Disseste, Senhor, verdades duras de ouvir,
como daquela vez, em Jerusalém
onde viviam ao arrepio das coisas novas que
trazias,
os sacerdotes, os fariseus, os saduceus, os
escribas e os levitas,
todos atentos a tudo quanto dizias e ao modo como
Te comportavas:
- Não é dos homens que recebo a glória,
mas conheço-vos e sei que o amor de Deus não existe
em vós.(1)
Foi um reboliço, Senhor!
Não falaste demais. Disseste, apenas, coisas
certas... coisas que sentias.
E, impertinentemente, continuaste a Tua saga num
certo dia de madrugada.
Aconteceu no Templo. Os escribas e os fariseus
apostados em Te perder,
trouxeram uma mulher adúltera e fizeram questão
de Te lembrar a Lei de Moisés.
- E tu, que dizes? (2)
- perguntaram-Te.
Serenamente, deixaste a escrita que fazias sobre
o pó do chão e respondeste-lhes:
- Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a
lançar-lhe uma pedra! (3)
E recomeçaste, ignorando-os, a escrita
interrompida, enquanto eles envergonhados
se afastavam escondendo-se das setas das Tuas
palavras!...
Feriste, Senhor, o seu orgulho de zelosos
aplicadores da Lei, e continuaste assim
contra as práticas corruptas dos fiéis servidores
dos Césares da Roma Imperial
que dominavam a Judeia, até que um deles - um
fariseu, mais uma vez! -
te mandou os seus discípulos na companhia de
alguns dos esbirros de Herodes
para Te fazerem a pergunta cheia de ódio e de
malícia:
- É ou não lícito pagar o tributo a César? (4)
E logo, Tu - mostrando-lhes um dinheiro - a
responder com outra pergunta:
- De quem é esta imagem e esta inscrição? (5)
- De César - responderam.
Então - dai, pois a César o que é de César e a Deus
o que é de Deus. (6)
Foi demais, para eles. A Tua sabedoria era uma
incontornável barreira
e, ainda não foi daquela vez que Te apanharam!
E acirraste-os mais, como, naquele dia, quando
entraste em festa em Jerusalém
e o povo que Te amava estendeu as suas capas e
atapetou de ramos de árvores
todas as ruas por onde passaste, rompendo em
altos brados de louvor:
Hosana ao Filho de David! Bendito seja Aquele que
vem em nome do Senhor! (7)
Depois - o grande escândalo! - chamaste para a
Tua mesa os pobres e pecadores
e até dormiste em casa de Zaqueu, o conhecido
chefe dos gabeleiros...
e eras conhecido por ensinares aos teus amigos
normas subversivas como esta:
Não julgueis para não serdes julgados... (8)
De facto, Senhor, pisaste o risco. Não só fazias como ensinavas coisas estranhas!
Sobretudo, coisas muito ao contrário de uma
sociedade orgulhosamente instalada
em rituais sem alma.
Puseste-Te contra todos os grandes senhores de
Jerusalém
e nem sequer poupaste os doutores da Lei que só
impunham deveres!
Estes, sobretudo, não te perdoaram. Tinham jurado
que Te haviam de prender
e para tanto traçaram um plano, urdido como
costumam fazer os algozes:
Começaram por minar por dentro o Teu grupo,
- um facto que fez escola e se tem repetido ao
longo da história dos homens -
Fazendo valer uma razão que não tinham,
mas, apenas, o ódio vesgo contra tudo o que
fazias e, sobretudo, contra tudo
o que dizias deles: ai de vós escribas e fariseus hipócritas... (9)
conseguiram que o seu plano se cumprisse, usando
um dos Teus amigos
Aconteceu isto na noite da Tua Última Ceia.
Judas, por não poder olhar-Te por mais tempo de
olhos nos olhos
abandonou-Te, ainda com o bocado de pão molhado
que lhe havias dado
e saiu a correr ao encontro do grupo dos fariseus
e dos guardas dos sacerdotes
que Te deitaram a mão por entre as oliveiras do
horto onde costumavas ir.
Prenderam-te, julgando que calariam a voz
incómoda que lhes havia chamado
sepulcros branqueados, (10) não sabendo que o Teu Espírito já dera frutos
eternos
e a Tua morte, que o pretor Pilatos sancionou,
após o julgamento sumário
de Anás e Caifás, não foi - como eles supunham -
o Teu fim e o dos Teus amigos...
foi, antes, o princípio de tudo.
Tu, Senhor, estás vivo e liberto até à consumação
dos séculos.
Senhor:
Rolaram já muitos séculos desde aquela noite no
vale verdejante do Cédron
e eu aceito - e sinto - que tudo quanto disseste
dos poderosos de Jerusalém
está vivo.
Sem ter a força das Tuas, eu podia usar as mesmas
palavras...
sinto, porém, que me falta a Tua frontalidade, o
teu desassombro, a Tua sabedoria!
Mesmo assim, Senhor, faz que eu me redima
e não tenha medo.
Ajuda-me a ser mais firme.
Eu sei que é do Teu lado que está a Verdade.
Fica comigo, Senhor! Ajuda-me a lutar e,
sobretudo,
ajuda-me a chamar todas as coisas pelo seu nome!
sem medos,
sem tibiezas,
sem abandonos...
aconteça o que acontecer!
(1) - Jo. 5,
41-42
(2) - Jo. 8,
5
(3) - Jo. 8,
7
(4) - Mt.
22,17
(5) - Mt.
22, 20
(6) - Mt.
22, 21
(7) - Mt. 21,9
(8) - Mt. 7, 2
(9) - Mt. 23, 13
(10) - Mt. 23, 27
Bendito seja Deus que motivou estes sentimentos e abençoado seja o homem que os acolheu e partilhou com tanto elã. Se não fosse deveras teu amigo, não me perdoaria nesta hora de o não ser porque dignifica a amizade quem bebe deste jeito o néctar sagrado da Boa Nova.
ResponderEliminarA Costa