DEUS PRESENTE EMTODOS OS CAMINHOS
in, “Catecismo Ilustrado” da “Maison de la Bonne Press”
Rue Bayard 5 - Paris, segundo uma edição da Juventude Cathólica de Lisboa, em
Outubro de 1910
Era uma vez…
O Anacleto da Botica
era o nome carinhoso que a população da pequena vila montanhosa dava ao dono da
farmácia local, que para além do dístico tradicional que a anunciava, tinha um
reclamo que à noite se iluminava, deixando perceber um almofariz e a sua mão dentro da concha, anunciando que
naquele local a farmácia actual sucedera, efectivamente, a uma velha botica
herdada pelo Anacleto, o farmacêutico natural da terra que o vira nascer e,
onde, exercia a contento de toda a população o seu “múnus” com a competência
que ele fazia questão de ligar a um modo simples, sem qualquer afectação de
trato.
De um modo geral toda a
população da vila, era crente.
Tinha de Deus e dos
seus Santos, já não o temor ancestral dos avoengos, próprio dos tempos que já
lá iam há muito, mas um respeito austero que a fazia participar nos actos de
culto com a compostura dos tempos novos, não assistindo, mas participando, de
acordo com as novas aragens que davam às cerimónias eclesiais mais vida e mais
sentido cristão.
O Anacleto da Botica,
embora querido de todos os naturais, era, no entanto, algo avesso à Igreja.
Diziam as almas mais simples, que era o “seu único defeito”, sendo como diziam
“um homem tão inteligente.” Também não se lhe conhecia outra qualquer crença e
em muitos morava a esperança que um dia Deus havia de entrar “num coração tão
grande e tão bondoso”.
Um dia, já quando tinha
fechado a pesada porta de castanho da farmácia e corrido as grades de segurança
e se aprestava para regressar a casa, a uns passos já da velha “botica”, deu de
caras com o Zézito da tia Maria Ângela, que em grande correria e muito
afogueado, mostrando à evidência toda a aflição que lhe desfigurava o rosto
bonito da criança traquinas que era e se lhe dirigiu, emocionado:
- Sr. Anacleto abra a
farmácia, por favor… a minha mãe precisa urgentemente de um remédio…
Não se fez rogado o
Anacleto, como era costume.
Célere, abriu a porta e
tendo tomado conta do nome do remédio percebeu de imediato a gravidade da
doença da pobre Maria Ângela, o que fez, que ele – para não perder mais tempo –
não tivesse iluminado o interior da
farmácia, e num impulso, após abrir uma das portadas de vidro, sacou o
medicamento de uma das prateleiras que ficava à altura dos seus olhos.
- Vai-te embora. Vens
pagar amanhã. Não há tempo a perder… corre, Zézito.
O pequeno assim fez.
Num ápice dobrou a
esquina e perdeu-se por entre os becos mais estreitos da vila, mas que iam mais
rapidamente dar a sua casa.
Aconteceu, entretanto,
que o Anacleto com a pressa de aviar a receita do Zézito, havia dado conta de ter tombado algumas
embalagens de fármacos.
Como gostava da arrumação, abriu a luz no
intuito de proceder à necessária reordenação dos medicamentos. Foi então que se
deu conta de ter trocado a embalagem que mandara pelo pequeno portador,
maldizendo o facto de ter agido às escuras.
Aflito, tendo a noção
que o medicamento enviado era o contrário da prescrição médica – sendo pela sua
composição química bastante perigoso em face da doença que era preciso tratar -
aprestava-se para se dirigir para a casa da Maria Ângela, que bem conhecia,
quando, a chorar convulsivamente, chegou ao pé de si, o Zézito, agarrando-se a
ele desesperadamente.
- Aconteceu uma
desgraça, Sr. Anacleto. Na corrida que levava tropecei numa pedra e parti o
frasco do remédio… e agora?
- Agora… anda cá – e tomou-o por um dos bracitos.
- Leva outra embalagem à tua mãe e
diz-lhe que apenas me fica a dever uma deles. A que continha o frasco e se
partiu é oferta minha...
Desandou o pequeno,
noutra correria, dizendo já a correr um “obrigado” quase imperceptível.
O Anacleto sofreu,
então, um abalo profundo.
A caminho de casa deu
em pensar como fora um milagre o
tropeção do Zézito e não pode deixar de pensar nos desígnios de Deus, que
afinal estava presente em todos os caminhos dos homens.
Fazendo cair o pequeno,
remediou-se um engano que podia ser fatal para a Maria Ângela.
Deu em pensar no óbvio.
- E se ela morresse por
culpa do remédio trocado?
- Que seria dele?
- Que seria da sua
consciência pesada?
Ia cogitando em todas
as coisas acontecidas e de mistura com todas as emoções, onde avultava o choro
do pequeno, mas sobretudo, o frasco partido pela sua queda, quando sentiu
presente o seu afastamento de Deus, precisamente no momento em que passava
defronte da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, à frente da qual passava
indiferente todos os dias.
Sem saber bem como tudo
aconteceu, achou-se dentro dos portais do velho Templo que no momento se
encontrava vazio de fiéis, mas onde uma Luz bruxuleante indicava no altar-mor a
presença do Senhor.
Não avançou mais um
passo.
Ali, naquele lugar,
como se fosse uma estátua, agradeceu como pode a bondade de Deus
E nesse propósito,
pendeu a cabeça e rezou como pode uma velha oração esquecida onde faltaram
muitas palavras, mas tendo ficado com a certeza que havia rezado a oração mais
linda de toda a sua vida.
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