QUANDO OS RIACHOS
FALAVAM COM DEUS...
No princípio
dos tempos, quando Deus criou o mundo é do seguinte teor o relato do Génesis,
no segundo dia:
E disse
Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e
águas. Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do
firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi. Chamou Deus ao
firmamento, céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.
Foi deste modo
que foi criado o firmamento – chamado de céu – e ao dar-se a separação entre
águas e águas, apareceram os primeiros riachos que nas confluências entre
eles deram origem aos primeiros rios.
Era uma vez...
Aconteceu,
quando um desses riachos ao ver-se criado e a correr cheio de vaidade da sua
água límpida que traçava entre os montes, uma serpente borbulhante que parecia
cantar ao galgar os penedos do leito que ia abrindo com a força da sua água que
cada vez engrossava mais, se deu conta que ia entroncar-se com um outro, cujas
águas há muito tempo represadas haviam dado origem a um pântano infecto.
Foi então –
era no tempo em que os riachos tinham a faculdade de falar com Deus Criador, que encetara, então, a Criação
do Mundo – que este, cheio de temor de misturar as suas águas claras com as do
pântano, chamou Deus e, veementemente, apresentou o seu protesto:
- Senhor, vê
bem o castigo que me reservaste. Eu que sou um riacho puro, que tenho escolhido
os melhores caminhos para continuar a correr límpido, achas bem que vá misturar
as águas que me deste e o modo como eu as tenho tratado, com as águas daquele
pântano tão mal cheiroso?
Deus ouviu
serenamente as razões apontadas.
Tomou nota
delas e respondeu, de pronto:
- Olha bem.
Tens dois caminhos a seguir. Ou entras brando e vencido dentro do pântano e
ficas conspurcado, ou, pelo contrário entras decidido, forte e determinado e ao
entrar nele com a tua força e determinação, fazes que ele seja arrastado pela
tua corrente e do pântano que é, venha a suceder, nunca mais uma água parada e
mal cheirosa – como dizes – mas, com a tua acção um riacho mais forte e limpo
pelo poder das tuas águas...
Teimoso, o
riacho vaidoso, ainda retrucou:
- E a minha
água, como vai ficar?
Carinhosamente, O Criador – que sonhava conciliar
todos os atritos que iam surgindo, por forma a que a Sua Obra ficasse perfeita,
como veio a acontecer – sossegou-o:
- Vê bem. O pântano é pequeno e a tua corrente é já
muito forte. Se entrares nele como te disse, as tuas águas têm o poder de
tornar claras e límpidas as águas paradas e verás, como depois, continuarás
mais forte.
O riacho tomou
nota das palavras de Deus que lhe pareceram um sábio conselho.
Foi então que,
tendo ganho mais força, mercê de um pequeno despenhadeiro que havia antes de
chegar ao pântano, se lançou destemidamente sobre ele e, de tal modo o fez que
as águas deste ao sofrer tão violento impacto galgaram as margens apertadas que
o haviam represado e confundido com as águas puras que haviam chegado, lavou-se
de todos os lodos do leito e dos que andavam soltos, tendo gratificantemente
agradecido a sorte que lhe havia chegado, pois já não seria – nunca mais! - um
pântano mal cheiroso, mas um riacho cheio de vida e de força que não tardou –
com as águas dos outros – a formar um
grande rio e, depois, um dos mares, que foi como está escrito, a Obra de Deus,
no terceiro dia.
Esta história
transportada para a vida dos homens, traz consigo o seguinte ensinamento:
Se o homem se
atemoriza perante uma dificuldade que lhe possa aparecer no caminho – e isto acontece,
mais ou menos, com todos – é, logo à partida alguém que se deixa vencer a ele
mesmo.
Se, pelo contrário, ganha forças e se agiganta
perante um empecilho qualquer, ganha a partida e de timorato passa a ser um
herói.
É preciso, por
isso, entrar com determinação em todos os projectos da vida e não passar a
viver nela um sofrimento constante, que não só lhe tira a vontade de lutar,
como faz do mais valente o maior dos cobardes.
É a vontade
que faz o homem grande ou pequeno, disse Friedrich Schiller, (1)
o grande poeta e dramaturgo alemão, num claro aviso que ao homem – seja ele
qual seja – no transcurso da vida terrena ou aceita o desafio de ser ousado e
arrosta com as dificuldades do percurso – tal como fez o riacho da história, a
conselho de Deus – ou, fica parado no tempo, desprezando o sabedoria que nos
diz que há sempre um motivo que pode fazer de qualquer homem um vencedor se
este porfiar, pois há-de ser sempre a vontade que faz o homem grande ou
pequeno, e sobre isto que não haja qualquer dúvida.
A lição do
riacho, que por fim se fez rio demonstra isto mesmo.
De pequeno que
era tornou-se grande.
Que ela nos
sirva em todos os aspectos da vida e em todos os lugares.
(1) - Johann Christoph Friedrich von Schiller,
nasceu em Marbach am die Neckar em 10 de novembro de 1759.
Foi um notável
poeta, dramaturgo e filósofo alemão, interessado sobretudo na Estética.
Deixou poesias e peças teatrais que marcaram a literatura e a filosofia alemãs.
Filho de um militar, mudou-se várias
vezes com a família, mas os períodos passados em Lorch e Ludwigsburg,
permitiram que Schiller recebesse educação regular. Em 1773 o duque Karl Eugen
de Wurttemberg, exigiu que o jovem fosse matriculado na escola militar do
ducado.
A brutalidade do regime
militar a que fora sujeito fizeram crescer sua revolta contra a tirania dos
governos, revolta que deixou extravasar em sua primeira obra, a peça Die Räuber
("Os assaltantes"), que escreveu de 1777 a 1778 enquanto
estudante.
Desertor do exército,
passou por Mannheim, tendo procurado refúgio em Bauerbach, em casa de um
ex-colega da universidade. É lá que completa o drama Luise Millerin e escreveu
outras peças, todas elas, - inclusive a primeira Die Röuber -, levadas ao palco
no Teatro Nacional de Mannheim a partir de 1781.
Em abril de 1785 deixou
Mannheim, tendo alcançado Leipzig, Dresden e Loschwitz em atenção de um convite
de amigos que havia feito por
correspondência. Neste último local completou o seu Don Carlos, Infant von
Spanien, em que revela o conflito entre o Rei Filipe II da Espanha e seu filho
do primeiro casamento, Dom Carlos, que ama sua madrasta, a segunda mulher de
seu pai.
Faleceu em Weimar em Maio
de 1805.
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