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segunda-feira, 17 de junho de 2013

O embuste da lisonja



                                                                                      Os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto; 
                                                                           os  trinta seguintes, o comentário.
                                                                                                                 Arthur Schopenhauer

 

A lisonja é considerada pelos filólogos, como: louvor exagerado; cumprimento adulador para cativar as boas graças e a simpatia de outrem; procura de sedução; um falso louvor, donde a acção de lisonjear é – em regra – um embuste da condição humana que põe nesta atitude falsária muito da sua imperfeição a necessitar de uma séria e necessária correcção de comportamentos sociais e espirituais.
No Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma, do tempo recuado de 1651, o grande pregador e pensador Padre António Vieira, falou no Cap. VI, sobre o lisonjeador, advertindo o mundo para estes embusteiros, dizendo deles sem qualquer cerimónia, mas com a elevação do seu verbo esclarecido: Servem aos reis – diríamos, hoje, os Presidentes e outros homens no galarim do poder – porque lhes serve o servi-los. E continua deste modo, o grande orador:

Arrima-se a hera à torre, não por amor da torre, senão por amor de si, não porque queira coroar a torre – que as coroa de hera não são as dos reis – mas porque a hera não pode crescer sem arrimo, e ela quer crescer e subir. Por isso vemos tão subidos e crescidos ao que talvez, antes de chegarem a este arrimo, mal se levantavam da terra.

Estas palavras merecem ser meditadas, especialmente por todos aqueles que à sua volta lidam com os falsos lisonjeadores, que nunca são aqueles que mostram o seu agrado e aprovação sinceros – porque esta atitude é um modo de exprimir alegria pelo sucesso de quem eventualmente, esteja acima na escala social  – mas, pelo contrário, são todos aqueles que estão sempre de acordo, ainda que nesse outro, as suas atitudes mereçam ser reprovadas.
No mesmo sermão, no Cap. VII, ao discorrer magistralmente como só ele o soube fazer, servindo-se do eco que em dias de tempestade ouvimos pelas quebradas dos montes, Vieira, afirma isto, para dar consistência à sua argumentação contra os embusteiros sociais que fazem da lisonja, como que uma profissão:

O eco sempre repete o que diz a voz, nem sabe dizer outra coisa; e onde as concavidades são muitas, é cena verdadeiramente aprazível ouvir como os ecos se vão respondendo sucessivamente uns aos outros e todos sem discrepância dizendo o mesmo. O que disse a primeira voz é o que todos uniformemente repetem.

E conclui desta forma o seu pensamento: E isto que fez a natureza nos bosques, faz a adulação nos palácios, chamando em defesa da sua tese outro grande vulto: Santo Agostinho.
Naturalmente, o lisonjeador, serve-se de uma arma infalível: a vaidade daquele que se deixa adular por este saber que a sua situação social – no cimo da pirâmide – lhe permite assumir todas as contra-regras, sabendo de antemão que aqueles que os cercam lhe dão a importância que as suas atitudes nem sempre merecem, mas porque se trata de viver à sombra dos poderosos, rastejam, lisonjeando, esperando recolha de dividendos.
Chamando à liça, a figura bíblica do rei David, que se tomou de amores por Bersabé, a mulher de Urias, um dos seus generais a quem causou a morte, Vieira, no mesmo Sermão, cita o salmo 50 - Miserere! -  do próprio rei David, onde este declara, que só singularmente pecou para com Deus. E, Vieira, acrescenta, que foi assim, porque nenhum dos seus súbditos estranhou o seu pecado porque ele era rei. E acrescenta:

Eis aqui de que serve aos reis o ser rei, e quão lisonjeiramente o servem os que o servem. Se alguma vez na antecâmara de David – onde ele o não ouvisse – se tocou no seu pecado, o que os palacianos discorriam era desta maneira: que o amor de Bersabé fora um galanteio de príncipe soldado; que o casar-se com ela fora uma honrada restituição da sua fama: que o matar Urias fora um conselho necessário, porque o modo mais seguro de sepultar o agravo é meter debaixo da terra o agravado.

Talvez, por este modo de dizer as verdades servindo-se das próprias Escrituras, Vieira não era pessoa grata nalguns círculos, o que teria originado que após a morte de D. João IV, a Inquisição o tenha acusado de professar opiniões heréticas, das quais é absolvido com a subida ao trono de D. Pedro II.
Foi, no entanto, tão grande e tão pujante a sua oratória que os seus conceitos – como este sobre os falsos lisonjeadores – chegaram até nós e constituem, ainda, fonte inesgotável de meditação, de aprazível e proveitosa leitura.
Sendo o maior dos nossos clássicos,  podemos dizer que a tónica geral das citações de Vieira andam à volta da moral e da denúncia dos vícios, onde se consagrou um Mestre exímio da Língua Portuguesa.
A elevação do seu pensamento robusto faz falta no tempo actual, de tal modo andamos a precisar de denunciar vícios e excessos, como os da cobiça de honrarias e  comendas sem olhar a meios de as conseguir, ainda que pata tanto, seja preciso mentir, lisonjeando, falseando ideais de honra e de vergonha.

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