes pedia, acaba o Cap. XXXIII, com estas palavras: Encomendo-vos a vós, homens, a vós todos, amigos e inimigos, tende piedade deste pobre faminto de grandeza! Não lhe neguem a amargura da acusação, a dureza da sentença(...)
Papini, pela sua grandeza de ordem humana e espiritual –  da qual se dizia um faminto – é, por isso, uma personagem que nos deve merecer um grande respeito, quer pela obra literária, quer pela obra  da sua vida, que é um tratado de sociologia humana interpelativa.
A convocação dos amigos a sua casa, não para fazer uma festa ou para um jantar ou qualquer outro evento, fosse literário ou artístico é um momento de rara beleza humana.
Arguto, como sempre havia sido e conhecedor profundo da alma humana põe a tónica do seu convite numa fasquia muito alta: para ele, só os verdadeiros amigos é que podiam falar desapiedadamente, cara a cara, dizendo-lha as suas faltas.
Temos como certo que é assim. O conceito de Papini é uma alta lei da convivência humana.
É que os outros amigos, ou sejam, todos aqueles que contemporizam com as nossas atitudes e sempre dispostos a estar de acordo connosco de palmadinhas nas costas, estes não são, definitivamente, os amigos de que precisamos.
Amigos desses, são dispensáveis. Não nos fazem falta.
Que nos fique como exemplo o convite do grande escritor de Florença aos seus amigos. É preciso que assim seja para nos servir de guia no modo como os devemos classificar, na certeza que os verdadeiros  amigos serão sempre aqueles que  nos hão-de dizer as verdades por mais duras que sejam.
 Papini, pela sua vida, foi não só um gigante das letras, como de um humanismo cristão profundamente enraizado no homem que buscava a verdade das coisas.
Uma verdade por fim conquistada a golpes de génio e de exames sobre si mesmo e sobre o mundo de onde não se excluiu, chamando-o pelo contrário, às sus vivências mais íntimas e mais profundas.

Sem comentários:

Enviar um comentário