O Peso do João
Aconteceu ontem:
dia vinte e seis de Janeiro, do ano
de mil novecentos e noventa e oito.
Eram quatro horas da tarde.
Tinhas cinco meses e uns dias.
A tua avó Lena vestiu-te a primor:
uma calcinhas com alças dobravam os teus ombritos
e abotoavam à frente
sobre uma camisinha amarela-canário.
Nos teus pézinhos calçou-te
uns sapatinhos acamurçados com debrum vermelho...
e na cabeça,
tapando as tuas orelhinhas enfiou-te um barretinho amarelo
que condizia tão bem com o conjunto,
que tu ficaste um brinquinho!
Depois disso, que demorou um tempo,
a avó Lena abalou contigo
todo aconchegado na concha quente dos seus braços...
e disse-me:
- Vou ali à Farmácia. Vou pesar o João e já volto -
e saíu toda vaidosa! Pudera!
Olhei-te, quando saíste a porta. Ias muito contente...
e gralhaste numa despedida,
como se me dissesses: - Vou ali e já volto, meu avô!
- Foi assim que entendi o sorriso do teu olhar
- naquilo que disseste...
Quando regressaste vinhas calado.
Dormias serenamente o sono justo dos meninos...
Os teus olhitos vivos e quentes como duas brasas haviam
cedido
à cadência dos passos compassado da tua avó...
que demorou naquele passo uma eternidade!
No sono que dormias
o teu corpito era um novelo que inchava mais o peito da tua
avó,
Inchada, ainda, de um santo orgulho de te ter
levado
naquele passeio, pelo meio da tarde
e, também, pela notícia dos teus
oito quilos, novecentos e quarenta gramas!
- está forte, o João - disse toda orgulhosa de
ti -
vê como está lindo este menino!
E eu vi-te melhor.
Vi-te uma vez mais com estes olhos de avô que te amam muito
e, de facto, vi como estavas lindo, mais agora,
que vinhas com as duas faces mais rosadas!...
Acompanhei-te, depois, até ao berço...
e olhei-te, ainda, mais e mais... e rezei a Deus
para que o teu peso de hoje
faça de ti num dia que há-de vir, um homem possante.
Um peso-pesado... mas, no meu pensamento
-
o que eu pedi a Deus - é que permitisse
que tu o fosses, não tanto na estatura física,
mas no espírito, que é leve como uma pena
mas torna os homens assim, com peso perante a vida.
Pesos-pesados na arte e na cultura
e em tudo o mais em que o homem se faz e se cumpre!
E, foi assim, que junto do teu berço,
calado, mas falando de ti a Deus, que me lembrei
dos muitos pesos-pesados
que têm passado pelo mundo e deixaram caminhos para andar.
Segue, João, por um deles... faz tu mesmo o teu
caminho!
Há - podes crer
- muitos caminhos para os homens
inteiros...
para os que são verticais!
E neste divagar, dei comigo a misturar pesos:
o teu peso real de pessoa, no dia de hoje...
o teu peso, quando fores um homem,
calcando com força as pedras do caminho!
Mas, sobretudo, dei comigo a pensar
no peso espiritual da força que eu gostaria
que tivesses!
No arreganho que é preciso para que sejas um homem
inteiro...
e, foi, desta mistura de pesos...
uns que o são e outro que o não é,
que estive, nem sei quanto tempo a olhar para o sono que
dormias
e te fazia mais bonito!
Deus queira, querido João,
que durmas sempre assim: sereno por teres cumprido o teu
dever.
E satisfeito por teres sido sempre um homem,
aconteça o que acontecer... sempre com peso
nas decisões que é preciso ter nas muitas tarefas
que vais certamente encontrar pelo caminho.
Com peso neste mundo tão precisado de pesos-pesados no
saber!
Rezei assim, para que tal aconteça...
E vou continuar a rezar por ti enquanto tiver vida,
para que Deus - que é meu amigo - faça de ti, João
- um peso-pesado - no mundo!
26 de Janeiro de 1998
Uma mensagem extraordinária... com arte e com o "peso pesado" da sabedoria de vida . Maravilhoso.
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