Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Ensaios. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ensaios. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 5 de março de 2018

A Tolerância pode ser uma virtude perigosa?


A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.
                                                         Gandhi (Mohandas)
.............................................................................................................

Tela de Rubens demonstrativa da entrada acidentada em Paris de Henrique IV

Para ilustrar a tolerância temamos como exemplo o documento histórico do "Èdito de Nantes" de 1598 assinado pelo rei de França, Henrique IV que para subir ao trono se converteu ao catolicismo, tendo concedido aos protestantes calvinistas - huguenotes - a garantia de uma tolerância religiosa após a perseguição movida e o massacre de 1572.

Não foi pacífica a entrada de Henrique IV em Paris com realce para os católicos e que veio a culminar com o seu assassinato em plena rua por um monge agastado com o beneplácito real.

O problema da tolerância ao pôr-se, assim em questões opinativas leva-nos a concluir que estas conduzem o homem a ter sobre ele duas atitudes em confronto, uma de respeito e amor pelo outro ainda que se tenha opinião contrária, e outra de falsa concordância, onde o amor e o respeito cedem cobardemente os seus atributo à falta de complacência.

Entende-se o antagonismo, a partir do momento em que nos dispomos  a reflectir sobre o sentido da palavra – tolerância – pois, o que chega ao nosso entendimento, não é apenas o seu significado académico: consentir, desculpar, admitir, mas a par disto e como sentido plebeu, ela também é entendida como uma  fraqueza, um desleixo, um deixa andar, um não ligar e, até, significando um desinteresse onde falta todo e qualquer sentimento humano.

Tolerância é isto, no bom e mau sentido, mas é algo mais.

Ultrapassa estas duas concepções contrárias, assumindo-se como uma virtude serena do homem calmo, cheio por dentro de uma grande paz interior que advém do equilíbrio que permite estar atento a tudo quanto se passa ao seu redor, donde lhe é facultada a serenidade quanto tem de agir e tirar conclusões justas em questões onde o julgamento humano  - falho como é – tem de ter o melhor dos desempenhos para não ferir a sensibilidade do outro.

Aqui a tolerância está carregada de amor humano ou de simples amizade.

A prudência não pode, por este motivo, de estar presente na virtude de julgar, reflectindo e interiorizando cada acontecimento, sendo a cautela onde ela assenta a sua almofada, tendo-se como certo que todo aquele que age à revelia destes princípios corre o risco de ser um falso tolerante, admitindo o deixa andar ou o não ligar e outros modos, agindo-se por comodismo, fazendo-se da tolerância um engano sobre si mesmo e sobre o outro, e o que é muito grave, fazendo dela uma caricatura.

Tolerar, pressupõe, sobretudo, respeito pelo outro, devendo ser sempre um acto reflexo da amizade ou do amor que obriga aquele que usa de tolerância a raciocinar para compreender o outro na procura de o ajudar. A tolerância é, deste modo, o primeiro dos caminhos para o trazer o à observância do que é aceitável na discussão das ideias e, até, do ponto de vista espiritual, um modo o de fazer vir ao encontro do que é normal na vivência adulta entre pessoas, mas tendo sempre presente que as verdades humanas são sempre relativas, sendo apenas imutáveis os princípios da esfera divina.

É, neste ponto que cabe ao homem tolerante ser alguém de coração aberto.

Alguém, que normalmente esconde uma alma acolhedora, que não repele, mas acarinha, virtudes que estando acima do julgamento sumário – tantas vezes usado -  faz dele um elo humano de tal modo forte que ao aceitar as ideias do outro, embora diferentes das suas, ao agir assim, o faz,  por sentir brilhar nele luzes de sinceridade.

Tolerância é compreender que o outro que caminha ao nosso lado é “ele” com todos os seus defeitos e virtudes, e não um outro“eu”, querendo por força que ele comungue das minhas ideias, mas, ao invés, respeitando as suas diferenças e aceitando-as, fazendo um esforço diário para compreender o porquê das suas opiniões contrárias.

Apesar disto, as expressões “ isso não é comigo” ou “não posso endireitar o mundo” não podem fazer carreira entre os homens, porque uma e outra são sinais evidentes da demissão a que hoje assistimos, tolerando-se  de um modo que é falso -  e que mais não é -  que o resultado de pactos de desinteresse e  de cobardia e, sobretudo, de falta de respeito pelo outro, ao saber-se que um mundo melhor só pode ser construído pela tolerância sadia que ao aceitar as ideias do outro, não deixa, com sentido construtivo, de lhe fazer sentir a opinião diversa, para que do confronto das duas, possam, eventualmente, nascer os consensos necessários à concertação das coisas.

Mas tolerar pela demissão, nunca o façamos, porque é sempre uma fuga que não pode ser consentida ao homem verdadeiramente tolerante, pois é do esforço por compreender e aceitar o outro que crescem as amizades fortes e se enriquece o mundo a começar pela acção isolada de cada um que cumpre no grande palco da vida a sua missão interventiva na sociedade, tarefa de que ninguém está excluído.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Em honra da mulher e da sua igualdade na diferença!

Tela de Daniel Ridgway Knight
................................................................................

Nesta tela o pintor norte-americano que fez da mulher um tema inspirador de muitos dos seus trabalhos artísticos apresenta em primeiro plano - a mulher - e mais longe, na sua perspectiva - o homem - um e outro atarefados em tarefas campestres, mas esta atitude pictórica tem um sentido bem definido, porque em muitos aspectos da vida real a mulher é superior ao homem. 

É mais afetuosa, mais receptiva e a sua intuição é mais intensa.

E se, há muitos anos atrás, a mulher esteve em inferioridade social e humana em relação ao homem, essa falha imperdoável da velha sociedade ficou-se a dever à falta de oportunidade de educação literária, porquanto, na necessidade de enfrentar a vida e os seus contratempos a mulher tem maior poder instintivo do que o homem, pois é a ela que ele deve sua existência.

Se a mãe é educada, então seus filhos serão bem instruídos e se a mãe é sábia, seus filhos serão conduzidos pelos caminhos da sabedoria, assim como se for religiosa mostra a seus filhos os caminhos da bondade, solidariedade, ambos caminhos de Deus.

Razão que nos leva a dizer que as futuras gerações dependem, grandemente, das mães de hoje se fizerem deste desiderato uma responsabilidade - pese a seu favor a falta de libertação a que foram sujeitas em tempos anteriores - é a elas, em primeiro lugar, por uma condição natural que lhes cabe esta tarefa de tornar dignos da sociedade os filhos que educam.

Se não fora a teimosia e a vaidade do homem em  querer sobrepor-se a Deus, como aconteceu, a justiça divina desde sempre exigiu que fossem igualmente respeitados os direitos de ambos os sexos, sem que nenhum deles se arvorasse superior ao outro, porque na presença de Deus, a dignidade não depende de sexo, mais sim de pureza e luminosidade de coração, o que nos faz sublinhar que as mulheres em toda a Bíblia sempre foram consideradas como seres insubstituíveis na corrente da vida, já que são elas que garantem a continuidade da História humana.

Eis, porque, no Livro dos Provérbios, o rei Salomão no cap. 18, versículo 22, diz o seguinte: "Aquele que acha uma esposa acha a felicidade" pelo que, pena foi, que este conceito tão antigo e tão cheio de sentido humano não tivesse merecido dos homens a atenção que merecia e em vez de o terem prosseguido em honra da mulher, fizeram o invés, colocando-a em segundo plano, criando no conjunto deste incontornável género humano, desânimos, sofrimentos, faltas de respeito e de sensibilidade quanto à importantíssima e imprescindível colaboração que elas prestam ao género masculino.

Num famoso livro - A FAMÍLIA - o seu autor Jacques Leclercq no capítulo intitulado - A Mulher na Sociedade - afirma isto: Todos os seres humanos são iguais, com uma igualdade de natureza que lhe confere a mesma nobreza, o mesmo direito de alcançarem o seu fim próprio e de utilizarem os meios necessários para o conseguirem, para adiante, num outro passo, declarar: Se existe uma diferença fundamental entre o homem e a mulher, é o diferente papel que a natureza lhes atribui na procriação. Ao passo que o homem não desempenha senão um papel episódico ao fecundar a mulher, esta abriga e fermenta o germe, que dela extrai tudo o que é necessário ao seu desenvolvimento.

Esta igualdade na diferença bastaria ao homem para aquilatar quão maior e mais importante é o papel da mulher na sociedade, se não fora o desbocado, impreciso, atentatório e desleal empenho do homem a chamar para si o axioma do -  sexo forte - que foi, afinal, apenas uma farronca da sua vaidade, em primeiro lugar por desconhecer, ou conhecendo, ter feito "tábua rasa" do conceito sábio do rei Salomão acima inscrito e, depois, de ter chamado para si mesmo o comando das sociedades, esquecendo que na sua sombra, quantas vezes, houve - e continuam a haver - mulheres fantásticas em tudo iguais aos homens e superiores a eles na diferença para que nos chama a atenção Jacques Leclercq.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

"Cruzado sou" - Um soneto de António Sardinha


........................................................................

António Sardinha foi um intelectual brilhante e, como tal, a sua obra afirmou-se como uma das principais referências do "Integralismo Lusitano" que na primeira metade do século XX advogava, contra a República a Monarquia tradicional, afirmando-se em consequência como monárquico e patriota, segundo o seu lema: "Nós não somos patriotas por sermos monárquicos. Somos antes monárquicos por sermos patriotas"


Cruzado sou, foi o título que ele deu a este soneto e este nome define o homem que ele foi se nele meditarmos no sentido da palavra - cruzado - como um nome que se deu a todos aqueles que embarcavam para as "Cruzadas" que a partir do século XI designou os Movimentos militares cristãos que partiam de toda a Europa Ocidental a caminho da Terra Santa, dirigindo-e a Jerusalém no intuito de a manter sob o domínio da fé cristã.

Eis, porque, neste soneto - ele que foi um brilhante Poeta - afirma na sua composição os seus votos "num missal aberto" e é em nome da Raça portuguesa e dos seus ideais monárquicos que nos fala do "Encoberto" que morreu em Alcácer-Kibir e, ainda hoje, é para muitos portugueses um mito desejado que se transformasse em realidade.

Cruzado sou. 

Cruzados - retirando-lhe o peso histórico da palavra - todos o devíamos ser em nome de Portugal a quem devemos o serviço de sermos patriotas, e nesse sentido - "cruzados" - sentindo que há sempre uma nova "Jerusalém" para libertar não de um qualquer poder islamita, mas de um poder que neste momento em nome de uma Europa que apenas vê na economia a sua tábua de salvação,  ao deixar ao "Deus dará" a sua gloriosa História, nos está a subverter levando-nos ao abandono dos velhos valores da moral pessoal e familiar - onde se geram as sociedades mais prósperas - o que me leva a repetir dois versos de António Sardinha:

Oh Portugal! – eu me comovo e assobro…
Em teus braços ergueste o mundo inteiro!

E agora?

Oh, Portugal... andamos a sofrer e a passar um mau momento, mas eu tenho a certeza que pelo arreganho do povo que somos nos havemos de erguer, não para temos nos nossos braços o mundo inteiro - foi um tempo que passou -  mas para termos em nossos braços o destino do nosso mundo, agora confinado àquilo que nos ficou do espaço grande que tivemos, mercê da gesta heróica que se foi mar dentro - e por terras - à procura de outros Mundos e nessas campanhas havia de morrer o "Encoberto" - el-Rei D. Sebastião - a que António Sardinha alude e em memória do qual se persigna respeitosamente.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O acto e a consequência



Estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à sua chama. Eles consomem-nos, é verdade, mas são eles que nos dão o nosso esplendor. E, se a nossa alma valeu alguma coisa, é porque ardeu com mais ardor do que outras.
 (André Gide)
..............................................................................................
  
Todos os actos do homem são produzidos pela sua dualidade biológica e cultural pelo facto de conterem dentro de si os sentimentos fraternos e de compita que se desenvolvem de um modo que é possível a uma só criatura assumir em tempos diversos – ou em simultâneo -  a amizade ou a hostilidade para com o outro, assumindo, assim, a cultura positiva ou negativa do meio onde eles são exercidos.

Razão fundamental que levou o pensador a dizer que se estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à sua chama, torna-se um dever de ordem cívica no âmbito biocultural da sociabilidade  humana, que todos eles, ainda que nos consumam é que nos dão o nosso esplendor, ou seja, o caminho capaz de nos conduzir à aceitação dos outros, ganhando assim todo o sentido o facto da nossa alma, pela sua valia, ter ardido com mais ardor do que outras, como uma consequência directa dos actos praticados.

André Gide ao colocar a alma como sujeito da sua tese não o fez por mero acaso ou por querer emprestar àquela forma literária um valor acrescentado, mas, porque a alma significa vida  e ao representar a própria criatura é por ela se anima e é, só por ela, que é capaz de se valorizar através dos seus actos.

O acto, é assim, uma execução cognitiva repartida em acções falhadas ou consequentes, onde se entrecruzam bioculturalmente os destinos do homem.
Fazê-lo e assumi-lo tendo em cada um deles a alma inteira na imaterialidade da sua substância, é, um dever social que cumpre a cada homem na tarefa que lhe cabe de alindar um pouco mais o mundo por onde passa.

No tempo actual, não raro topamos aqui e ali com actos de homens públicos – ou não - cujas consequências nem sempre primam pela compostura e brilhantismo, razão de que se queixa a sociedade doente que temos, onde a própria lei pelos alçapões que contém deixa campo aberto às diatribes dos menos respeitadores.

Até no campo da palavra que devia conter em si um acto consequente, o que acontece – não rato – é a constatação de muito embora se distinguirem as que se dizem das que se escrevem, se as primeiras podem voar como pardais ao vento que passa, as segundas deviam assumir sempre a coragem de quem as escreveu, o que nem sempre acontece, porquanto, muitas vezes, como temos assistido, ouvimos como resposta terem sido mal interpretadas, quando elas falavam direito e eram claras como a água da nascente.

Mas há, temos de o afirmar, homens que no cumprimento de valores mais altos, vivem assumidamente a palavra dita, dando-lhe igual ou mais valor que a palavra escrita.
São os que vivem o acto e a consequência, tendo como mira dentro do seu ínfimo metro quadrado a intenção garbosa de mudar o mundo, ao comprometerem-se com as palavras que dizem, porque conhecem o seu valor e ao invés, conhecem o desvalor e as trapaças dos mentirosos.

Eis, porque, ainda que os nossos actos – se tenderem ao bem colectivo – ainda que nos consumam, no dizer de André Gide, tem de ser por eles que devemos atingir o esplendor, na certeza que a alma que assim procede se vale alguma coisa, é porque ardeu com mais ardor do que outras.

Neste dia de Ano Novo é meu propósito assumir com frontalidade que ele será  o reflexo dos meus actos e é meu desejo que as suas consequências sejam benignas, por ser daí que advém o segredo da felicidade temporal, sabendo que vivo como se os meus actos fossem um fósforo ligado à sua chama.

sábado, 30 de dezembro de 2017

O necessário sonho seguinte!

O Sonho, pintura de Pierre Pluvis de Chavannes 
................................................................................................

O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho 
fica a cepa a sonhar outra aventura.
(Miguel Torga)

Torga foi um génio de criação artística no domínio do estro que costuma marcar como “marca d’água” o verbo que reflecte a fina sensibilidade do seu criador, como aconteceu com muitas das palavras de recorte telúrico com as quais este transmontano de gema, não raro, brindou os seus leitores ao longo de uma produção literária valiosíssima.

Muitas das suas palavras brotaram a partir do miradouro de São Leonardo da Galafura onde costumava admirar o Douro que corria aos seus pés – não rendido, mas dominador - enchendo a sua alma que se comprazia nos socalcos dos montes, quando ao olhar as cepas dos vinhedos alinhados numa geometria artística a emoldurar a terra úbere, eram um regalo para os olhos deslumbrados do grande Poeta e profundos motivos de meditação.
Não sabemos se a frase que vai em epígrafe nasceu ali, mas que foi ali buscar alimento espiritual, parece não haver dúvidas.

Ao dizer-nos que nos deve animar o facto de sabermos que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura, o Poeta transmite-nos não o dom daquela esperança que o homem costuma pedir de empréstimo ao seu desejo natural de felicidade, mas a adesão voluntária, firme e absoluta do espírito à certeza que ele sentia ao olhar as cepas das videiras que enchiam o seu olhar, porque depois da vindima e da quedas das folhas, nas raízes que as prendiam à terra ou às fráguas continuavam vivas na sua morte aparente, as vindimas do ano seguinte.

A vida do homem prende-se a este conceito.

Na certeza que é preciso alimentar como um sonho que tem de sobreviver à morte de um outro sonho qualquer, devendo estar isto latente na vida de todos os que,  prosseguem ao longo da sua caminhada terrena o aviso sensato do romancista francês, Henry Céard, que nos diz: o desprendimento de tudo nunca é tão completo que não sobreviva ainda um sonho à morte dos sonhos, ou seja, por cima de todas as catástrofes – que nos desalentados costuma ser a morte de todos os sonhostem de continuar a existir o arreganho de se continuar a sonhar como uma nova etapa, ou outra aventura, como diz Miguel Torga.

Desistir, é por isso, um verbo que deve ser vedado à linguagem e à acção do homem, porquanto o conduz à condição de servo que não pensa por si e não ao dono que ele é do seu próprio destino, do qual deve dar contas, não ao outro, mas a si mesmo a quem deve por um dever de dignidade humana o respeito e o amor-próprio que o ajuda a encontrar pela rota dos sonhos, aquele que ainda lhe falta realizar.

E, quantas vezes, acontece, ser precisamente no sonho que ainda não foi vivido que se encontra a felicidade que em vão se procurou nos sonhos passados.
Assim, é preciso que na vindima de cada sonho se deixe ficar incólume a vontade de seguir adiante, porque é na cepa – que é a vida de cada homem -  que tem de se continuar sonhar outra aventura, sem o que deixamos ficar para trás não só o que se perdemos como aquilo que é possível ganhar.

Não nos esqueçamos que só existe, verdadeiramente, o desprendimento de tudo no último feixe de vida e que, enquanto esta durar, temos de fazer sobreviver a todos os sonhos perdidos o que ainda não foi vivido.

Esta é a senha.Não há outra.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

"Sê tu mesmo"...


A ÁGUA É MAIS FORTE QUE A ROCHA

Sê tu mesmo, e o mundo será mais rico e mais belo. Mas se não fores capaz disso, se fores mentiroso e cobarde, o mundo será pobre, e então necessitará de uma melhoria. (Hermann Hesse)
........................................................................................

Desafio os leitores deste "blog" a debruçarem-se sobre o perfil do homem que foi Hermann Hesse, prémio Nobel da Literatura de 1946, porque há-de ser sempre o pensamento dos mestres que nos ajudam a construir um mundo melhor e este autor alemão com a sua escrita procurou que ele o fosse, para bem da colectividade.

Sê tu mesmo - diz ele a abrir o pensamento que se publica -  o quer dizer que devemos ser íntegros no cumprimento dos bens naturais que recebemos à partida nesta aventura de viver a que fomos chamados, na certeza que esses bens são pródigos de rendimentos profícuos quanto á condução da vida, se não formos mentirosos e cobardes.

Sê tu mesmo, quer ainda dizer que nem sempre estamos obrigados e viver dentro das normas comportamentais de benevolência para com uma parte do mundo nem sempre correcta – sobretudo, quando esta se posiciona influente mercê do seu domínio sobre o dinheiro, em obediência a um comportamento espúrio – tomando, desse modo, uma atitude mentirosa quanto aos meios que usa e cobarde perante a força que desencadeia contra os mais fracos.

Sem me fazer acusador de ninguém – porque a tal me obriga a contenção da ortodoxia moral  - penso que nos cumpre no tempo que passa, de tanto génio exaltado e tanta violência de palavras, chamar a atenção para outro conceito de Hermann Hesse, quando nos diz que a água é mais forte que a rocha e ser, por isso,  importante para o colectivo chamar à colação o sentido espiritual que deve unir a frágil água dos fracos contra a rocha que os poderosos dizem ser e fazendo gáudio disso mesmo.

Portugal não é um País violento mas está desperto – e muito bem – para as injustiças de um mundo em que é a regra passou a ser o domínio do dinheiro que em grande parte justifica que: Certamente há situações, cuja injustiça brada aos céus. Quando populações inteiras, desprovidas do necessário, vivem numa dependência que lhes corta toda a iniciativa e responsabilidade, e também toda a possibilidade de formação cultural e de acesso à carreira social e política, é grande a tentação de repelir pela violência tais injúrias à dignidade humana. (Populorum Progressio n º 30.)

Eis, porque, em determinadas situações no pensamento da própria Igreja romana, pode ser grande a tentação de repelir pela violência os maus tratos, mas sem esquecer que devemos uns aos outros o respeito que a nossa condição humana nos pede sem abdicarmos de fazer sentir a razão que temos: Sê tu mesmo, e o mundo será mais rico e mais belo, ou seja, sejamos nós mesmos, reagindo, mas não insultando ou violentando, porque a insurreição dos espíritos não conduz à paz, pois nunca se pode combater um mal real à custa de uma desgraça maior (Populorum Progressio nº 31)

A água é mais forte que a rocha, diz Hermann Hesse, uma razão suficiente que pode e deve levar os mais fracos a fazerem sentir, na linha do que propõe o documento da Igreja romana nº 30, acima referido, a sua determinação em combater dependências materiais ou morais, que são de todo inadmissíveis à luz do tempo que passa.

sábado, 4 de novembro de 2017

"O ouro" - um conto para a Infância, de Guerra Junqueiro



O ouro

Era uma vez um rei, que, tendo achado no seu reino algumas minas de ouro, empregou a maior parte dos vassalos a extrair o ouro dessas minas; e o resultado foi que as terras ficaram por cultivar, e que houve uma grande fome no país.

Mas a rainha, que era prudente e que amava o povo, mandou fabricar em segredo frangos, pombos, galinhas e outras iguarias, todas de ouro fino; e quando o rei quis jantar mandou-lhe servir essas iguarias de ouro, com que ele ficou todo satisfeito, porque não compreendeu ao princípio qual era o sentido da rainha; mas, vendo que não lhe traziam mais nada de comer, começou a zangar-se. Pediu-lhe então a rainha, que visse bem que o ouro não era alimento, e que seria melhor empregar os seus vassalos em cultivar a terra, que nunca se cansa de produzir, do que trazê-los nas minas à busca do ouro, que não mata a fome nem a sede, e que não tem outro valor além da estimação que lhe é dada pelos homens, estimação que havia de converter-se em desprezo, logo que ouro aparecesse em abundância.

A rainha tinha juízo.
.............................................................................

A este grande homem das Letras Portuguesas, um transmontano de gema que ficou conhecido literariamente por Guerra Junqueiro e que os seus pais sonharam destiná-lo para abraçar a carreira eclesiástica - que longe estavam de tal vir a acontecer! -  deve a Literatura Portuguesa o inestimável trabalho "CONTOS PARA A INFÂNCIA" cuja aparição ao público resultou do facto de Portugal - em meados do século XIX - se encontrar social e economicamente num estado deplorável, mercê de uma política fraudulenta levada a cabo por homens corruptos, para os quais as crianças de pouco ou nada contavam e, por isso, eram relegadas para um abandono social e cultural 

Constatando esse facto, o tema das crianças  é uma constante em toda a produção literária de Guerra Junqueiro, por causa do seu esquecimento a vários níveis, e isto bastou na sua consciência para ele lhes ter dado a importância da sua formação integral, tendo em conta a construção de um Portugal mais consentâneo com a Europa.

Embora muitos dos contos deste livro não sejam integralmente da sua autoria, mas sim, adaptações de contos tradicionais da sua Província transmontana, e outros,  o que Guerra Junqueiro nos legou foram flores de amor para as mães recitarem à noite no momento de adormecerem os seus filhos, constituindo, para além de importantes meios pedagógicos de formação mental das crianças, um motivo que levou o feliz autor a falar deste modo no  Prefácio do livro:

A alma de uma criança é uma gota de leite com um raio de luz.
Transformar esse lampejo numa aurora, eis o problema.
A mão brutal do pedagogo áspero, tocando nessa alma, é como se tocasse numa rosa.
Para educar as crianças é necessário amá-las. As escolas devem ser o prolongamento dos berços. Por isso, os grandes educadores como Froebel, têm uma espécie de virilidade maternal.

Eis, porque, nestas reflexões a abrir a Obra dedicada aos mais pequenos, o grande homem das Letras Portuguesas não desdenhou de escrever para elas estes ramalhetes de flores olorosas, pondo em cada um deles a sua alma de Poeta e de pedagogo, num tempo em que, em Portugal, poucos se importaram das crianças abandonadas por um Poder obsoleto, ridículo e coxo de valores sociais.

domingo, 9 de julho de 2017

Um conselho - com a devida vénia - ao Senhor Presidente da República


Velho que sou, a minha idade permite-me o juízo de dizer por causa do epíteto que a classe política de esquerda arranjou - e de que é autor ardiloso o Partido Socialista (PS) em convénio com a imprensa que lhe é afecta, levando na onda os partidos que lhe garantem o poder, ainda que disfarçadamente - ao dar o nome de PRESIDENTE DOS AFECTOS ao actual Presidente da República, tendo-o feito a partir da sua relação iniludível com o povo.

Sinceramente, pesei desde sempre que foi um erro o Presidente da República ter-se deixado colar por demais à classe política que assim o apelidou, porque, um dia, podia chegar o tempo de ter de tomar decisões, sem hesitar, mas teriam de ser tomadas para bem de Portugal.

Permito-me, por isso, dizer que foi um erro político cometido pelo PR ao andar "de braço dado" tempo demais com o Partido Socialista, cujo expoente máximo se pôs em férias com Portugal, internamente, a precisar dele, o que levou o PR a tomar decisões "no limite das suas obrigações" - como ele disse - como prova a sua ida a Tancos e pedir que fossem apuradas responsabilidades "doa a quem doer", ou seja, sem excluir a instituição militar e o poder executivo da Nação.

O Presidente da República pode e deve ser o PRESIDENTE DOS AFECTOS - à semelhança do que foi o infeliz Rei D. Pedro V - mas sabendo que é assim eleito pelo povo comum, de quem se sabe é Amigo, ao ponto de ter afirmado, agora, desejar ir passar a Quadra do Natal com o povo sofredor de Pedrógão Grande.

No resto, aconselho - com a devida vénia - Sua Excelência, a manter uma maior distância com quem governa ou está na oposição, para ter com uns e com outros o mesmo comportamento distancial, sobretudo, com quem exerce o poder, porque há no povo que tanto o admira quem o tenha visto por demais colado ao poder executivo que neste momento - quanto a mim, por causa de um "alçapão" da lei constitucional - governa Portugal.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Marcha à ré, pede-se ao Ministério da Educação...


Há dois tipos de analfabetismo:

  • Aquele que não sabe ler e arca com esta disfuncionalidade que lhe pode ser cometida por culpa própria pelo meio que não o ajudou a crescer intelectualmente ou pela sociedade que lhe faltou com com os bens primários da educação escolar.
  • Aquele que ostenta um analfabetismo funcional que atinge a incapacidade que algumas pessoas têm de entender compreensivelmente o texto que acabaram de ler, ou seja, quando, mesmo que as pessoas saibam ler e escrever, apresentam incapacidade para interpretar o texto que lhes foi dado para ser interpretado. 

Tudo isto vem a propósito sobre uma revisão do cornículo lectivo do ensino básico a que o Ministério de Educação quer promover em dois campos: 

O primeiro por reintroduzir  a  Educação Cívica - desde que o que se vai ministrar atenda aos deveres do cidadão ante a sociedade de faz parte e tem o dever de a elevar pela cumprimento da ética (que forma o carácter) e pela respeito pela moral (que forma o dever de agir dentro das normas e atitudes).

O segundo - que de modo algum deve ter uma diminuição da carga horária das disciplinas fundamentais da  Educação escolar como são o Português e a Matemática - porquanto, relativamente ao Português, tirar horas curriculares do ensino é um atentado inqualificável que de modo algum deve merecer que venha a suceder e quanto à Matemática, reduzir em temo o seu ensino é matar o cérebro para a ciência exacta que ela é, e onde se vem mover os indivíduos.

Haja atenção.

Chegam alunos ao ensino superior que não sabem como resolver os problemas da Matemática porque não sabem ler os enunciados dos teoremas a que são chamados a responde, pelo que reduzir o Português é não cuidar desta verdade, razão suficiente que devia levar O Ministério da Educação a fazer marcha à ré...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

"Palavras leva-as o vento". Eu sei!



Desconheço o autor.

Mas, de forma alguma, desconheço a sabedoria encerrada neste azulejo, que tem de sobejo, um modo sábio de falar da grandeza que existe no dar, muito mais que no receber, porque é no dar que se recebe, podendo afirmar-se que foi pensando deste modo que José Luís Nunes Martins (in Citador) escreveu: "É quando nos damos aos outros que nos recebemos a nós mesmos" um aforismo cheio daquela humanidade que existe na frase sábia deste azulejo.


O poeta e pensador libanês Khalil Gibran, a este propósito teceu, um dia, uma comparação da acção do homem que se julga valer muito mas dando pouco de si mesmo, confrontando-o com as árvores dos seus pomares, que valendo muito pela fruta que ostentam no tempo da colheita, lhes diz esta verdade: "os vossos pomares não pensam assim; dão para continuar a viver, Pois reter é perecer".

"Pois reter é perecer".

E é, neste ponto, que no discorrer da minha imaginação me vem , num repente, não um outro qualquer pensamento de pessoa ilustre, mas aquele rifão popular e muito português que diz assim: "Quem dá aos pobres empresta a Deus" e com essa atitude o homem não perece, quer seja aos olhos do Mundo, mas especialmente, aos "olhos de Deus", que o distinguirá, um dia, pelo valor daquilo que deu!

sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Compromisso



Quer queiramos ou não, dando ou não conta do que está a acontecer, cada homem está sempre em alguma posição ou em algum lugar, ocupando por isso, um espaço, seja ele de ordem espiritual ou de ordem física.

Um e outro condicionam a atitude, a luta, e até, os seus caminhos.

Importa, por isso que façamos a nós mesmos duas perguntas fundamentais:
  • Será que sabemos em profundidade o motivo da condição humana que nos leva a um  comprometimento consciente com os outros, dentro da cidade, ou agindo descomprometidamente com ela, refugiamo-nos na nossa própria ilha, auto-suficientes e arredados do mundo, longe de sermos – como devíamos ser - solidários com um mundo de que somos ínfimas partes, mas partes importantes?
  • Será que temos consciência disto? De sermos de tal modo importantes que ninguém pode ocupar o nosso lugar?

Atentemos nisto: quer queiramos, quer não, consciente ou inconscientemente, somos algo que existe para além da nós mesmos e de tal modo mergulhados neste mistério de existir, que não podemos escapar a um comprometimento com a vida que em cada dia nos interpela sobre  aquilo que somos e representamos na esfera de uma sobrenaturalidade que nos rege sem darmos por isso, mas que exige o comprometimento sadio com a sorte do outro.

Conscientes ou não desta realidade, somos chamados a acreditar em alguma coisa ou em alguém. É uma das leis da vida com a raiz mais profunda metida no amor que faz do homem uma criatura superior.
Ninguém se livra disto, o que sugere, desde logo, um compromisso da nossa vontade, seja com Deus ou com o homem, um facto que se não existir em cada um de nós como uma naturalidade,  é como se nós mesmos existíssemos sem vontade própria, acéfalos e amorfos.

Comprometer-se com a vida e com as outras criaturas é um sinal de fé, que pode não ter o sentido como normalmente é entendida do ponto de vista escatológico, mas não deixa de ter as ressonâncias teológicas que fazem de todo o homem alguém capaz de se comprometer com o amor que é preciso dar ao outro, que caminha por um capricho da sorte ao seu lado num dado tempo e lugar, no mundo, na convicção que é sempre, a partir de um dado tempo ou de um lugar qualquer que imerge a lei suprema que faz de tudo aquilo em que acreditamos – pelo nosso  compromisso consciente – uma verdade que torna  possível  a realização dos acontecimentos que dão sentido à vida e faz de tudo quanto fazemos, uma imagem do nosso comprometimento com a vida ou com o outro.

Mas, há que atender que o comprometimento consciente exige conhecimento, sabedoria e atenção às coisas e ao caminho a percorrer, pois é sempre do esforço exigente que resulta ou não, a certeza daquilo que fazemos, sabendo-se que a construção do mundo ou a sua destruição começa sempre pelo compromisso consciente ou não que o homem dá ao projecto da sua própria existência, pois é, pela acção isolada de cada um que se começam a construir  os edifícios colectivos das Nações, tão mais acertadamente, quando melhor e mais consciente for o compromisso de cada homem consigo mesmo e com a sociedade.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Uma reflexão sobre ser livre e independente.


Ser livre e ser independente.

Ser livre pressupõe que o homem não está sujeito a uma causa ou a um obstáculo que o possa coagir ou impedir de fazer o que quiser.
Ser independente, pressupõe que se é autónomo,  logo não dependente dos outros, podendo ou não, o homem de sua livre vontade fazer ou não alguma coisa.

Temos, assim, que ser livre é uma atitude que recai sobre a acção que se pratica, ou não, ao passo que a independência recai sobre a vontade ou não de a fazer, donde se infere que ser livre é ter o poder completo de usar da vontade sem que esta condicione o seu uso, enquanto o ser independente é ter o desapego e a não sujeição ao exterior que possa ter influência na sua vontade,

Por outras palavras, dir-se-á, que o homem é livre para poder gastar toda a sua fortuna, mas se é coagido pelo temor do que dirá a sua família ou os seus amigos, tal facto, torna-o dependente para exercer em pleno a sua liberdade porque o ambiente exterior o coage ou, em última instância, o pode proibir, donde - se tomarmos como exemplo um povo livre - diremos que pode fazer tudo o que quiser, mas no tempo actual é obrigado a cumprir leis próprias e internacionais, donde resulta que é livre mas sem ser na verdadeira acepção da palavra, independente.

Temos assim, que em política e em moral não há liberdade sem dependência, porque é ela que põe limites à liberdade ao fixar a sua extensão e o seu usufruto, e que a independência de uma Pátria se radica em não estar sujeita a outra ou, na "linguagem" económica de hoje não lhe dever dinheiro, tendo o seu conceito de ser livre em poder governar-se por leis próprias não as recebendo de outrem, tendo em si mesma a força de repelir quem a queira sujeitar, algo que levou Luís de Camões a dizer nos dois últimos versos da estrofe 37 do Canto IV, o seguinte:

"Corre raivosa, e freme, e com bramidos
Os montes Sete Irmãos atroa e abala:
Tal Joane, com outros escolhidos
Dos seus, correndo acode à primeira ala:
—"Ó fortes companheiros, ó subidos
Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança.

 in, Lusíadas – Canto IV – estrofe 37

O nosso épico assim falou no seu imorredoiro Livro, incentivando os fortes companheiros e subidos cavaleiros à defesa da Liberdade para a Pátria Lusa, longe de suspeitar que não haveriam de tardar os tempos do endividamento exterior, acentuado dolorosamente no final do século XIX, como hoje acontece, donde a noção de sermos uma Pátria livre se perdeu, de todo, e de igual modo, independente... porque o conceito de liberdade não o podemos usar por estarmos sujeitos a causas que nos impedem o seu usufruto pleno pela dependência a que estamos sujeitos e da independência, muito menos, por não dependerem de nós as próprias acções que fazemos, estando sujeitas a regras internacionais de cumprimento de Tratados que fomos coagidos a assinar.

Temos, assim, que somos livres, mas vigiados e independentes, mas controlados.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Falando de absolutismo...


O absolutismo que fazia do rei - ilusoriamente - um receptador privilegiado  da lei divina e, como tal, um cumpridor entre os homens dessa vontade de um céu inventado, efectivamente acabou com o advento da Revolução Francesa, que no entanto, não tardou em criar ideias absolutas se consideramos que o lema: LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE dos revolucionários foi subvertido em 1791 com a "lei de Le Chapelier" que proibiu os sindicatos dos trabalhadores e as greves.

E com a vigência da "Convenção Nacional" que esteve activa entre Setembro de 1792 a Outubro de 1795, dominada absolutamente pelos jacobinos e pelo seu chefe Robespierre deu-se início ao reino do "Terror" que levou à guilhotina o rei deposto Luis XVI em 1793, a que sucedeu o "Directório", um golpe de Estado que marca o fim de qualquer participação popular no movimento revolucionário, com o exército autoritariamente a impor a sua vontade até ao golpe do "Brumário" de 1799 que pôs fim ao "Directório" e dá início ao consulado de Napoleão que instalou, como se sabe, na Europa a força ditatorial das suas tropas até à derrota em Waterloo em 1815.

Esta "pincelada" breve mostra à saciedade que o "rei absoluto" morreu em França como noutras partes do Mundo - como aconteceu  em Portugal - mas o absolutismo com novos cambiantes mascarados, quer fosse os do Liberalismo ou mais modernamente da Democracia, continua a ter os seus chefes absolutos.

Não nos iludamos.

Há no homem uma tendência para o absolutismo das suas ideias ou das suas crenças, pelo que, ao invés do pensamento de Locke que defendeu os direitos naturais do homem - direito à vida, à liberdade e à propriedade - e que para os defender se criaram os governos, defendendo o direito da revolta dos povos contra eles, o que está a acontecer tem sido, exactamente isto e esse é o grande contributo do tempo democrático quando este gera nos governos as prepotências dos eleitos, ou seja, as suas tendências absolutistas como não raro, tem acontecido ente nós.

Todos já assistimos no nosso Parlamento à votação de leis em que os deputados se vêem amarrados à disciplina de voto, que mais não é que a obediência ao chefe partidário que sobre eles exerce um poder que se assemelha ao absoluto da razão que ele diz ter sobre determinado assunto, donde se infere que o absolutismo não morreu, mesmo em tempos democráticos, o que não deixam de ser resquícios que ficaram latentes desde os princípios mais fundos da existência do homem sobre a face da Terra.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

A abóbada de mestre Afonso Domingues e o brio de sermos portugueses!




Um dos contos mais célebres de Alexandre Herculano que ele publicou nas "Lendas e Narrativas" é o que nos dá conta da construção da abóbada  do Mosteiro da Batalha.

Ao que parece, o insigne historiador foi inspirado por um relato antigo de Frei Luís de Sousa que na sua "História de S, Domingos", relata uma história que os frades da Batalha contavam, dizendo que a abóbada da Casa do Capítulo caíra três vezes no momento em que haviam sido retirados os cimbres.

Isto bastou para Herculano urdir o conto.
Do ponto de vista da História de Portugal, sabe-se que desde o momento em que conquistou o trono, D. João I encarregou o arquitecto Afonso Domingues para delinear e dirigir a construção de uma obra monumental que glorificasse perante os vindouros a inesquecível Batalha de Aljubarrota.

De imediato o arquitecto traça o projecto e a obra é iniciada, tendo arcado com o contratempo de mestre Afonso ter ficado cego no ano de 1401, num tempo em que a famosa abóbada da Casa do Capítulo aguardava a sua construção.

O rei, aconselhado pelos seus homens de confiança, retira mestre Afonso - que podia ter continuado a dirigir a obra segundo o seu plano - e chama para o substituir o arquitecto irlandês, Ouguet, que procede à alteração do projecto incluindo o da abóbada, que logo que terminada a sua construção desaba perante a raiva impotente do irlandês, um facto que fez D. João I retroceder e voltar a chamar o Mestre Afonso, restituindo-lhe o emprego que este acabou por aceitar perante as muitas desculpas do rei.

Concluída a abóbada de acordo com o plano inicial, Afonso Domingues, segundo a lenda, posta-se durante três dias em jejum absoluto, deitado bem no centro da obra, onde acabaria por morrer, mas tendo dito pouco antes de expirar:

"A abóbada não caiu, a abóbada não cairá".


O que moveu a pena de Alexandre Herculano foi a distinção que ele quis fazer da mestria do arquitecto português ante o estrangeiro, numa clara afirmação nacionalista da raça e da cultura portuguesa, tendo a lenda um cunho de verdade.

Relembrar isto, no tempo que corre é um dever nacional, porquanto correm por aí ventos de desnorte que não raro deixam de fazer valer aquilo que é nacional - seja nas artes ou em qualquer outra actividade - para colocar em primeiro plano o que é estrangeiro, pondo-nos a viver, desse modo, algo estrangeirados dentro do velho Portugal que se tornou independente no século XII, para o voltar a fazer no século XVII, pelo que puxar para cima o brio dos portugueses é um dever que cabe a cada um de nós.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Conservadores e radicais



Nos povos, sejam eles quais sejam, desde sempre têm co-habitado duas correntes fundamentais do pensamento que se têm digladiado para derimir entre si, a condução da História: OS CONSERVADORES E OS RADICAIS, sendo que pertence a estes últimos o uso do oportunismo para fazer valer as suas ideias contra um certo reaccionarismo dos conservadores.

Por outras palavras, dir-se-á, que a luta é legítima, porquanto os conservadores receiam a instabilidade social defendida pelos radicais no sentido das reformas e processos deverem estar de harmonia com determinada época, enquanto os conservadores, mais cautelosos, entendem que só é reformável o julgado possível de acordo com o avanço civilizacional, criticando os que se querem colocar à frente dos acontecimentos sem medirem convenientemente os prejuízos que possam advir dos seus radicalismos.

Assim, temos, os que se querem adaptar (os conservadores) e os que tudo querem substituir (os radicais), razão porque, os agentes desta duas correntes não mereçam, os primeiros ser chamados de antiquados ou reaccoináros e os segundos de loucos ou extremistas, mas uns e outros de peões sociais que pretendem - com o senso possível - encontrar maneiras de corresponder às aspirações legítimas dos povos

Temos assim, que enquanto os que parecem "parados no tempo" desejam avançar sem destruir de qualquer modo o que existe, os outros, querem avançar contra "tudo e contra todos", parecendo que o mais razoável é só substituir algo para o qual se encontra substituto não deixando falhas, em contraposição com os que querem sem preocupações de maior, destruir sem se importarem com as falhas que possam ocorrer.

Por fim, deve assentar-se que todo e qualquer FUTURO só deve ser construído em cima das bases do PASSADO com as argamassa que a ele se possam ir buscar, constituindo, assim, os seus elementos substanciais, pelo que, até nos aspectos religiosos - algo que prende o homem à sua finitude existencial - é um erro que o radicalismo pretende erradicá-la da sociedade, quando o modo mais correcto é o da adaptar às novas necessidades da vida, ás novas modalidades do Espírito e não seguir o caminho oposto: que no extremo, deseja cercear a difusão da crença religiosa.

Temos, por fim, que qualquer sociedade só avança com o aproveitamento do que nela existe de fundamental, de característico ou tradicional, fazendo que ela seja regulada pela influência da civilização, no geral, pelo que no aspecto particular da FAMÍLIA se for o caso, esta possa vir a ser, organicamente, mais leve, mas não deve ser ajudada na dissolução fácil de cada lar, pelo que nessa célula fundamental, se deve aproveitar como válido a sua estrutura de base e não, de qualquer modo, instalar nela a anarquia dos radicais, onde não raro, impera a violência da fantasia das mudanças, como se as pessoas fossem descartáveis.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Hoje, a superioridade não é de quem mais pensa, mas continua a ser de quem mais pode!


Eça de Queirós, cônsul de Portugal em Paris (1888) lê o "Le Fígaro"
in. Revista "Mundo Gráfico" nº 2-30 de Outubro de 1940


A Vitalidade de uma Nação

Uma nação vive, próspera, é respeitada, não pelo seu corpo diplomático, não pelo seu aparato de secretarias, não pelas recepções oficiais, não pelos banquetes cerimoniosos de camarilhas: isto nada vale, nada constrói, nada sustenta; isto faz reduzir as comendas e assoalhar o pano das fardas - mais nada. Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas. Hoje, a superioridade é de quem mais pensa; antigamente era de quem mais podia: ensaiavam-se então os músculos como já se ensaiam as ideias.
Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'



Eça de Queirós fundou o jornal "O Distrito de Évora" em 1866 donde se pode tirar a ilação que o pequeno texto acima transcrito é daquela época, quando o Liberalismo actuante por dentro da Monarquia Constitucional impunha o poder das suas ideias contra o antigamente, ao tempo em que a sociedade estava sujeita a quem mais podia, neste caso ao poder do rei e das forças musculadas que o serviam, sem cuidarem, como Eça diz, que já então se ensaiavam os músculos a par de se ensaiarem as ideias.

Infelizmente, hoje, a superioridade das Nações contraria, em parte, o pensamento de 1866 de Eça de Queirós, porque nem sempre ela é ditada por quem mais pensa, mas por aqueles que mais podem, agora porém, de duas maneiras: não só pelo poder musculado das armas, mas pelo poder do dinheiro que está a esmagar as sociedades, de nada se importando os donos dos grandes impérios económicos com os homens do pensamento por mais brilhantes que sejam, porque ficam sujeitos aos que fazem da Economia sem rosto o  "credo" da mais valia do poder do dinheiro

Foi, possivelmente, analisando esta distorção da sociedade do nosso tempo que, um dia, levou o sábio Albert Einstein a declarar: Estou firmemente convencido de que nem todas as riquezas do Mundo poderiam fazer progredir a Humanidade, mesmo que se encontrassem na mão de um homem tão dedicado quanto possível à causa do progresso. Só o exemplo dos grandes e dos puros pode conduzir a concepções e feitos nobres. O dinheiro atrai o egoísmo e arrasta consigo o desejo irresistível de dar-lhe mau uso.                                        in 'Como Vejo o Mundo'

Constatou Einstein, que o progresso da Humanidade não estava dependente de alguém muito poderoso economicamente - ainda que muito dedicado - mas antes, nos homens semelhantes aos que Eça de Queirós apontou no campo do saber, igualando-se neste passo ao sábio do nosso tempo que tendo sido o autor de um poder militar destruidor como nunca existiu outro, teve a lucidez de nos deixar escrita esta verdade: o dinheiro atrai o egoísmo e arrasta consigo o desejo irresistível de dar-lhe mau uso.

Foi isto que o poder esmagador do dinheiro fez de quem mais sabia...
Einstein teve o poder das ideias mas estas não chegaram para se imporem aos que mais podiam e isto viu-de no mau uso que foi dado à descoberta de que foi mentor.