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domingo, 16 de junho de 2013

Deus presente em todos os caminhos


DEUS PRESENTE EMTODOS OS CAMINHOS


in,  “Catecismo Ilustrado” da “Maison de la Bonne Press” Rue Bayard 5 - Paris, segundo uma edição da Juventude Cathólica de Lisboa, em Outubro de 1910

Era uma vez…
O Anacleto da Botica era o nome carinhoso que a população da pequena vila montanhosa dava ao dono da farmácia local, que para além do dístico tradicional que a anunciava, tinha um reclamo que à noite se iluminava, deixando perceber um almofariz e a sua mão dentro da concha, anunciando que naquele local a farmácia actual sucedera, efectivamente, a uma velha botica herdada pelo Anacleto, o farmacêutico natural da terra que o vira nascer e, onde, exercia a contento de toda a população o seu “múnus” com a competência que ele fazia questão de ligar a um modo simples, sem qualquer afectação de trato.
De um modo geral toda a população da vila, era crente.
Tinha de Deus e dos seus Santos, já não o temor ancestral dos avoengos, próprio dos tempos que já lá iam há muito, mas um respeito austero que a fazia participar nos actos de culto com a compostura dos tempos novos, não assistindo, mas participando, de acordo com as novas aragens que davam às cerimónias eclesiais mais vida e mais sentido cristão.
O Anacleto da Botica, embora querido de todos os naturais, era, no entanto, algo avesso à Igreja. Diziam as almas mais simples, que era o “seu único defeito”, sendo como diziam “um homem tão inteligente.” Também não se lhe conhecia outra qualquer crença e em muitos morava a esperança que um dia Deus havia de entrar “num coração tão grande e tão bondoso”.


  
Um dia, já quando tinha fechado a pesada porta de castanho da farmácia e corrido as grades de segurança e se aprestava para regressar a casa, a uns passos já da velha “botica”, deu de caras com o Zézito da tia Maria Ângela, que em grande correria e muito afogueado, mostrando à evidência toda a aflição que lhe desfigurava o rosto bonito da criança traquinas que era e se lhe dirigiu, emocionado:
- Sr. Anacleto abra a farmácia, por favor… a minha mãe precisa urgentemente de um remédio…
Não se fez rogado o Anacleto, como era costume.
Célere, abriu a porta e tendo tomado conta do nome do remédio percebeu de imediato a gravidade da doença da pobre Maria Ângela, o que fez, que ele – para não perder mais tempo – não  tivesse iluminado o interior da farmácia, e num impulso, após abrir uma das portadas de vidro, sacou o medicamento de uma das prateleiras que ficava à altura dos seus olhos.
- Vai-te embora. Vens pagar amanhã. Não há tempo a perder… corre, Zézito.
O pequeno assim fez.
Num ápice dobrou a esquina e perdeu-se por entre os becos mais estreitos da vila, mas que iam mais rapidamente dar a sua casa.
Aconteceu, entretanto, que o Anacleto com a pressa de aviar a receita do Zézito,  havia dado conta de ter tombado algumas embalagens  de fármacos.
 Como gostava da arrumação, abriu a luz no intuito de proceder à necessária reordenação dos medicamentos. Foi então que se deu conta de ter trocado a embalagem que mandara pelo pequeno portador, maldizendo o facto de ter agido às escuras.
Aflito, tendo a noção que o medicamento enviado era o contrário da prescrição médica – sendo pela sua composição química bastante perigoso em face da doença que era preciso tratar - aprestava-se para se dirigir para a casa da Maria Ângela, que bem conhecia, quando, a chorar convulsivamente, chegou ao pé de si, o Zézito, agarrando-se a ele desesperadamente.
- Aconteceu uma desgraça, Sr. Anacleto. Na corrida que levava tropecei numa pedra e parti o frasco do remédio… e agora?
- Agora…  anda cá – e tomou-o por um dos bracitos. -  Leva outra embalagem à tua mãe e diz-lhe que apenas me fica a dever uma deles. A que continha o frasco e se partiu é oferta minha...
Desandou o pequeno, noutra correria, dizendo já a correr um “obrigado” quase imperceptível.
O Anacleto sofreu, então, um abalo profundo.
A caminho de casa deu em pensar como fora um milagre o tropeção do Zézito e não pode deixar de pensar nos desígnios de Deus, que afinal estava presente em todos os caminhos dos homens.
Fazendo cair o pequeno, remediou-se um engano que podia ser fatal para a Maria Ângela.
Deu em pensar no óbvio.
- E se ela morresse por culpa do remédio trocado?
- Que seria dele?
- Que seria da sua consciência pesada?
Ia cogitando em todas as coisas acontecidas e de mistura com todas as emoções, onde avultava o choro do pequeno, mas sobretudo, o frasco partido pela sua queda, quando sentiu presente o seu afastamento de Deus, precisamente no momento em que passava defronte da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, à frente da qual passava indiferente todos os dias.
Sem saber bem como tudo aconteceu, achou-se dentro dos portais do velho Templo que no momento se encontrava vazio de fiéis, mas onde uma Luz bruxuleante indicava no altar-mor a presença do Senhor.
Não avançou mais um passo.
Ali, naquele lugar, como se fosse uma estátua, agradeceu como pode a bondade de Deus
E nesse propósito, pendeu a cabeça e rezou como pode uma velha oração esquecida onde faltaram muitas palavras, mas tendo ficado com a certeza que havia rezado a oração mais linda de toda  a sua vida.

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