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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

"Alma, Sonho, Poesia" - Um poema de Fernanda de Castro




ALMA, SONHO, POESIA

Entrei na vida
com armas de vencida;

Alma, Sonho, Poesia.
Quando eu cantava
o mundo ria,
mas nada me importava:
cantava.

Depois, um dia,
o mundo atirou pedras ao meu canto
e a minha alma rasgou-se.
Que seria?
                                             Medo, espanto,
revolta ou simplesmente dor?
Fosse o que fosse,
o orgulho foi maior.
Com dez punhais nas unhas afiadas
e nos olhos azuis duas espadas,
eu nunca mais seria, nunca mais,
a que entrara na vida
com armas de vencida.
Agora o meu querer era mais fundo:
de um lado, eu, do outro, o mundo.
E começou a luta desigual
do tigre e da gazela.

A vencida foi ela..
Mas que louros colheu dessa vitória
o mundo cego e bruto?
O sangue dos Poetas? Triste glória...
Cinza de sonhos mortos? Magro fruto...
Oh, não, punhais e espadas!
Eu só quero cantar! Não quero ossadas
nem, sob os pés, 'um chão de campas rasas.
Eu só quero cantar! Só quero as minhas asas
e a minha melodia:
Alma, Sonho e Poesia...                    
Alma, Sonho e Poesia...

(in, «Exílio»)


Fernanda de Castro (1900-1994) sendo, embora uma poetisa que se pode considerar "dos nossos dias" - e de grande inspiração poética -  é,hoje, pouco lembrada, porque a modernidade da nossa Cultura reinante o não consente.

E, no entanto, Fernanda de Castro dedicou uma grande parte da vida às crianças, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, de que foi Presidente e, também tendo pertencido à fundação da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, título abreviado em 1925 para Sociedade Portuguesa de Autores, merecedora aquando se perfizeram os cinquenta anos da sua actividade intelectual do seguinte encómio do seu confrade, David Mourão Ferreira:

"Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite". (in, Kikipedia)

Neste poema em que a poetiza após uma luta travada com o mundo que se ria do seu canto - a tal alegria que ela foi buscar às cordas do seu estro e de que falou David Mourão Ferreira - apresenta.se em como uma gazela em luta com um tigre - o tal mundo - para nos dizer que o triunfo caiu para o lado do mais forte, e faz a pergunta que nos devia inquietar: 

A vencida foi ela. 
Mas que louros colheu dessa vitória
o mundo cego e bruto?

Eis, aqui, em forma de poesia uma constatação que não é inócua, pois de que servem vitórias sobre aquelas criaturas que nada mais pedem à vida que não seja a liberdade de poder cantar ou de poder bater as asas que o destino lhes deu para poderem espraiar a Alma, Sonho e Poesia, o título que Fernanda de Castro deu e com toda a intenção a este seu trabalho poético?

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