O BOATO
E OS TRÊS CADINHOS DA VERDADE
(Paráfrase de uma história conhecida)
O cadinho, como é sabido, é um vaso metálico que os
fundidores usam para depurar os metais, livrando-os das escórias nocivas que
alteram a verdade das ligas que se pretendem obter, dando-lhes autenticidade e, logo, o respectivo valor
comercial.
O que há de similitude entre o boato e o vaso do
fundidor? – perguntar-se-á.
Muita coisa. Vejamos porquê.
Num certo dia Zeferino – tido como alguém para quem
o boato tinha foros de certeza e, como tal, o contava ao primeiro amigo que se
dispusesse a ouvi-lo – encontrou o Jorge e de uma arremetida, sussurrou-lhe ao
ouvido:
- Então, já sabes... tu nem imaginas o que me
disseram...
Foi aqui, que o Jorge, conhecedor dos caprichos do
outro, o atalhou de imediato:
- Espera aí. Isso que me vais contar já o passaste
pelos três cadinhos da verdade?
Zeferino coçou a cabeça e respondeu, perguntando:
- O que é isso dos três cadinhos?... A modos que não
te estou a entender.
É muito simples, riposta-lhe o Jorge:
- O primeiro é o da verdade. Tens a absoluta certeza
que o facto que me queres contar é irrefutavelmente, uma verdade?
- Não. Eu
queria contar-te, simplesmente, o que me disseram...
- Então, espera aí. Não tendo tu a certeza, a tua
história arrisca-se a não ser verdadeira... mas há mais: será que a fizeste
passar pelo segundo cadinho, o da caridade?
- Que é isso?
Continuo sem entender...
- Não me
entendes e, no entanto, tudo continua a ser simples. O cadinho da caridade, é
precisamente aquele onde nos devemos colocar, pensando se aquilo que dizem de
nós, havia de fazer algum proveito a nós mesmos. Será que gostarias que
dissessem de ti coisas que te magoavam?
- É evidente,
que não – responde, confundido, o Zeferino.
- Então,
diz-lhe o outro, na tua história estando faltando a caridade, logo ela não
passou pelo segundo cadinho.
Foi o momento
em que o Jorge desferiu a pergunta final:
- Mas falta
ainda à tua história um detalhe importante. É a sua passagem pelo cadinho da
necessidade. Será que é mesmo necessário que a contes, ou pelo contrário, ela
deve merecer um pouco mais de atenção?
Neste ponto, o
Zeferino, sem parar de coçar a cabeça e admirado com a sabedoria do Jorge, num
repente de lucidez, acrescentou:
- Tens razão,
amigo. Já entendi como é preciso que qualquer conto, antes de ser tido como
verdadeiro tem de passar pelos três cadinhos: o da verdade, o da caridade e o
da necessidade. Como eu descurei tudo isso, vejo que de facto, nada tenho para
te contar.
O mundo seria,
efectivamente, mais aprazível e concertado se os homens antes de lançarem o
boato, que tantas vezes esmaga sem remédio uma vida, manchando-a para sempre,
aprendessem a bela lição do Jorge.
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