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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Um pedaço da História do último quartel do século XIX


No dia 7 de Março de 1880, tendo como pano de fundo o Ultimatum inglês de 11 de Janeiro de 1890, Antero de Quental foi convidado e aceitou a presidência da LIGA PATRIÓTICA DO NORTE e superintender na feitura dos seus Estatutos, começando, no Preâmbulo do discurso que proferiu, por dizer: 

Meus senhores, creio firmemente que a fundação da «Liga Patriótica do Norte» será a primeira pedra do edifício da restauração das forças nacionais. Não será esta porém uma obra de momentâneo entusiasmo, mas de aturada paciência, de patriótica e esclarecida perseverança.

Já em pleno acto discursivo, num dado momento, disse o seguinte:

A vida actual, para ser autónoma e independente, tem de ser remodelada. A nação tem de emendar erros profundos e numerosos, acumulados durante muitos anos de imprevidência, de egoísmo, de maus governos e de corrompidos costumes públicos. Esta situação é tanto mais grave, quanto gradualmente se foi estabelecendo entre a nação e os governantes um verdadeiro divórcio, divórcio à muito latente e que a crise actual veio apenas patentear em toda a sua cruel realidade. Os governos, em Portugal, deixaram há muito de representar genuinamente os interesses e o sentir da nação. Nem por isso, porém, a acção da «Liga» será revolucionaria. Pelo contrario, a «Liga» considera um tal divorcio como uma calamidade, e a sua acção tenderá a restabelecer a natural harmonia entre o pensamento nacional e o seu órgão, o Estado. Fora das competições da falsa política, que nos tem dividido e enfraquecido, mas por isso mesmo no terreno da verdadeira política, que é a dos grandes interesses nacionais, fora dos partidos, porque superior a eles, a «Liga» fará ouvir aos poderes públicos a voz da nação: e essa voz persistente, firme e cheia de autoridade obrigá-los-á, por muito inveterado que seja o seu endurecimento, a converterem-se á sua verdadeira missão, que é a dos representantes e zeladores dos interesses da nação, e não só dos interesses materiais, mas dos mais elevados, os interesses morares, e entre estes proeminentemente o da dignidade nacional. A moralização dos poderes públicos, tal é a primeira condição do renascimento e integridade da vida social portuguesa.

A Liga não vingou, como se sabe.

Li, há dias, sobre este assunto um texto de Amadeu Carvalho Homem - que se reproduz com a devida vénia -  e que no seu último parágrafo diz assim: 

Eça de Queirós designou a Liga como o “derradeiro Fantasma” de Antero. E, com efeito, Antero iria tropeçar em mais uma desilusão, em mais uma razão para o motivo depressivo que o haveria de matar. Mas ninguém matou a Liga; ela feneceu porque o Portugal do tempo lhe virou ostensivamente as costas. É provável que o mesmo viesse a acontecer, se tal fosse o caso, no nosso tempo. Portugal é assim, é isto! E novamente daremos a palavra a Eça para que ele nos descreva não tanto a verdade objectiva da morte da Liga, mas a representação simbólica do seu fim: «Na sessão em que se leram os consideráveis Estatutos só havia, na vastidão dos bancos, quinze membros que bocejavam. E numa outra final, como ventava e chovia, só apareceram dois membros da Liga, o presidente que era Antero de Quental, e o secretário que era o Conde de Resende. Ambos se olharam pensativamente, deram duas voltas à chave da casa para sempre inútil, e vieram, sob o vento e sob a chuva, acabar a sua noite em Santo Ovídio», lugar onde vivia o Conde. E numa carta escrita em Vila do Conde, dirigida a Henrique das Neves, com data de 22 de Julho de 1890, é o próprio Antero de Quental a apresentar assim a certidão de óbito da Liga Patriótica do Norte: «A Liga morreu afinal de pura inanição porque ninguém, no fundo, queria saber nem de colónias, nem de desforra, nem de reformas sociais. O que passou durante este Inverno é a prova mais cabal do estado de prostração do espírito público entre nós».
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Digo eu, a terminar, que há nas palavras de Antero de Quental - esquecido o motivo que gerou a aparição inglória da Liga - uma verdade, como esta:

Esta situação é tanto mais grave, quanto gradualmente se foi estabelecendo entre a nação e os governantes um verdadeiro divórcio, divórcio à muito latente e que a crise actual veio apenas patentear em toda a sua cruel realidade. Os governos, em Portugal, deixaram há muito de representar genuinamente os interesses e o sentir da nação. 

Isto é uma verdade.

Verdadeiramente, ninguém sabe o nome do representante do círculo político que representa no Parlamento um dado pedaço da Nação portuguesa onde cabe um determinado número de cidadãos, porquanto, os deputados são escolhidos por cada um dos Directórios dos partidos a quem ficam sujeitos, pelo que, ou um dia mudamos isto ou, então, caminhamos a passos largos para o "divórcio" de que falou Antero de Quental, entre a Nação e os governantes.

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