Giovanni Papini foi um homem invulgar e cuja
trajectória – com o seu rasto de sombra e luz – é um enriquecimento espiritual
e humano que não deixa de nos impressionar.
Polemista vigoroso fez da sua Florença natal um
palco onde a sua vida inquieta deambulou à procura da verdade dos conceitos
divinos, dos quais blasfemou nos verdes anos com sarcasmos violentos até se
redimir, liberto de sombras e já convertido nas páginas maravilhosas da “História de Cristo”.
O prefaciador do seu livro “Um Homem Liquidado” que constitui um
documento espiritual de rara beleza, diz, assim, num dado passo:
Tendo-se conhecido, tendo-se confessado a si
próprio e assim com desapiedado realismo(...) prepara o seu momento espiritual
mais importante: o da revelação religiosa. Revela, depois, que Papini, terá dito:
Preciso de um pouco de certeza; preciso de qualquer coisa verdadeira; é-me
indispensável; não sei viver sem isso.
A sua alma florentina que abrira para o mundo
das letras com a fundação de revistas revolucionárias andava sequiosa de
encontrar qualquer coisa verdadeira onde se pudesse agarrar e prosseguir
a jornada, num passo diferente e, porventura, mais certo.
Era um libertino em busca de uma atalho que o
conduzisse à estrada real.
O Cap. XXIII de “Um Homem Liquidado” começa, assim, com várias perguntas
dirigidas aos seus amigos:
Mas como? Não há um sequer entre vós que tenha a
coragem de vir aqui, a minha casa e na minha cara falar-me claramente, revelar,
sem compaixão e sem doçuras, aquilo que eu sou? Não há nenhum que me queira
dizer desapiedadamente como um verdadeiro amigo, o que fiz de mau, o que não
fiz e deveria ter feito, os meus defeitos, os meus vícios e os meus delitos?.
E vai por aí fora, com perguntas e mais
perguntas...
Papini, no momento em que escreve o seu livro
autobiográfico era um homem em busca da verdade que julgara ter tido presa na
sua mão e, afinal, na idade madura lhe fugia como a areia por entre os dedos.
Implora aos amigos com rara força interior que
não tenham medo de lhe falar claro e sem compaixão. Que venham e lhe digam cara
a cara os seus defeitos. Ele era um homem sequioso de emendar o muito de
errado que tinha feito.
Temendo que por cobardia os seus amigos não
viessem, cumprindo o que lhes pedia, acaba o Cap. XXXIII, com estas palavras: Encomendo-vos
a vós, homens, a vós todos, amigos e inimigos, tende piedade deste pobre
faminto de grandeza! Não lhe neguem a amargura da acusação, a dureza da
sentença(...)
Papini, pela sua grandeza de ordem humana e
espiritual – da qual se dizia um faminto
– é, por isso, uma personagem que nos deve merecer um grande respeito, quer
pela obra literária, quer pela obra da
sua vida, que é um tratado de sociologia humana interpelativa.
A convocação dos amigos a sua casa, não para
fazer uma festa ou para um jantar ou qualquer outro evento, fosse literário ou
artístico é um momento de rara beleza humana.
Arguto, como sempre havia sido e conhecedor
profundo da alma humana põe a tónica do seu convite numa fasquia muito alta:
para ele, só os verdadeiros amigos é que podiam falar desapiedadamente, cara a
cara, dizendo-lha as suas faltas.
Temos como certo que é assim. O conceito de
Papini é uma alta lei da convivência humana.
É que os outros amigos, ou sejam, todos aqueles
que contemporizam com as nossas atitudes e sempre dispostos a estar de acordo
connosco de palmadinhas nas costas, estes não são, definitivamente, os
amigos de que precisamos.
Amigos desses, são dispensáveis. Não nos fazem
falta.
Que nos fique como exemplo o convite do grande
escritor de Florença aos seus amigos. É preciso que assim seja para nos servir
de guia no modo como os devemos classificar, na certeza que os verdadeiros amigos serão sempre aqueles que nos hão-de dizer as verdades por mais duras
que sejam.
Papini,
pela sua vida, foi não só um gigante das letras, como de um humanismo cristão
profundamente enraizado no homem que buscava a verdade das coisas.
Uma verdade por fim conquistada a golpes de
génio e de exames sobre si mesmo e sobre o mundo de onde não se excluiu,
chamando-o pelo contrário, às sus vivências mais íntimas e mais profundas.
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