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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

"Ideal" Um poema de António Feijó declamado por João Vilarett


Ideal

Onde moras? Onde moras?

Se adivinhasse onde moras 
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela,
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas.
Sem ti a vida que importa?
A vida, nem penso nela...
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas,
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela...

Onde moras? Onde moras?

É num castelo roqueiro?

Se é num castelo roqueiro,
Erguido na penedia,
Sobre o rochedo mais alto 
À beira-mar sobranceiro,
Com a minha fantasia
Irei tomá-lo de assalto,
Esse castelo roqueiro,
Erguido na penedia,
Sobre o rochedo mais alto,
À beira-mar sobranceiro...

É nos abismos do mar?
Se é nos abismos do mar,
Sob a múrmura corrente,
No teu leito de amaranto
Irei também descansar,
Ficando perpetuamente
Naquele perpétuo encanto
Do Rei Hárald Horfagar...
No teu leito de amaranto
Irei também descansar,
Naquele perpétuo encanto
Do Rei Hárald Horfagar.

É numa estrela, ilha de ouro?

Se é numa estrela, ilha de ouro, 
- A Via-Láctea é uma ponte,
Subirei por ela ao céu...
Para achar o meu tesouro
Não há remoto horizonte,
Nem Sagitário ou Perseu...

Onde moras? Onde moras?

Se adivinhasse onde moras
- Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela,
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas.
Sem ti a vida que importa?
A vida, nem penso nela...
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas,
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela
Numa extasiada emoção.
Dize-me pois onde moras,
Se porventura não moras
Dentro do meu coração...

 António Feijó


João Henrique Pereira Villaret OSE (Lisboa, 10 de Maio de 1913 — Lisboa, 21 de Janeiro de 1961) foi um actor, encenador e declamador português.

No teatro
Depois de frequentar o Conservatório Nacional de Teatro, começou por integrar o elenco da companhia de teatro lisboeta Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro.
Mais tarde, fez parte da companhia teatral Os Comediantes de Lisboa, fundada em 1944 por António Lopes Ribeiro e o seu irmão Francisco Ribeiro, mais conhecido por Ribeirinho.
Teve uma interpretação considerada antológica na peça Esta Noite Choveu Prata, de Pedro Bloch, em 1954, no extinto Teatro Avenida, em Lisboa.

No cinema
No cinema, Villaret surge em:
O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro (1941), numa breve aparição, como pedinte mudo e cego;
Inês de Castro, de Leitão de Barros (1945), onde representa Martin, o bobo;
Camões, de Leitão de Barros (1946);
Três Espelhos, de Ladislao Vadja (1947), onde representa o inspector;
Frei Luís de Sousa, de António Lopes Ribeiro (1950), no papel de criado;
O Primo Basílio, de António Lopes Ribeiro (1959).

Declamador
Nos anos 1950, com o aparecimento da televisão, transpõe para este meio de comunicação a experiência que adquirira no palco e em cinema, assim como em programas radiofónicos. Aos domingos, pelas 20 horas, declamava na RTP, com muita graça e paixão, poemas dos maiores e mais diversificados autores nacionais.[1]
Ficaram célebres, entre outras, as suas interpretações de:
Procissão, de António Lopes Ribeiro (1955);
Cântico negro, de José Régio;[2]
O menino de sua mãe, de Fernando Pessoa.

Carreira musical
Na música, Villaret também deu cartas, sendo criador de grandes sucessos, como "Rosa Araújo", "Santo António" (proibidos pela Censura do Estado Novo) e "Sinfonia do Ribatejo", na revista "Não Faças Ondas", em 1956, e do poema-canção "Recado a Lisboa", que até hoje predomina como um verdadeiro clássico da história da Música Portuguesa.
A sua mais conhecida obra, devido à sua originalidade, é a seguinte:
Fado falado, de Nelson de Barros, com versos de Aníbal de Nazaré, criado pelo próprio na revista "Tá Bem ou Não 'Tá?" (1947), e satirizada com mestria nos anos 50, onde se pode ouvir esta frase emblemática: «Se o fado se canta e chora, também se pode falar».[3]
Este tema viria a conhecer uma sátira bem-sucedida nos anos 50, o Fado Mal Falado, de Almeida Amaral, Fernando Santos, Armando Augusto Freire (Armandinho) e Fernando Ávila, ecoado com muito sucesso na voz de Hermínia Silva, uma das amigas mais conhecidas de João Villaret.

Fonte: Wikipédia. a Enciclopédia livre
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Tive o grato prazer . era então um adolescente - de ouvir João Villaret, esse artista e declamador de fina água, como não houve, até agora, outro em Portugal, nas minhas idas ao Teatro de S. Luís, onde muitas vezes o ouvi acompanhado ao piano por seu irmão Carlos Villaret e de, um dia, quando ele depois de ter declamado o poema "Essa Negra Fulô" do poeta brasileiro Jorge de Lima, os assistentes rendidos à musicalidade da sua voz lhe pediram que voltasse a recitar aquele poema mas sem o fundo musical

E o poema, retrato de um tempo negro  como era a cor da Negra Fulô - soltada a voz de João Villaret encheu de "fio a pavio" todo o Teatro de S. Luís, numa noite que jamais esquecerei.
Recordo-me, que no fim, o público de toda a plateia e camarotes se levantou e de pé aplaudiram durante largos minutos o artista.

Essa Negra Fulô

Ora, se deu que chegou 
(isso já faz muito tempo) 
no bangüê dum meu avô 
uma negra bonitinha, 
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
— Vai forrar a minha cama, 
pentear os meus cabelos, 
vem ajudar a tirar 
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô
ficou logo pra mucama, 
pra vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô! 

(Era a fala da Sinhá) 
vem me ajudar, ó Fulô, 
vem abanar o meu corpo 
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira, 
vem me catar cafuné, 
vem balançar minha rede, 
vem me contar uma história, 
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

“Era um dia uma princesa 
que vivia num castelo 
que possuía um vestido 
com os peixinhos do mar. 
Entrou na perna dum pato 
saiu na perna dum pinto 
o Rei-Sinhô me mandou 
que vos contasse mais cinco.”

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

Ó Fulô? Ó Fulô? 
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô! 
“Minha mãe me penteou 
minha madrasta me enterrou 
pelos figos da figueira 
que o Sabiá beliscou.”

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

Ó Fulô? Ó Fulô? 
(Era a fala da Sinhá 
Chamando a negra Fulô.) 
Cadê meu frasco de cheiro 
Que teu Sinhô me mandou?

— Ah! Foi você que roubou! 
Ah! Foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negra 
levar couro do feitor. 
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô! 
(A vista se escureceu 
que nem a negra Fulô.)

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê meu lenço de rendas, 
Cadê meu cinto, meu broche, 
Cadê o meu terço de ouro 
que teu Sinhô me mandou? 
Ah! foi você que roubou. 
Ah! foi você que roubou.

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar 
sozinho a negra Fulô. 
A negra tirou a saia 
e tirou o cabeção, 
de dentro dêle pulou 
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê, cadê teu Sinhô 
que Nosso Senhor me mandou? 
Ah! Foi você que roubou, 
foi você, negra fulô? 

Essa negra Fulô!


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