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terça-feira, 16 de outubro de 2018

"Apelo" - Um poema de Miguel Torga



Ao longo da vida, Miguel Torga - sabe só ele e Deus - quantas vezes terá sentido e pedido que a divindade se lhe mostrasse, dando-lhe motivos inequívocos para que o homem superior que desde a Natureza do meio natural, agreste e abandonado onde nasceu, se guindou a pulso, a meios académicos que lhe deram cultura e a sua formação em Medicina, entendesse sem dúvidas existenciais o Deus que tanto procurou, mas sem nunca o ter encontrado.

Miguel Torga era - convenhamos - um racionalista de coração puro e, como tal, nunca aceitou, porque a fé - essa adesão incondicional da alma a uma hipótese como sendo uma verdade sem qualquer tipo de prova ou critério objecivo de verificação, pela confiança numa ideia ou numa fonte transmissora - viveu arredia do homem puro que ele foi, interrogador e inteligente, mas sem lhe ter mostrado, como ele quis, que sendo Deus um Espírito intangível sem forma e sem visualidade, infinito e eterno, Criador e Preservador do Universo, Senhor de toda a Onisciência, quanto ao conhecimento global e Omnipotente quanto ao seu poder ilimitado que o faz estar presente em todos os lugares por onde passam todos os homens.

Por que faltou este entendimento ao ser superior que foi este ilustre transmontano, Miguel Torga?

Porque - atrevo-me a responder, este "Apelo"  - nome que ele deu ao poema e onde se vislumbra a sua ânsia da verdade inelutável - sabendo ele pela sua vastíssima cultura de qual não são estranhos os anos que ele viveu no Seminário de Lamego, bem sabia que o  judaismo ao falar de Deus, dizia: "Eu sou o que Sou", como o Espírito de Deus se revelou a Moisés no Livro do Êxodo (3, 14) e, portanto, era um Ser incorpóreo que não podia entrar dentro dele se não fosse à luz da Fé.

E daí o verso interrogador que ele apresenta no poema:  "Porque / não vens agora, que te quero / e adias esta urgência?" 

E Deus, efectivamente, não veio a tempo para ele, que assim morreu com este "Apelo" .

Mas é por isso que eu tenho por Miguel Torga um carinho muito especial, porque cabouqueiro da verdade que foi, é um exemplo de honradez espiritual e intelectual que devia morar em todos os homens "de boa vontade", como é usual dizer-se, em  que o seu panteísmo sem nunca lhe ter explicado que eventos como a Criação do Universo e o princípio da existência como provindos do Ser Supremo que ele na sua crença filosófica identificava com o Cosmos, foi uma barreira intelectual que ele não conseguiu ultrapassar.

É daí, proveio o seu amor à terra e ao seu aspecto telúrico - como era o espaço do local onde nasceu - onde ele viu sempre a Lei Natural espelhada na orografia rude, mas sem nunca ter visto nela o Deus presente, motivo e razão do seu "Apelo", este poema vivo, sentido e pleno de um sentido humano tão profundo que não pode deixar de nos seduzir e render a este Poeta de eleição um carinhoso aceno de amor humano.

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