Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O Peso do João




O Peso do João

Aconteceu ontem: 
dia vinte e seis de Janeiro, do ano
de mil novecentos e noventa e oito. 
Eram quatro horas da tarde.

Tinhas cinco meses e uns dias. 
A tua avó Lena vestiu-te a primor:
uma calcinhas com alças dobravam os teus ombritos 
e abotoavam à frente
sobre uma camisinha amarela-canário. 
Nos teus pézinhos calçou-te
uns sapatinhos acamurçados com debrum vermelho... 
e na cabeça,
tapando as tuas orelhinhas enfiou-te um barretinho amarelo
que condizia tão bem com o conjunto, 
que tu ficaste um brinquinho!
Depois disso, que demorou um tempo, 
a avó Lena abalou contigo
todo aconchegado na concha quente dos seus braços... 
e disse-me:

- Vou ali à Farmácia. Vou pesar o João e já volto - 
e saíu toda vaidosa! Pudera!

Olhei-te, quando saíste a porta. Ias muito contente...
 e gralhaste numa despedida,
como se me dissesses: - Vou ali e já volto, meu avô!
- Foi assim que entendi o sorriso do teu olhar -  naquilo que disseste...
Quando regressaste vinhas calado. 
Dormias serenamente o sono justo dos meninos...
Os teus olhitos vivos e quentes como duas brasas haviam cedido
à cadência dos passos compassado da tua avó... 
que demorou naquele passo uma eternidade!
No sono que dormias 
o teu corpito era um novelo que inchava mais o peito da tua avó,

Inchada, ainda, de um santo orgulho de te ter levado 
naquele passeio, pelo meio da tarde
e, também, pela notícia dos teus 

oito quilos, novecentos e quarenta gramas!

- está forte, o João - disse toda orgulhosa de ti - 
vê como está lindo este menino!
E eu vi-te melhor. 
Vi-te uma vez mais com estes olhos de avô que te amam muito
e, de facto, vi como estavas lindo, mais agora, 
que vinhas com as duas faces mais rosadas!...
Acompanhei-te, depois, até ao berço... 
e olhei-te, ainda, mais e mais... e rezei a Deus
para que o teu peso de hoje 
faça de ti num dia que há-de vir, um homem possante.

Um peso-pesado... mas, no meu pensamento - 
o que eu pedi a Deus - é que permitisse
que tu o fosses, não tanto na estatura física, 
mas no espírito, que é leve como uma pena
mas torna os homens assim, com peso perante a vida. 
Pesos-pesados na arte e na cultura
e em tudo o mais em que o homem se faz e se cumpre!

E, foi assim, que junto do teu berço, 
calado, mas falando de ti a Deus, que me lembrei
dos muitos pesos-pesados 
que têm passado pelo mundo e deixaram caminhos para andar.

Segue, João, por um deles...  faz tu mesmo o teu caminho!

Há - podes crer 
-  muitos caminhos para os homens inteiros... 
para os que são verticais!
E neste divagar, dei comigo a misturar pesos: 
o teu peso real de pessoa, no dia de hoje...
o teu peso, quando fores um homem, 
calcando com força as pedras do caminho!
Mas, sobretudo, dei comigo a pensar 
no peso espiritual da força que eu gostaria que tivesses!

No arreganho que é preciso para que sejas um homem inteiro...
e, foi, desta mistura de pesos... 
uns que o são e outro que o não é,
que estive, nem sei quanto tempo a olhar para o sono que dormias 
e te fazia mais bonito!

Deus queira, querido João, 
que durmas sempre assim: sereno por teres cumprido o teu dever.
E satisfeito por teres sido sempre um homem, 
aconteça o que acontecer... sempre com peso
nas decisões que é preciso ter nas muitas tarefas 
que vais certamente encontrar pelo caminho.

Com peso neste mundo tão precisado de pesos-pesados no saber!
Rezei assim, para que tal aconteça...
E vou continuar a rezar por ti enquanto tiver vida,
para que Deus - que é meu amigo - faça de ti, João
 - um peso-pesado - no mundo!

 26 de Janeiro de 1998

1 comentário:

  1. Uma mensagem extraordinária... com arte e com o "peso pesado" da sabedoria de vida . Maravilhoso.

    ResponderEliminar