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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A Raposa de o "Principezinho"



Não são os grandes livros em tamanho de folhas os que são melhores ou mais sábios, porque o "Principezinho" de Antoine Saint-Exupéry é o contraponto que podemos utilizar para fazer valer esta asserção, com os seus simbolismos espraiados pelo autor em personagens como: a serpente, a rosa, o adulto só e a raposa

Eis, um exemplo:
......................................................
E foi então que apareceu a raposa.

- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia - respondeu educadamente o pequeno príncipe, que , olhando a sua volta, nada viu.
- Eu estou aqui - disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - Tu es bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Vem brincar comigo - propôs ele. - Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.

 - Ah! desculpa - disse o principezinho.

Mas após refletir, acrescentou:
- O que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro homens - disse o pequeno príncipe. - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
- Não - disse o príncipe. - Eu procuro amigos. - Que quer dizer "cativar"?
- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. - Significa "criar laços"...
- Criar laços?
- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és nada para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E Não tenho necessidade de ti. E tu também não tem necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flôr... eu creio que ela me cativou...
- É possível - disse a raposa. - Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! não foi na Terra - disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse outro planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não
- Nada é perfeito - suspirou a raposa.
Mas a raposa retornou a seu raciocínio.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo... A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:
- Por favor... cativa-me! -disse ela.
- Eu até gostaria -disse o principezinho -, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou -disse a raposa. __ Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- O que é preciso fazer? -perguntou o pequeno príncipe.
- É preciso ser paciente -respondeu a raposa. - Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. E te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto...
No dia seguinte o príncipe voltou.
- Teria sido melhor se voltasses à mesma hora -disse a raposa. - Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.
- Que é um "ritual"? -perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também -disse a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, adoram um ritual. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira é então o dia maravilhoso! Vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem em qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu nunca teria férias!

Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua -disse o principezinho. - Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis - disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! - disse ele.
- Vou - disse a raposa.
- Então não terás ganho nada!
- Terei, sim - disse a raposa - por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as rosas. Assim, compreenderá que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.

O pequeno príncipe foi rever as rosas:
- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativaste ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram desapontadas.
- Sóis belas, mas vazias - continuou ele. - Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mas importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem pus sob a redoma. Foi ela quem abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é a minha rosa.

E voltou, então, à raposa:
- Adeus... - disse ele.
- Adeus -disse a raposa.  - Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.

- O essencial é invisível aos olhos -repetiu o principezinho, para não esquecer.

- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu ele, para não esquecer.
- Os homens esqueceram essa verdade - disse ainda a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para não esquecer.
...................................................

O "Principezinho" vive num planeta minúsculo, onde passa o tempo entre o cuidar dos três  vulcões e de uma rosa que abandona por causa da sua vaidade, como ele a catalogou e parte à descoberta, o que o levou a conhecer outros planetas até que alcança a Terra, para ele o mais estranho de todos.

E se, em todos encontrou o egoísmo, a Terra não foi excepção, onde viu os seus habitantes sempre apressados e sem saberem verdadeiramente que caminho seguir, até que, num lugar desértico conhece um aviador no "Sahará" e depois de ter conhecido tanta coisa, incluindo a palavra "cativar" decide voltar para o seu planeta à procura da sua flor.

Muito embora, no planeta Terra ele tenha conhecido o aviador de cujos conselhos gostou, travou conhecimento com a raposa com quem trava o diálogo acima transcrito e no qual há frases a reter: 
  • Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.
  • O essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração.
  • É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.
  • Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante.
  • Eu sou o responsável pela minha rosa.
Por fim e isto é o essencial em todas as frases trocadas com a raposa destaca-se, acima de tudo, a amizade e o amor, porquanto na vida nada faz sentido se ignorarmos estes dois preciosos sentimentos, sendo por isso, a principal mensagem deste famoso livro dar valor às verdadeiras amizades, sem as abandonar como o "Principezinho" fez com a flor - para quem voltou - por sentir a sua falta.

Eis, porque nos seus simbolismos o "Principezinho" é uma profunda lição de amor humano, a viver com o próximo.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Bom Ano Novo!



Para todos os meus leitores.
Que o Ano-Novo de 2019 lhes seja favorável e lhes traga Saúde e Paz!
Um abraço fraterno do autor.


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

"O Senhor Diabo"


"O Senhor Diabo" é um conto de Eça de Queirós publicado no dia 20 de Outubro de 1867 na "Gazeta de Portugal", oriundo do seu tempo juvenil - tinha então 22 anos -  mas onde já estava patente a sua ousada pena que então partia para a profícua formação literária que o veio a distinguir, mais tarde por volta de 1870, de entre os seus pares da "geração de setenta" - assim chamada - e onde houve vultos como Antero de Quental, Manuel de Arriaga, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Teófilo Braga que veio a ser Presidente do Governo Provisório republicano

Conhecem o Diabo? - esta é a pergunta que num dado ponto inicial do texto Eça de Queirós faz aos seus leitores, para de seguida explanar com a sagacidade exemplar que lhe serviu para o resto da sua vida literária, o seguinte:

Não serei eu quem lhes conte a vida dele. E, todavia, sei de cor a sua legenda trágica, luminosa, celeste, grotesca e suave! O Diabo é a figura mais dramática da História da Alma. A sua vida é a grande aventura do Mal. Foi ele que inventou os enfeites que enlanguescem a alma, e as armas que ensanguentam o corpo.

E, todavia, em certos momentos da história, o Diabo é o representante imenso do direito humano. Quer a liberdade, a fecundidade,a força, a lei. É então uma espécie de Pã sinistro, onde rugem as fundas rebeliões da Natureza.

Combate o sacerdócio e a virgindade; aconselha a Cristo que viva, e aos místicos que entrem na humanidade.É incompreensível: tortura os santos e defende a Igreja. No século 16 é o maior zelador da colheita dos dízimos.É envenenador e estrangulador. É impostor, tirano, vaidoso e traidor.

Todavia,conspira contra os imperadores da Alemanha; consulta Aristóteles e Santo Agostinho, e suplicia Judas que vendeu Cristo e Bruto que apunhalou César.O Diabo ao mesmo tempo tem uma tristeza imensa e doce.Tem talvez nostalgia do Céu! Ainda novo, quando os astros lhe chamavam Lúcifer, o que leva a luz, revoltase contra Jeová e comanda uma grande batalha entre as nuvens.

Depois tenta Eva, engana o profeta Daniel, apupa Jó, tortura Sara e em Babilónia é jogador, palhaço, difamador, libertino e carrasco. Quando os deuses foram exilados, ele acampa com eles nas florestas húmidas da Gália e embarca expedições olímpicas nos navios do imperador Constâncio.

Cheio de medo diante dos olhos tristes de Jesus, vem torturar os monges do Ocidente.Escarnecia S. Macário, cantava salmos na igreja de Alexandria, oferecia ramos de cravos a Santa Pelágia, roubava as galinhas do abade de Cluny, espicaçava os olhos de S. Sulpício e à noite vinha, cansado e empoeirado, bater à portaria do convento dos dominicanos em Florença e ia dormir na cela de Savonarola.

Estudava o hebreu, discutia com Lutero, anotava glosas para Calvino, lia atentamente a Bíblia e vinha ao anoitecer para as encruzilhadas da Alemanha jogar,com os frades mendicantes, sentados na relva, sobre a sela do seu cavalo.Intentava processos contra a Virgem; e era o pontífice da missa negra, depois de ter inspirado os juízes de Sócrates.Nos seus velhos dias, ele que tinha discutido com Átila planos de batalha,deu-se ao pecado da gula. E Rabelais, quando o viu assim, fatigado, engelhado, calvo, gordo e sonolento, apupou-o. Então o demonógrafo Wier escreve contra ele panfletos sanguinolentos e Voltaire criva-o de epigramas.

(..)

Este escrito juvenil de Eça de Queirós, pelo seu fino recorte literário põe no devido lugar a figura do Diabo - Satã, Demónio ou Lúcifer como também é tratado - é a figura tentadora de que a Bíblia Sagrada nos fala e a quem não escapou o próprio Jesus Cristo, como se pode ler em S. Mateus, cap. 4, vers. 4 a 11. 

O tentador aproximou-se dele e lhe disse: Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães. .Jesus respondeu: Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus . O demónio transportou-o à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: .Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra . Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus.  O demónio transportou-o uma vez mais, a um monte muito alto, e lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-lhe: .Dar-te-ei tudo isto se, prostrando-te diante de mim, me adorares. .Respondeu-lhe Jesus: Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás. Em seguida, o demónio o deixou, e os anjos aproximaram-se dele para servi-lo." 

Eça de Queirós com o seu fino sarcasmo já presente na sua idade juvenil  fez entrar "O Senhor Diabo" na vida de muitas personagens históricas, desde Imperadores, a filósofos, a santos, a Judas e a Cristo, a Eva, a profetas, a monges e monjas,  a padres e outros como reformadores religiosos e até com a Virgem, com guerreiros e com figuras do Renascimento,  sem faltar aos modos apaixonados dedicados a uma Maria que "na varanda fiava a sua estriga" com Jusel - o seu enamorado ali perto "encostado ao pilar" a fiar "os seus desejos"  sobre o amor que lhe ia no peito pela sua amada de a ter, um dia, como esposa dentro do seu lar.

Mas "O Senhor Diabo" lá estava a minar os sãos desejos de Jusel, enquanto lhe cantava esta trova enganadora:
Os teus olhos, bem-amada,
São duas noites cerradas.
Mas os lábios são de luz
Lá se cantam alvoradas.
Os teus seios, minha graça,
São duas portas de cera,
Fora a minha boca um sol
Como ele as derretera!
Os teus lábios, flor de carne,
São portas do Paraíso:
E o banquinho de S. Pedro
É no teu dente do siso.
Queria ter uma camisa
De um tecido bem fiado
Feita de todos os ais
Que o teu peito já tem dado.
Quando nos formos casar
Canta missa o rouxinol
E o teu vestido de noiva
Será tecido de sol!
A bênção nos deitará
Algum antigo carvalho!
E por enfeites de boda

Teremos gotas de orvalhos!

É assim "O Senhor Diabo"!

Manhoso e cheio de malícia aquele "anjo de Deus" expulso da corte celestial ficou por aí sem tempo e sem lugar a cumprir a sua vingança, ao entrar em todas as actividades do homem, tentando-o às piores aberrações mundanas com o fito do desviar do bem comportamental que o liga à Divindade - Fonte de Todo o Bem - para lhe denegrir os princípios.

O Diabo é isso.
"A sua vida é a grande aventura do Mal", como diz no seu conto Eça de Queirós.

Vive todos os dias connosco com os seus modos subreptícios, manhosos, maldosos e descuidados com o desejo de lançar o homem contra a Fonte de Todo o Bem, com o desejo inconfessado de lhe impor as suas atrocidades inumanas e desviantes do bem social, pelo que, disperso e rude na sua maldade pertinaz não cessa de desejar corromper a sociedade por ser nesse campo que ele trava a sua luta contra Deus.

"O Senhor Diabo" como enfaticamente Eça de Queirós o apelidou, é um "senhor" que vive ao nosso lado, desejando entrar no Senhor que deve ser todo o homem e que, mal este se descuida perdeu a senhoria que podia fazer dele um membro forte e vivo da sociedade, por ter cedido à irrequietude de um mundo que por demais se entrega, sem cuidar, nas garras do "Diabo à solta" que anda por aí.

E, por fim, pergunto se o Diabo num dado tempo e lugar não tomou conta de Eça de Queirós, quando ele, em assomos agudos deixou resvalar a sua pena a favor de cenas e costumes próprios da sanha daquela figura do mal, porquanto da sua pena infantigável saíram escritos puros no modo linguístico, mas nos quais as cores carregadas de males sociais que ele retrata em muitos dos seus livros não são obra daquele Diabo de que ele nos falou nos anos áureos da sua juventude?

São-no, decerto!

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Uma "CANTIGA" de Luís de Camões


               Cantiga

A uma mulher que se chamava Graça de Morais

Moto

Olhos em que estão mil flores
e com tanta graça olhais,
que perece que os Amores
moram onde vós morais.

Voltas

Vêm-se rosas e boninas,
olhos, nesse vosso ver;
vêm-se mil almas a arder
no fogo dessas mininas.
E di-lo-hão minhas dores,
meus suspiros e meus ais;
e dirão mais, que os Amores
moram onde vós morais.

................................................................

Aconteceu neste Verão no cair de um dia soalheiro, daqueles que na minha aldeia da Beira Baixa quando o Sol se põe ainda parece que os ares ardem na luz difusa que se vai quebrando pelos cumes do montes.
Foi num momento desses que retirei da biblioteca aldeã um volume de "Versos de Camões" prefaciados por esse grande mestre que foi Vitorino Nemésio, em  cujo prólogo pela enésima vez li a biografia do insigne Cantor de Portugal cujo destino o levou a morrer no ano em que a Pátria foi entregue à dinastia filipina, como se a sua morte tivesse querido assinalar o fim de uma tempo de sucessão dinástica para dar lugar ao robustecimento da consciência nacional que tão mal o maltratou em vida.

Esta "CANTIGA" dedicada a uma das muitas mulheres que lhe encheram o espírito e a  alma sedenta de amores que tanto mal lhe fizeram, mercê da inveja palaciana dos homens vulgares do seu tempo mas acobertados por uma realeza em declínio encabeçada pela misogenia do rei D. Sebastião, é o reflexo das muitas paixões do grande Poeta.

Foi assim que naquele fim de tarde calmo e quente entrou na minha alma o sentir e a magia poética de Luís de Camões, olhando o espaço que se ia fechando numa penumbra abafadiça, enquanto eu relia as "Voltas" que ele dera ao "Moto"dedicado aos "Olhos em que estão mil flores", no uso duma liberdade poética que consegue ver flores nos olhos da sua amada, no caso, a ditosa Graça de Morais que a lírica de Camões tornou viva em mim, naquele cair do dia em que nos montes da minha aldeia todas as flores cederam à fúria do incêndio de Outubro de 2017  e eu, em vez das flores via no horizonte as agulhas dos troncos dos pinheiros queimados...

E no entanto, as tais "mil flores" daquela "CANTIGA" de Camões continuam a existir nos olhos das mulheres que os homens continuam a amar, porque é só nelas que se encontram olhos assim!

sábado, 28 de abril de 2018

"O Mistério do EU"

Capa do Livro (adaptada)


Pela graça de Deus conheço o autor deste Livro de reflexões de um cristianismo apostólico romano fundado na Verdade que os Apóstolos de Jesus testemunharam, tendo-nos deixado como acervo espiritual as suas vivências com Jesus pelos caminhos da Judeia e que a Bíblia recolheu para ensino e Glória do Deus Eterno.

Quis o meu amigo ofertar-me este Livro, ao qual, significativamente, deu o título: ENCONTRO NO CAMINHO DA VIDA, deixando-me a pensar que ele traz "escondido" em todos os caminhos que são propostos ao longo das suas páginas, modos diversos de como é possível ao homem, num dia qualquer marcar um ENCONTRO com Jesus que o espreita, sobretudo, quando nos seus caminhos surgem as silvas e os cardos para o ajudar a mudar de vida, centrando-se n'Ele que de Si mesmo disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida".

Na página 148 aparece um tema a que o autor chamou: "O mistério do EU", como parte subordinada ao cap. "A VIDA ONDE DEUS SE SABOREIA" e do qual transcrevo o seguinte trecho: 

"É recorrente fazer.se um juízo apriorista (consequentemente precipitado), sobre as filosofias do tempo que, qual borboleta, saltitam de novidade em novidade, qual delas a mais absoluta, radical e conclusiva, (na ênfase que lhe dão os seus palradores), e esquecer-se de fazer uma sapiente reflexão analisando os princípios enformadores e dinamizadores dessas mesmas filosofias.
Se alguma vez enveredássemos por esse processo de análise, veríamos quão ilógicas e fúteis são as conclusões que nos propõem como "verdades", tão indiscutíveis (no conceito de quem as articula)  que - dizem - só um néscio ousaria pô-las em questão.
O problema real não deverá, por consequência, pôr-se quanto às conclusões, discernidas com linear clareza, mas quanto aos princípios ou, melhor dito, ao princípio a partir do qual se formulam.
Se recuarmos à origem da formulação, concluiremos que tudo o que nos vem sendo proposto pelo tempo e a modernidade, terá que ser visto como redundante mentira, porque emerge de uma falsidade que vicia todo o edifício retórico em que se organiza a reflexão. A lógica perde-se porque não radica na verdade.
Tudo se joga, ao fim e ao cabo, na oposição entre temporalidade ou eternidade, acaso ou projecto, finitude ou linear  viabilização do MAIS, numa palavra, o nada ou Deus.

Lendo este tema com a profundidade analítica que ele sugere -  foi para isso que o autor o escreveu - o homem não pode, de modo algum, para salvar a sua apelidada e sustentada coerência do raciocínio, esquecer-se da sua finitude temporal e inconsequente do ponto de vista metafísico, concluindo as suas teses e impondo-as à revelia de Deus.

Fiquei a pensar maduramente nisto, para concluir que o homem quando arroga para si o direito de julgar a vida e as suas multifacetadas facetas que abarcam todos os campos do social e do religioso que o devia informar - como um dever moral e ético - está a colocar-se fora de um campo fundamental. aquele, precisamente, que o assinala no Mundo como um agente transformador - como Deus quer, aliás - para sem O ouvir na exegese bíblica que formula os conceitos inalteráveis, pondo-os em causa, sem ponderar que eles pertencem à parte incogniscível - pertença da divindade - e onde esbarra o seu conhecimento por muito profundo que ele seja.

Foi neste momento em que ante mim, depois desta leitura e de ter voltado atrás para a reler, voltei a dar comigo sobre aqueles homens, que diz o autor saltitam de "novidade em novidade, qual delas a mais absoluta, radical e conclusiva", para cair dentro de mim e no meu Mistério até a um tempo que não conheci - mas onde ocorreu a minha génese e, nela, eu já existia como um projecto acalentado por Deus para ser hoje a pessoas que sou - que o meu pensamento como e fosse um pardal voou de mim e foi pousar-se num texto de Pablo Neruda, que não sendo um crente na linha cristã de Jesus, disse esta coisa admirável:

Somos o Mistério

No fim desta época, como se toda a longa viagem tivesse sido inútil, volto a ficar sozinho nos territórios recém-descobertos. Como na crise do nascimento, como no começo alarmante e alarmado do terror metafísico donde brota o manancial dos meus primeiros versos, como num novo crepúsculo que a minha própria criação provocou, entro numa nova agonia e na segunda solidão. Para onde ir? Para onde regressar, conduzir, calar ou palpitar? Olho para todos os pontos da claridade e da obscuridade e não encontro senão o vazio que as minhas próprias mãos elaboraram com persistência fatal.
Mas o mais próximo, o mais fundamental, o mais extenso, o mais incalculável, não apareceria, afinal, senão neste momento no meu caminho. Tinha pensado em todos os mundos, mas não no homem. Tinha explorado com crueldade e agonia o coração do homem. Sem pensar nos homens, tinha visto cidades, mas cidades vazias.

É para que não hajam mais "cidades vazias" que aponta o Livro deste meu amigo, para que não andemos a pensar "em todos os mundos" - como Pablo Neruda - mas esquecidos que neles vivem homens à procura de Deus e para os quais as nossas opiniões têm de obedecer aos princípios da génese de onde todos nascemos, e sem saltitarmos de "novidade em novidade"  sentirmos que temos o dever de não apresentarmos ao Mundo as nossas filosofias, qual delas a mais absoluta, radical e conclusiva, como se elas, colocadas à revelia de Deus valessem a prosápia que lhe imprimimos.

Olhemos com atenção a capa deste LIvro.

À nossa frente - Jesus nunca vem atrás - ou caminha ao nosso lado ou vai à frente se nos vê a hesitar no caminho, leva a GRANDE CRUZ, que é assim para nos mostrar, como acontece que o homem que caminha atrás d'Ele,  levando uma cruz mais pequena é essa que Ele destinou a todos nós, na certeza que o ENCONTRO NO CAMINHO DA VIDA se faz assim, ou seja, "no mistério do Eu" com Aquele que nos deixou motivos de encontro em qualquer tempo ou lugar, pensando no homem, para que ele deixe de habitar "cidades vazias"  e as preencha com o estímulo do AMOR daquele Homem que era Deus e que levou - e continua a levar a GRANDE CRUZ -  para que a vejamos ao longe e sejamos dignos de alcançar e viver os princípios que ela advoga e, por isso, jamais deixemos que a nossa lógica se perca por não radicar na verdade, como argutamente diz o autor deste Livro, tendo em conta que "Tudo se joga, ao fim e ao cabo, na oposição entre temporalidade ou eternidade, acaso ou projecto, finitude ou linear  viabilização do MAIS, numa palavra, o nada ou Deus".

O nada ou Deus.

Sublinho isto, porque do nada, nada vem, e só de Deus é que tudo vem!

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Uma lembrança de Soares de Passos


Soares de Passos (António Augusto) foi distinguido por Alexandre Herculano que numa carta que lhe dirigiu se expressa deste modo: "Na minha opinião, V. Sª, está destinado a ser o primeiro poeta lírico português deste século. Há nos seus poemas lampejos de génio, que o simples talento não pode produzir".

Soares de Passos foi considerado um seguidor a linha do Ultra-Romantismo que  tinha como fio de prumo literário, entre outros, o verso livre, a idealização do amor e da mulher, a saudade infantil e a consciência da sua própria solidão.

Tudo isto aconteceu com o poeta em cujas poesias há laivos da precaridade da sua abalada saúde a que a tuberculose não deu tréguas, tornando-se ele mesmo "prisioneiro" dentro de sua própria casa do Porto, onde nasceu e morreu, e na qual recebia o preito da amizade dos amigos - como Júlio Dinis - que lhe dedicou no seu livro de poesias o poema que aqui se publica em honra da amizade, esse sentimento nobre que não tem idade.



   A MORTE DO POETA
(À memória de A. A. Soares de Passos)

Calou-se a lira! E a criação nos coros
De menos uma voz aos céus revoa!
Na imensa harpa, em que o universo entoa
Seus cânticos, de menos uma corda!
Que foi? que nota falta às harmonias?
Que foi? que mão deixou quebrar a lira?
O poeta morreu, o canto expira,
Cessam seus hinos do sepulcro à borda!

Morreu o teu cantor, ó Firmamento!
Teu sacerdote ardente, ó poesia!
Ó Deus, ó Pátria, a última agonia
Gelou a voz que hosanas vos sagrara!
Crente inspirado, os brados do entusiasmo
Não lhe esfriou dos homens a indiferença,
E a venenosa taça da descrença
Dos generosos lábios arrojara!

O poeta morreu! E o Sol e os astros
Que ele cantou, e a abóbada celeste
De lutuosas trevas se não veste;
E tu, ó Pátria, que ele amava tanto,
Tu dormes inda esse gelado sono ?!
Não te acorda o seu último gemido?
Sente-lhe a morte, se não hás sentido
De animação e glória o eterno canto.

Mas não; os homens vêem pasmar o féretro,
Vêem do sepulcro alevantar-se a lousa,
E, olhando a nobre fronte que repousa,
— Quem é ? perguntam com cruel frieza.
— É um poeta, lhes respondem poucos.
Um poeta! palavra incompreensível!
Por ele a multidão passa insensível,
E a campa desampara com presteza.

E um poeta morreu! listas palavras
Nada vos dizem, povos, que as ouvistes?
Não as há mais solenes nem mais tristes.
Oh! nelas reflecti um só momento!
Não sabeis o que diz a morte do homem
Que se encaminha à campa que lhe ergueram
Seguido apenas dos que ainda veneram
O culto da poesia e pensamento?

Não ouvis esse dobre, que o lamenta?
É como a voz do século, que brada:
— «Chorai, ó multidões, que na cruzada
Da civilização vos alistastes,
Chorai, um dos soldados que hà caído,
Deus lhe dera a bandeira que vos guia,
O estandarte da idéia, a poesia;
Mas vós na heróica empresa o abandonastes!

«Lamenta, ó liberdade, o teu apóstolo!
Amor, o coração que te entendia!
Tu, Pátria, o filho que melhor podia
Entre as nações da terra engrandecer-te!
Religião, ai! chora o sacerdote,
Que, entoando no templo os sacros hinos,
Chamara os povos aos altares divinos
E cultos sem iguais pudera erguer-te!»

E tu, 0 mundo, o vês quase indiferente!
Curva a cabeça ante essa campa aberta,
Ajoelha-te, e a fronte descoberta,
Venera as cinzas que deixou na Terra;
Os restos são da mais violenta chama,
Que o fogo do Céu no mundo ateia;
A chama ardente de inspirada idéia,
Fogo que a mente do poeta encerra.

Verte, oh! verte uma lágrima na tumba;
Uma lágrima só. Outros desejam
Soberbos mausoléus onde se vejam
Fulgir os nomes seus em letras d'ouro;
Ele não. Flores e lágrimas, eis tudo!
Eis o diadema a que o poeta aspira;
Porque lho negas? Que paixão te inspirar
Delas fizeste, ó mundo, o teu tesouro?

Ai, não; umas e outras as desprezas:
As flores procuram as campinas,
Porque a turba, ao passar, calca as boninas,
E o sopro das cidades as murchava.
As lágrimas, as flores do sentimento,
Não as diviso já nos olhos do homem,
Ou das paixões as lavas as consomem,
Ou morto é o sentimento que as gerava.

Fazes bem em passar, mundo, se ignoras
Desta cena a solene majestade,
Impassível ficar era impiedade.
Parte, vai; a indiferença era um insulto.
Oh! mil vezes mais grato o isolamento...
Mas não, o isolamento não existe:
Junto da campa se reúne triste
Longo cortejo de lutuoso vulto.

Ei-los; do vasto templo se avizinham,
Trazem no rosto a dor, que os consome.
Esses veneram do poeta o nome,
Do féretro ao passar, curvam a fronte,
Respeitai esse pranto, que é sentido;
Longe, indiferentes, que o lugar é santo!
Os que entenderam seu sublime canto,
Saúdam-no ao sumir-se no horizonte.

Silêncio! A Pátria do seu sono acorda!
Sono talvez, que precursor da morte,
Do filho só lamenta a triste sorte,
3eme saudosa com magoado acento!
Ai, nos seus dias de passada glória,
De mãe o desespero a voz lhe erguera,
E, em seu clamor, às praias estendera
Das nações mais longínquas o alto alento.

Mas hoje, já de forças exaurida,
É fraca a sua voz ante essa tumba;
Do peito vem, porém já não retumba
Nos ecos das nações mais poderosas.
Apenas sua irmã, a mais vizinha,
Que quase a mesma linguagem fala,
Compassiva parece lamentá-la,
Ouvindo suas queixas dolorosas.

Poeta, dorme pois: a tua campa
Não ficará sem lágrimas nem flores,
As liras soltam fúnebres clamores
E os ventos reproduzem suas queixas.
Dorme, dorme, poeta, que teu sono
A turba inquietaria com seus passos;
Mas qual o infante nos maternos braços,
Dorme ao som dessas lânguidas endeixas.

Dorme, dorme em sossego... mas, silêncio!
Para que solto a voz? Cala-te ó lira!
Se o gênio da poesia não te inspira,
Para que o seu cultor lamentas triste?
Diante da mudez deste sepulcro
Teus ais de dor, ó coração, suspende;
Vê em silêncio o Sol, que ao ocaso pende
Como em silêncio no zénite o viste.

Março de 1860
Júlio Dinis in, Poesias


sábado, 13 de janeiro de 2018

Uma lembrança de Nino Salvaneschi


Nino Salvaneschi, viveu cego os últimos dez anos da sua vida e foi nesse estádio vivencial que escreveu algumas das suas obras, entre elas,  SABER CRER, um livro magnífico que reflecte em cada página um momento de abertura da sua alma aos homens, seus irmãos, e é quando fala dos caminhos que cada um é chamado a percorrer no cumprimento do destino, que se expressa deste modo:

Não me julgues mais afortunado do que tu
por haver descoberto um pequeno atalho...

E isto bastou para numa rendida homenagem ao escritor, pela verdade e sinceridade do que ele quis transmitir tenha escrito assim:

Estas palavras são para nós um aviso,
para que não mostremos orgulho de termos descoberto
o atalho que nos ajudou a encontrar o caminho.
É que se agirmos assim, aqueles que nos pedem ajuda
sentem maltratada a auto-estima, que é um bem humano
que não morre nunca no homem
por maiores que sejam os desaires da jornada.

Há, por isso, que ter cuidado.

E assim, ao estender a mão àquele que encontramos
à beira do caminho, há que indicar-lhe, com amor,
o pequeno atalho... aquele, precisamente,
que nos serviu, num certo dia,
porque sendo o homem caminheiro de todos os caminhos
está sujeito a perder-se...

Pois, quantas vezes, acontece,
que aqueles, que estão hoje na mó de cima
são os próximos que hão-de ficar à beira do caminho
à espera da mão estendida a indicar a rota perdida
nas muitas sombras da vida!


Por fim, que nos fique como exemplo esta sua afirmação a que ele chamou - BREVIÁRIO DE FELICIDADE - cheia de uma humanidade rara, onde o alto espírito do escritor italiano deixou a marca indelével do ser especial que ele foi.

Muitos homens são obrigados a abrir os olhos para ver.
Devo confessar-me que nunca mais vi tão bem desde que fiquei cego. E só agora percebi que muita felicidade humana reside ao ver tudo bem.

sábado, 9 de dezembro de 2017

"A Fonte da Samaritana"

in, revista "O Occidente" de 1 de Setembro de 1879
Desenho do natural de João Pedro Monteiro
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Recordo-me...
Era, então, um adolescente que tinha o hábito de passar pelas ruas da cidade de Lisboa e fixar o que nelas havia de "estranho" ao ambiente vulgar da arquitectura urbana.

Num certo dia fixei o olhar e a atenção num lavadouro público junto aos arcos da Rua Gualdim Pais, mas com frente para a Rua de Xabregas, e ver nele, atarefadas as lavadeiras na sua árdua tarefa, onde não faltavam algumas cantigas, e risadas e, pelo meio, o "bate-que-bate" da roupa nas pedras alvas que se inclinavam para dentro do largo tanque. 

Ao pé, havia  um tanque onde os animais cavalares iam beber água e a chamada "Fonte de Xabregas" um motivo arquitectónico simples e  similar a muitos outros que então havia em muitos locais da cidade e sempre identificados pelas letras CML, como obra da pertença da edilidade lisboeta.


Correu o tempo e, hoje, aquele local da minha lembrança de "menino e moço" fez que tomasse conhecimento que naquele mesmo local esteve implantada até 1860 a "Fonte da Samaritana", cujo desenho se reproduz, e tendo sido mandada edificar pela Princesa D. Leonor da Casa de Avis e depois Rainha pelo seu casamento com o primo direito, o rei D. João II, tendo a obra sido executada em 1508, quando a Rainha tendo enviuvado em 1495 se recolheu ao Paço de Xabregas.

A Fonte, situou-se encostada à Igreja da Madre de Deus, junto do rio Tejo, como parte integrante do abastecimento de água ao mosteiro e à população local, ate que em  1700 - segundo se crê por abuso das freiras que em detrimento do povo lhe subtraiam água, por ordem camarária foi transferida aquela fonte um pouco mais para norte, junto a um terreiro contíguo ao Palácio do Marquês de Nisa.


Perspectiva captada do Google Earth, vedo-se acima do plano dos arcos do viaduto a parte superior do Palácio do Marquês de Nisa com frente para a Rua Gualdim Pais

Do ponto de vista escultórico a "Fonte da Samaritana" aludia ao bem conhecido  episódio bíblico que relata o encontro de Jesus com a mulher de Samaria junto ao poço de Jacob e de cujo diálogo resultou a famosa frase de Jesus:“Quem beber da água que eu lhe der libertar-se-á terá vida eterna“.

Naquele tempo a Palavra de Deus reflectida neste passo importante da vida da pregação de Jesus  - reflectindo neste exemplo - ocupou na via pública um espaço catequético e se, se pode, e com razão, admitir que a Igreja vivia muito fechada sobre si mesma, vivendo de uma autoridade que fugia, por demais, dos tempos apostólicos, a lembrança pública deste passo de Jesus junto ao poço de Jacob e o seu diálogo com aquela mulher de Samaria - um dos mais belos que o Novo Testamento refere - foi, seguramente, um motivo espiritual que dignificou o autor daquele nicho e respectiva fonte neste local da cidade de Lisboa, onde se situava, bem perto o "Paço Real de Enxobregas", de que hoje nada resta.

Crê-se que, com as obras da via férrea naquele local, no ano de 1854, a obra deixou de existir, tendo sido trasladada para o "Museu das Janelas Verdes", estando agora no "Museu da Cidade" no Campo Grande, em Lisboa, fazendo parte do acervo escultórico da Câmara Municipal de Lisboa, não havendo no local onde a obra esteve instalada durante 352 anos qualquer indicação que a situe naquele local.

Julga-se, porém, que o terreiro para onde a deslocou D. Francisco Sousa Coutinho está identificado na foto que se apresenta e onde se colocou a legenda que a acompanha.