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domingo, 2 de junho de 2013

Os homens sem tempo


Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus; tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado; tempo para matar, e tempo para sarar; tempo para demolir, e tempo para construir; tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar; tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se.
Tempo para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora; tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar; tempo para amar, e tempo para odiar; tempo para a guerra, e tempo para a paz.
Ecl 3, 1-8

Porque nos falta a sabedoria divina abundantemente exaltada no Livro  do Eclesiastes, vivemos, efectivamente,  com falta de tempo.
Numa sociedade em que a máquina está a tomar conta do homem, este para acompanhar o ritmo que lhe é imposto, vive atordoado e entregue por demais a uma corrida contra-relógio que não lhe deixa tempo livre para se ocupar de tarefas lúdicas com tempo de se recriar e viver mais plenamente a sua humanidade.
Vivemos numa sociedade sem tempo, onde até, o cumprimento de mão na mão, muitas vezes é tão rápido que a mão que se estende, desliza de imediato da mão do outro, sem tempo de se deixar ficar, envolvida no afecto humano, que embora breve, deve ter sempre a doçura do encontro.
O dar tempo ao tempo, bem como o fazer tempo, ou o matar o tempo, ou, ainda, o fazer uma coisa por largo tempo, já não se usa, cedendo tudo isto à loucura de tudo fazer em três tempos, rapidamente e depressa, porque é assim o tempo... ou, então, passar o tempo em passatempos sem rédea, onde se perdem valores, como acontece hoje em dia em tantos lados.
Já no século XVII, Frei Castelo Branco que tinha do tempo gasto ao atropelo da lei natural que era um atitude sábia, um conceito que lhe fez ditar este formoso e profundo soneto:
Deus nos pede do tempo estreita conta!
É preciso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, do tempo, tanta conta,
Se se perde sem conta tanto tempo?!
Para fazer a tempo a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo,
não cuidei no tempo e foi-se a conta…
Eis-me agora sem conta…eis-me sem tempo…
Ó vós, que tendes tempo e tendes conta,
Não o gasteis, por nunca, em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, o terdes conta.


Ah! se quem isto conta do seu tempo
Tivesse feito a tempo, preço e conta,
Não chorava, sem conta, o não ter tempo.
O não ter tempo, como podemos aquilatar já não é de agora.
Se Frei Castelo-Branco se queixava, sobretudo, da falta de tempo que o homem dispensava a Deus, na sua época, hodiernamente, o homem, para além de continuar a não ter tempo para esse mesmo Deus, chegou ao despautério de não ter tempo para si mesmo, deixando por equacionar com tempo os seus próprios problemas e passou a viver sem nexo, deixando embotar na amálgama das coisas o seu próprio raciocínio.
Conta um história que faz parte do acervo popular, que num certo dia, um caçador tendo-se aventurado pela floresta pelo prazer do passeio e da possível caçada, encontrou a meio do caminho um lenhador entregue aos trabalhos do derrube duma árvore gigantesca, na qual dava com o machado golpes certeiros e secos.
Parou um momento, admirado pela força dos golpes, mas estranhando o pouco trabalho que produziam. Depois disto, cogitando no assunto e no motivo causador da pouca eficiência do trabalho,  que lhe parecia estranho, prosseguiu a caçada através da floresta até ao fim do dia.
Ao regressar, encontrou no mesmo local o lenhador entregue à mesma tarefa, reparando, de imediato, que a árvore continuava a resistir aos golpes certeiros da ferramenta e se mantinha, teimosamente de pé.
Intrigado, parou.
Percebeu que em cada golpe a árvore continuava a oferecer a mesma resistência da manhã, concluindo que o defeito não era do caule mas do machado que não estava afiado.
Pedindo licença, perguntou ao esforçado lenhador:
- Por que não afia o seu machado?... Está rombo, já viu?
Interrompendo o trabalho, o lenhador, secamente respondeu:
- Não posso. Não tenho tempo.
A história deste lenhador é absurda, tanto como é a sua resposta.
Enquadra-se, contudo, em todos aqueles a quem a falta de tempo tira o raciocínio para o utilizarem com tempo em proveito próprio, pois de tão atabalhoadamente o gastarem não dão conta onde perdem os seus esforços, como aconteceu com o lenhador, que apesar do empenhamento de todo um dia, pouco ou nada aproveitou do seu esforço.
O seu machado a que faltava o fio, lembra-nos as faltas que cometemos, passando de assunto a assunto de um modo rombo, ou seja, perdendo o fio às coisas, simplesmente... porque, no mundo actual tudo se quer fazer em três tempos...

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