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terça-feira, 19 de março de 2019

"Momento Decisivo" - Um poema de JúlioDinis



MOMENTO DECISIVO

O Sol descia ao poente,
E florente estava o prado;
Ouviam-se auras suaves
E das aves o trinado.

Tu sentada ao pé da fonte
O horizonte contemplavas
Vias o Sol declinando
E, corando, suspiravas.

E depois... seria acaso?
Do ocaso a vista ergueste,
E, ao olhar-me, mais coraste,
Suspiraste e emudeceste.

Foi bem rápido o momento
Dum alento repentino;
Porém nesse olhar de fogo
Eu li logo o meu destino.

Nesse olhar, no rubor vivo,
No furtivo respirar...
Diz, tu mesma nessas letras
Não soletras já: amar?

1860
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Uma poesia de amor de Júlio Dinis espelhada num quadro de puro e sonhado romantismo, em que o autor após descrever a suavidade calma da paisagem que ele humaniza com o par de namorados de que ele faz parte, descreve-o enamoradamente, dando-lhe toda a fulgurância de um amor - dos poucos que teve - em que, ele vê, no olhar da sua amada quando ela deixa de olhar o "ocaso" do dia e o olha, corando, um amor que surgia.

sábado, 2 de março de 2019

"Pudor" - Um poema de Miguel Torga


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Volto de novo a Miguel Torga.

E volto, com a esperança de que os estimados leitores deste "blog", sintam que o retorno a um Poeta desta grandeza se justifica pela sinceridade que foi um bem precioso que fez dele um vulto importante na Poesia Portuguesa - pela forma como a sentiu, viveu e no-la transmitiu - chega a ser comovente a sua relação com Deus, próxima e distante, como ele nos diz, no momento em que o sentiu perto e ficou "mudo" depois de O ter "namorado na distância".

Foi isto que aconteceu na sua juventude.

E foi, por isso, que o meu pensamento se voltou, todo inteiro para o convertido Paul Claudel e do que resultou do seu encontro com a obra de Rimbaud, especialmente uma simples brochura de que ele diz: "Para mim foi de facto uma iluminação. Libertava-me por fim desse mundo asqueroso de Taine, de Renan e dos outros (....) era a revelação do sobrenatural. O génio aparece aí sob a forma mais sublime e maia pura, como inspiração vinda realmente não se sabe de onde"

A Miguel Torga faltou na sua vida alguém que se parecesse com Rimbaud e, por isso, não teve a dita que teve Paul Claudel que acabou convertido a Deus, tendo dito no fim da sua luta com Ele, que no fim "ninguém pode entrar  senão nu nos conselhos do amor de Deus", porquanto, senão nos despojamos das vestes mundanas, tudo se torna mais difícil.

Foi o que faltou a Miguel Torga.

sexta-feira, 1 de março de 2019

"Esperança" - Um poema de Miguel Torga


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Compreendo perfeitamente em toda a pujança literária deste poema do ilustre Poeta de S. Martinho de Anta, porque pertenço a uma certa classe de portugueses que nutrem por Miguel Torga uma admiração sem fronteiras religiosas, porquanto este alto espírito levou a sua vida sem  entender em toda a plenitude o lado cognocível de Deus, pelo que quando ele afirmou que gostava de beber daquele "cálice profano", que foi assim que ele o viu plasmado no seu sentimento humano ao dizer que o via cheio "de um vinho herético e sagrado", o que esta expressão nos diz é a sua confissão sincera de se sentir viver nesta dualidade de recusa e procura da divindade, mas tendo a noção que no seu "cálice profano" havia um vinho sagrado igual àquele com que Jesus brindou na Última Ceia - comparando-o ao seu sangue humano ante os seus Amigos - para depois se entregou aos algozes que o penduram na Cruz.

Deus, creio sinceramente, recebeu Miguel Torga no seu amplo Amor que tem por todos aqueles que na sinceridade das sua vidas inquietas por não sentirem a Sua presença nos pequenos nadas, ainda assim viveram  e O sentiram nas dúvidas e nas certezas que de vez em quando afloram por entre o "herético e sagrado" e é, por isso, que eu nutro pelo ilustre Poeta uma admiração sem limites.

"Apelo"- Um poema de Miguel Torga



sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Em memória do Poeta Afonso Lopes Vieira




Faz, hoje, 73 anos que nos deixou o Poeta Afonso Lopes Vieira, esse ilustre leiriense cuja acção sócio-política se centrou no Renascentismo que fez escola entre os séculos XIV a XVII.

O Poeta com um pé assente nesse Movimento cultural, económico e político inspirado na Antiguidade Clássica, viu no Humanismo o seu principal valor centrado na única Verdade irrefutável, aquela que Jesus trouxe ao Mundo, e teve o outro pé assente na Pátria que o viu nascer e na qual viu uma realidade natural que esteve presente em muitas das suas obras poéticas, como se pode perceber neste poema:

O Segredo do Mar

A “Flor do Mar” avançando
Navegava, navegava,
Lá para onde se via
O vulto que ela buscava.

Era tão grande, tão grande
Que a vista toda tapava.

E Bartolomeu erguido
Aos marinheiros bradava
Que ninguém tivesse medo
Do gigante que ali estava.

E mais perto agora estão
Do que procurando vão!

Bartolomeu que viu?
Que descobriu o valente?
- Que o gigante era um penedo
que tinha forma de gente?

Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.

 in 'Antologia Poética'

 Ou, ainda, neste outro extenso e belo poema:

Saudades Trágico-Marítimas

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Naufraguei cem vezes já...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
- olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
- E sozinho me fui pela praia além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Escuto em mim, - oiço a grita
da rude gente aflita:
- Senhor Deus, misericórdia!
- Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
- Senhor Deus, misericórdia!
- Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no vulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim, além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ah! Deus por certo conhece
minha voz que se ergue, branca e sozinha,
- flor de angústia a subir aos céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu halo...
Rezam em mim os outros que rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei chorá-lo
com lágrimas de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ó meu amor, repara
nos meus olhos, na sua mágoa clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem fim
o além, em mim...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

in 'Ilhas de Bruma'
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Sintetizando, temos que em Afonso Lopes Vieira a ideia renascentista foi um modo como ele viu e sentiu naquele Movimento uma missão orientadora que desejou não ver morrer por ver nela linhas sociais e políticas que deveriam ser guias para o seu tempo e na Pátria, viu e sentiu uma Entidade fundamental, de cariz natural e linguística, donde lhe é atribuído o seu carácter activo e multifacetado que grandemente lhe influenciaram a existência, dando-lhe inspirações, quer fossem para a sua pena literária, quer para as muitas conferências a que se sentiu chamado e que ilustrou em  nome de valores artísticos e culturais de índole nacional.

Recolheu tudo isto no volume: "Em Demanda do Graal" - 1922 - e de novo com o título: "Nova Demanda do GraaL" - 1942 -  apontando-se-lhe, o facto de se ter desmarcado do Estado Novo a partir do seu despontar com o livro "Éclogas de Agora", mantendo-se fiel ao "Integralismo Lusitano".

Este Movimento ou Agrupamento sócio-político influente entre 1914 a 1932,  é pena que não ressurja com a renovação dos seus ideais para o tempo presente, porquanto a República, tal qual a conhecemos devia ser refundada, por ter um peso demasiado no erário público para desempenhar as funções que lhe cabem, assim como a centralização do Estado num Parlamento donde tudo dimana, deveria ser mais descentralizado em favor do municipalismo, como já o havia advogou, no seu tempo, Alexandre Herculano

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

"Alma, Sonho, Poesia" - Um poema de Fernanda de Castro




ALMA, SONHO, POESIA

Entrei na vida
com armas de vencida;

Alma, Sonho, Poesia.
Quando eu cantava
o mundo ria,
mas nada me importava:
cantava.

Depois, um dia,
o mundo atirou pedras ao meu canto
e a minha alma rasgou-se.
Que seria?
                                             Medo, espanto,
revolta ou simplesmente dor?
Fosse o que fosse,
o orgulho foi maior.
Com dez punhais nas unhas afiadas
e nos olhos azuis duas espadas,
eu nunca mais seria, nunca mais,
a que entrara na vida
com armas de vencida.
Agora o meu querer era mais fundo:
de um lado, eu, do outro, o mundo.
E começou a luta desigual
do tigre e da gazela.

A vencida foi ela..
Mas que louros colheu dessa vitória
o mundo cego e bruto?
O sangue dos Poetas? Triste glória...
Cinza de sonhos mortos? Magro fruto...
Oh, não, punhais e espadas!
Eu só quero cantar! Não quero ossadas
nem, sob os pés, 'um chão de campas rasas.
Eu só quero cantar! Só quero as minhas asas
e a minha melodia:
Alma, Sonho e Poesia...                    
Alma, Sonho e Poesia...

(in, «Exílio»)


Fernanda de Castro (1900-1994) sendo, embora uma poetisa que se pode considerar "dos nossos dias" - e de grande inspiração poética -  é,hoje, pouco lembrada, porque a modernidade da nossa Cultura reinante o não consente.

E, no entanto, Fernanda de Castro dedicou uma grande parte da vida às crianças, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, de que foi Presidente e, também tendo pertencido à fundação da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, título abreviado em 1925 para Sociedade Portuguesa de Autores, merecedora aquando se perfizeram os cinquenta anos da sua actividade intelectual do seguinte encómio do seu confrade, David Mourão Ferreira:

"Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite". (in, Kikipedia)

Neste poema em que a poetiza após uma luta travada com o mundo que se ria do seu canto - a tal alegria que ela foi buscar às cordas do seu estro e de que falou David Mourão Ferreira - apresenta.se em como uma gazela em luta com um tigre - o tal mundo - para nos dizer que o triunfo caiu para o lado do mais forte, e faz a pergunta que nos devia inquietar: 

A vencida foi ela. 
Mas que louros colheu dessa vitória
o mundo cego e bruto?

Eis, aqui, em forma de poesia uma constatação que não é inócua, pois de que servem vitórias sobre aquelas criaturas que nada mais pedem à vida que não seja a liberdade de poder cantar ou de poder bater as asas que o destino lhes deu para poderem espraiar a Alma, Sonho e Poesia, o título que Fernanda de Castro deu e com toda a intenção a este seu trabalho poético?

domingo, 6 de janeiro de 2019

"As Coisas Transitórias" - Um poema de Tagore




As Coisas Transitórias

Irmão, 
nada é eterno, nada sobrevive. 
Recorda isto, e alegra-te. 

A nossa vida 
não é só a carga dos anos. 
A nossa vereda 
não é só o caminho interminável. 
Nenhum poeta tem o dever 
de cantar a antiga canção. 
A flor murcha e morre; 
mas aquele que a leva 
não deve chorá-la sempre... 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Chegará um silêncio absoluto, 
e, então, a música será perfeita. 
A vida inclinar-se-á ao poente 
para afogar-se em sombras doiradas. 
O amor há-de ser chamado do seu jogo 
para beber o sofrimento 
e subir ao céu das lágrimas ... 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Apanhemos, no ar, as nossas flores, 
não no-las arrebate o vento que passa. 
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos 
roubando beijos que murchariam 
se os esquecêssemos. 

É ânsia a nossa vida 
e força o nosso desejo, 
porque o tempo toca a finados. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Não podemos, num momento, abraçar as coisas, 
parti-las e atirá-las ao chão. 
Passam rápidas as horas, 
com os sonhos debaixo do manto. 
A vida, infindável para o trabalho 
e para o fastio, 
dá-nos apenas um dia para o amor. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Sabe-nos bem a beleza 
porque a sua dança volúvel 
é o ritmo das nossas vidas. 
Gostamos da sabedoria 
porque não temos sempre de a acabar. 
No eterno tudo está feito e concluído, 
mas as flores da ilusão terrena 
são eternamente frescas, 
por causa da morte. 
Irmão, recorda isto, e alegra-te. 

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões
in "Citador" 
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Ler e meditar Tagore, este exímio representante da cultura hindu que pelo seu poder místico se fez uma figura internacional como poeta, romancista, músico e dramaturgo, é ir ao mais fundo da alma humana e trazer de lá a beleza que ele deixou às mãos cheias no seu famosos livro Gitânjali - Oferenda Lírica - onde cada um dos   seus versos de uma sensibilidade extrema não nos deixam indiferentes, neste pequeno excerto de "O Coração da Primavera", o poeta não é menos expressivo, porque continua a dar-nos o sentido da nossa existência  - a flor murcha - que morre e quando chegar - um silêncio absoluto - e a vida se inclinar - ao poente - é, como ele diz que - no eterno tudo está feito e concluído -  mas as fores - da ilusão terrena -  que deixarmos em nossa lembrança - são eternamente frescas - sendo todas as outras, as que murcham e morrem AS COISAS TRANSITÓRIAS que têm o nome que Tagore dá a este poema de análise existencial, onde a verdade é o seu  expoente mias profundo.                                

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

"Quem o viu! e quem o vê"!

Caricatura de Guerra Junqueiro

in, "A Farça" - ano 1º - nº1 - Coimbra, 20 de Dezembro de 1920
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Irreverente, ao estilo coimbrão dos seus colaboradores, Ramada Curto,Veiga Simões,Carneiro de Moura, Ana de Castro Osório, António Arroio, Augusto Gil, Brito Camacho, Hipólito Raposo, António de Monforte (António Sardinha) e Afonso Lopes Vieira, a Revista quinzenal bem humorada - A FARÇA - viu a banca dos jornais efemeramente num período que mediou entre 20 de Dezembro de 1909 a 27 de Abril de 1910.

Teve um papel importante na forma de reagir ao conservadorismo dos últimos anos da Monarquia, criticando desigualdades sociais e injustiças políticas e ao usar o humor procurou atingir as consciência através desse modo, a par de ter sido uma publicação que primou na Arte Portuguesa pela publicação de desenhos modernistas nas suas caricaturas. 

A publicação deste poema - BARBAS PROFÉTICAS - acompanhado de uma caricatura de Guerra Junqueiro é o exemplo acabado do humor que serviu de base aos seus textos, como este em que o fervor revolucionário do grande Poeta de Freixo-de-Espada-à Cinta, por aquele tempo um vetusto cidadão alquebrado pelos anos - Quem o viu! e quem o vê! - mas que nos seus tempos áureos brandiu a "espada" do inconformismo cilindrou, até, Deus, na "Velhice do Padre Eterno", agora, continua o poema,  é vê-lo / com barbas de profeta ou ermitão, acabando o poema, zombeteiramente, pegando-se com Guerra Junqueiro, ao comparar o seu modo de vida de então com a lenda antiga que diz, o diabo se fez frade.

Que pena o tempo de hoje não produzir intelectuais deste jaez

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

"O Teu Olhar" - Um poema de Xavier de Carvalho


in, "O Académico" - Revista Quinzenal Ilustrada - nº1 - 1878
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"Os olhos são os intérpretes do coração", disse Pascal como se quisesse aludir  a um outro pensamento de origem judaica "São os olhos que dizem o que o coração sente", ou ainda, de um modo amoroso "Não se deseja o que o olhar não veja", um conceito da alma portuguesa que o Poeta Xavier de Carvalho tomou a peito com este "O TEU OLHAR", que é, na poesia portuguesa um olhar de amor feito poesia da melhor que tem cantado o amor em Portugal.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

"Sobre as Ondas" - Um poema de Mário Barreto França



A cena bíblica é amplamente conhecida, tendo como "pano de fundo" o Mar da Galileia.

Relata-a o Evangelista S. Marcos (4, 35-41), deste modo: À tarde daquele dia, disse-lhes: “Passemos para o outro lado”.Deixando o povo, levaram-no consigo na barca, assim como ele estava. Outras embarcações o escoltavam. Nisso, surgiu uma grande tormenta e lançava as ondas dentro da barca, de modo que ela já se enchia de água. Jesus achava-se na popa, dormindo sobre um travesseiro. Eles acordaram-no e disseram-lhe: “Mestre, não te importa que pereçamos?”. E ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: “Silêncio! Cala-te!”. E cessou o vento e seguiu-se grande bonança. Ele disse-lhes: “Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?”.Eles ficaram penetrados de grande temor e cochichavam entre si: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”. 

Retoma esta cena Mário Barreto França, o poeta brasileiro do Recife que a par das suas funções docentes de professor e de militar de alta patente, conseguiu produzir uma vasta obra literária com acentuado pendor para a poesia de que este soneto é um exemplo do seu acrisolado amor à figura excelsa e única de Jesus Cristo, fazendo-nos lembrar a acalmia da tempestade operada  pelo Mestre. que tendo deixado as margens seguia embarcado naquela barca de pesca, quando surgiu a tempestade.

A cena - é, apenas - uma imagem que nos deve animar e servir para nos mantermos sempre à tona de água, porque como diz o Poeta "Inda hoje o mar do mundo se encapela" e pode até acontecer como ele diz, que o nosso barco da vida, quantas vezes segue "sem vela", restando-nos, apenas, a figura de Jesus para acalmar as nossas tempestades e é, por isso, que a fé - como a esperança - não pode deixar de viver dentro do coração de cada criatura.

domingo, 28 de outubro de 2018

"Cisnes Brancos "


Cisnes Brancos

V

Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da montanha onde morre a tarde.
O cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.
Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.
Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob as asas,
A alma cheia de ladainhas.
O cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago de alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...


(Alphonsus de Gumarães - 18780-1921)
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Quase toda a poesia deste literato brasileiro é de pendor místico e na qual - como se fosse um fadário - o poeta assume perante a religiosidade de que ele revestiu os seus textos algo do sentido de aceitação do modo como ele sentiu pulsar a vida que Deis lhe deu dentro da sua alma propensa ao sentimento da dor de não ver o mundo dentro dos parâmetros que a sua sensibilidade exigia, marcada pelo simbolismo.brasileiro.

Neste poema a que o poeta deu o nome de "Cisnes Brancos" ele é, marcadamente alegórico à brancura da sua alma, que quanto a ele havia perdido pelas vicissitudes da vida que se lhe deparou bem longe dos sonhos que acalentara e por isso, é com algum desalento que ele escreve:

Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?

Faz esta pergunta inquietante para logo a seguir e numa reflexão dolorida acentuar, ao dizer que o sol havia deixado de beijar "os flancos / da montanha", onde morria "a tarde", continuando assim nesta alegoria em que o místico da sua chegada "à terra prometida", que bem longe de ser a terra por analogia bíblica àquela onde "jorrava o leite e o mel", Alphonsus de Guimarães, via "covas" o que o leva a pedir - com o desalento e, possivelmente, com mágoa - que os "Cisnes Brancos" voassem  dali e fossem para longe apontando-lhes um desejo: "Sede felizes"...

E é nesta linha - depois de mandar embora os "Cisnes Brancos" - com cuja alvura, quanto à cor ele desejou viver, sentindo que já não era possível pela dureza das cores da vida que veio a encontrar, que num desabafo, como quem se atropela a si mesmo num desafio à dor, que ele pede: "Venham as aves agoirentas"

Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

O que faz pensar é isto: o poeta, naquele momento de desalento, embora afirme, quase como morta a sua alma nas caveiras de que nos fala, assume a linha mística que nunca o abandonou, porque apesar da tristeza de ter deixado de ver na sua alma a brancura que desejou, diz que ela "Está branca de padre-nossos". 

E estava, certamente!

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"A ROMEIRA" - Um poema de Júlio Dinis




A ROMEIRA

Onde é que vais tão garrida,
Lenço azul, saia vermelha;
Pareces-me mais crescida
Ai, filha, fazes-me velha!

Mas... inda agora reparo,
Cordão novo e arrecadas!
Onde vais nesse preparo
E com estas madrugadas?

— Onde vou ? à romaria
Da Senhora da Bonança.
Querem ver que não sabia
Que era hoje? Ai que lembrança!

— Que queres tu, rapariga,
Se toda a minha canseira
É fiar a minha estriga
Ao canto desta lareira.

Ora o Senhor vá contigo.
— Fique em paz minha madrinha.
— A casa voltes sem perigo.
Olha lá, vem à noitinha!

— Ai venho, logo às trindades,
Que é que quer que eu lhe
— Como me levas saudades
Traz-me saudades em paga.

Pois trarei e até à vinda,
Adeus que há muito amanhece.
— Vai, que romeira tão linda
É que lá não aparece.

1857.
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Este poema de Júlio Dinis publicado na terceira parte do seu livro POESIAS é toda ele um retrato colorido do Minho do seu tempo - mas valha a verdade dizer que  as romarias que ele conheceu continuam, ainda hoje, a ter um culto popular muito activo e prendado - como nos dá ideia esta romeira no diálogo travado com a sua madrinha que naquele dia se tinha esquecido do culto que o povo rendia à Senhora da Bonança.

- Onde vais? - pergunta ela, para receber como resposta, esta linda surpresa: 

— Onde vou ? a romaria
Da Senhora da Bonança.
Querem ver que não sabia
Que era hoje? Ai que lembrança!

Este texto de versos de sete sílabas irrepreensivelmente rimadas é, pela sua beleza simples e pela forma viva do diálogo um marco da vida àlacre que fazia daquele dia de festa, um motivo de encanto popular, e que a pena de Júlio Dinis imortalizou ao dar-lhe a frescura em  que a vivacidade da jovem contrasta admiravelmente com a quietude da anciã entretida a fiar a sua estriga, mas em cujas respostas existe o amor por aquela linda afilhada.

— Vai, que romeira tão linda
É que lá não aparece.

É um encanto a leitura deste texto poético sadio onde ressuma em todo o seu esplendor o Minho português com as suas romarias e, sobretudo, na parte profana pela garridice dos trajes das suas romeiras!

terça-feira, 16 de outubro de 2018

"Apelo" - Um poema de Miguel Torga



Ao longo da vida, Miguel Torga - sabe só ele e Deus - quantas vezes terá sentido e pedido que a divindade se lhe mostrasse, dando-lhe motivos inequívocos para que o homem superior que desde a Natureza do meio natural, agreste e abandonado onde nasceu, se guindou a pulso, a meios académicos que lhe deram cultura e a sua formação em Medicina, entendesse sem dúvidas existenciais o Deus que tanto procurou, mas sem nunca o ter encontrado.

Miguel Torga era - convenhamos - um racionalista de coração puro e, como tal, nunca aceitou, porque a fé - essa adesão incondicional da alma a uma hipótese como sendo uma verdade sem qualquer tipo de prova ou critério objecivo de verificação, pela confiança numa ideia ou numa fonte transmissora - viveu arredia do homem puro que ele foi, interrogador e inteligente, mas sem lhe ter mostrado, como ele quis, que sendo Deus um Espírito intangível sem forma e sem visualidade, infinito e eterno, Criador e Preservador do Universo, Senhor de toda a Onisciência, quanto ao conhecimento global e Omnipotente quanto ao seu poder ilimitado que o faz estar presente em todos os lugares por onde passam todos os homens.

Por que faltou este entendimento ao ser superior que foi este ilustre transmontano, Miguel Torga?

Porque - atrevo-me a responder, este "Apelo"  - nome que ele deu ao poema e onde se vislumbra a sua ânsia da verdade inelutável - sabendo ele pela sua vastíssima cultura de qual não são estranhos os anos que ele viveu no Seminário de Lamego, bem sabia que o  judaismo ao falar de Deus, dizia: "Eu sou o que Sou", como o Espírito de Deus se revelou a Moisés no Livro do Êxodo (3, 14) e, portanto, era um Ser incorpóreo que não podia entrar dentro dele se não fosse à luz da Fé.

E daí o verso interrogador que ele apresenta no poema:  "Porque / não vens agora, que te quero / e adias esta urgência?" 

E Deus, efectivamente, não veio a tempo para ele, que assim morreu com este "Apelo" .

Mas é por isso que eu tenho por Miguel Torga um carinho muito especial, porque cabouqueiro da verdade que foi, é um exemplo de honradez espiritual e intelectual que devia morar em todos os homens "de boa vontade", como é usual dizer-se, em  que o seu panteísmo sem nunca lhe ter explicado que eventos como a Criação do Universo e o princípio da existência como provindos do Ser Supremo que ele na sua crença filosófica identificava com o Cosmos, foi uma barreira intelectual que ele não conseguiu ultrapassar.

É daí, proveio o seu amor à terra e ao seu aspecto telúrico - como era o espaço do local onde nasceu - onde ele viu sempre a Lei Natural espelhada na orografia rude, mas sem nunca ter visto nela o Deus presente, motivo e razão do seu "Apelo", este poema vivo, sentido e pleno de um sentido humano tão profundo que não pode deixar de nos seduzir e render a este Poeta de eleição um carinhoso aceno de amor humano.