Cisnes Brancos
V
Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da montanha onde morre a tarde.
O cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.
Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.
Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob as
asas,
A alma cheia de ladainhas.
O cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago de alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...
(Alphonsus de Gumarães - 18780-1921)
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Quase toda a poesia deste literato brasileiro é de pendor místico e na qual - como se fosse um fadário - o poeta assume perante a religiosidade de que ele revestiu os seus textos algo do sentido de aceitação do modo como ele sentiu pulsar a vida que Deis lhe deu dentro da sua alma propensa ao sentimento da dor de não ver o mundo dentro dos parâmetros que a sua sensibilidade exigia, marcada pelo simbolismo.brasileiro.
Neste poema a que o poeta deu o nome de "Cisnes Brancos" ele é, marcadamente alegórico à brancura da sua alma, que quanto a ele havia perdido pelas vicissitudes da vida que se lhe deparou bem longe dos sonhos que acalentara e por isso, é com algum desalento que ele escreve:
Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
Faz esta pergunta inquietante para logo a seguir e numa reflexão dolorida acentuar, ao dizer que o sol havia deixado de beijar "os flancos / da montanha", onde morria "a tarde", continuando assim nesta alegoria em que o místico da sua chegada "à terra prometida", que bem longe de ser a terra por analogia bíblica àquela onde "jorrava o leite e o mel", Alphonsus de Guimarães, via "covas" o que o leva a pedir - com o desalento e, possivelmente, com mágoa - que os "Cisnes Brancos" voassem dali e fossem para longe apontando-lhes um desejo: "Sede felizes"...
E é nesta linha - depois de mandar embora os "Cisnes Brancos" - com cuja alvura, quanto à cor ele desejou viver, sentindo que já não era possível pela dureza das cores da vida que veio a encontrar, que num desabafo, como quem se atropela a si mesmo num desafio à dor, que ele pede: "Venham as aves agoirentas"
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
O que faz pensar é isto: o poeta, naquele momento de desalento, embora afirme, quase como morta a sua alma nas caveiras de que nos fala, assume a linha mística que nunca o abandonou, porque apesar da tristeza de ter deixado de ver na sua alma a brancura que desejou, diz que ela "Está branca de padre-nossos".
E estava, certamente!
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