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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Uma "CANTIGA" de Luís de Camões


               Cantiga

A uma mulher que se chamava Graça de Morais

Moto

Olhos em que estão mil flores
e com tanta graça olhais,
que perece que os Amores
moram onde vós morais.

Voltas

Vêm-se rosas e boninas,
olhos, nesse vosso ver;
vêm-se mil almas a arder
no fogo dessas mininas.
E di-lo-hão minhas dores,
meus suspiros e meus ais;
e dirão mais, que os Amores
moram onde vós morais.

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Aconteceu neste Verão no cair de um dia soalheiro, daqueles que na minha aldeia da Beira Baixa quando o Sol se põe ainda parece que os ares ardem na luz difusa que se vai quebrando pelos cumes do montes.
Foi num momento desses que retirei da biblioteca aldeã um volume de "Versos de Camões" prefaciados por esse grande mestre que foi Vitorino Nemésio, em  cujo prólogo pela enésima vez li a biografia do insigne Cantor de Portugal cujo destino o levou a morrer no ano em que a Pátria foi entregue à dinastia filipina, como se a sua morte tivesse querido assinalar o fim de uma tempo de sucessão dinástica para dar lugar ao robustecimento da consciência nacional que tão mal o maltratou em vida.

Esta "CANTIGA" dedicada a uma das muitas mulheres que lhe encheram o espírito e a  alma sedenta de amores que tanto mal lhe fizeram, mercê da inveja palaciana dos homens vulgares do seu tempo mas acobertados por uma realeza em declínio encabeçada pela misogenia do rei D. Sebastião, é o reflexo das muitas paixões do grande Poeta.

Foi assim que naquele fim de tarde calmo e quente entrou na minha alma o sentir e a magia poética de Luís de Camões, olhando o espaço que se ia fechando numa penumbra abafadiça, enquanto eu relia as "Voltas" que ele dera ao "Moto"dedicado aos "Olhos em que estão mil flores", no uso duma liberdade poética que consegue ver flores nos olhos da sua amada, no caso, a ditosa Graça de Morais que a lírica de Camões tornou viva em mim, naquele cair do dia em que nos montes da minha aldeia todas as flores cederam à fúria do incêndio de Outubro de 2017  e eu, em vez das flores via no horizonte as agulhas dos troncos dos pinheiros queimados...

E no entanto, as tais "mil flores" daquela "CANTIGA" de Camões continuam a existir nos olhos das mulheres que os homens continuam a amar, porque é só nelas que se encontram olhos assim!

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