Richard Bach começa a
“História de Fernão Capelo Gaivota” com a descrição de um dos treinos daquela
gaivota singular que vive em todos nós, como se lê na abertura do seu
livro, que é uma alegoria ao sentido que cada homem pode e deve imprimir ao vôo
da sua própria existência, pelos caminhos da vida.
Diz, assim, o escritor,
nesta história encantadora:
A maior parte das gaivotas
não se preocupa em aprender mais do que os simples factos do vôo, como ir da
costa à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer.
Para esta gaivota, contudo,
o importante não era comer, mas voar. Antes de tudo o mais, Fernão Capelo
Gaivota adorava voar.
Esta maneira de pensar não o
popularizava entre os outros pássaros, como veio descobrir.
Era de esperar que assim
acontecesse. Nem sempre é de bom tom quebrar a rotina...
O livro é dedicado pelo
autor ao verdadeiro Fernão Capelo Gaivota que vive em todos nós, na
certeza que todo o homem perante a vida pode e deve ter um comportamento
interventivo que o faça voar, às vezes, a roçar até o limite das suas
capacidades. É que só desse modo se cumpre em plenitude o destino e não quando
o homem se remete à assunção da mediania das coisas, esquecendo-se que é
preciso aprender a ganhar a aventura de vôos mais altos a caminho de um
horizonte mais lato, na procura do prémio que é devido a todos aqueles que pelo
seu empenho se tornam vencedores.
Pode esta atitude ser
embaraçosa e provocadora de engulhos para aqueles que se contentam com vôos
razantes e, até, ser causa de invejas mesquinhas e de incompreensões que não se
expressam mas se sentem.
Aconteceu assim com Fernão
Capelo Gaivota, com a agravante de o terem chamado à atenção para o seu modo de
ser diferente do resto das gaivotas.
Num certo dia, foi chamada
ao Centro, uma instituição onde se ia, sempre que havia motivos de honrar
qualquer atitude ou, pelo inverso, quando havia que fazer sentir alguma
vergonha.
Aconteceu, como era de
esperar, a segunda das hipóteses.
A gaivota mais velha começou
por dizer que a chamava pela sua desastrada irresponsabilidade (...) por
violar a dignidade e tradição da Família das Gaivotas...
De nada lhe valeu a defesa,
mesmo quando disse:
-Quem é mais responsável
do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais
elevado de vida?
Mas não. Foi castigada e
posta de lado e assim passou o resto da vida, embora aprendesse em cada dia, um
pouco mais.
Esta é, como vemos, uma
história com sentido.
Que nos sirva a lição a nós
– Fernão Capelo Gaivota, que cada um é perante a vida – para que ela seja
norteada por todos os caminhos do mundo, sempre mais longe e mais além, mesmo
contra todas as correntes malévolas e todos os Centros que nos queiram
fazer perder os vôo da coragem que são precisos no cumprimento da vida e das
suas aventuras.
É preciso cortar com a
mediania, quanto antes...
Não agir mais em bando com
todos aqueles que se contentam com vôos razantes e que à semelhança da gaivotas
se atropelam à volta das traineiras quando estas regressam das fainas da pesca.
Não se procure mais nos baixios da vida a vitória que esta tem nas alturas do
conhecimento, onde reside a glória maior de se ter vivido.
A nossa vida tem de ser um
võo assim: alto e largo.
E nunca o vôo pequeno, que nunca
chega a saber o encanto que existe no looping ou no tonneuu, que
são experiências indispensáveis ao existir pleno, porque são elas que dão
significado e dignidade à existência humana.
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