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sexta-feira, 7 de junho de 2013

A grandeza humana de Guerra Junqueiro


in. Wikipédia

Nas “Obras de Guerra Junqueiro” (Poesia), uma edição de Lello & Irmão de 1972, na pág. 957, o editor publicou um texto escrito pelo punho do Poeta, onde se lê: O Caminho do Céu será publicado logo depois da m morte. O produto de todas as edições ou da venda da propriedade será dividida em 10 partes e distribuída deste modo: 5 partes para o Hospital da Misericórdia de Freixo; (1) 3 partes para os pobres de Freixo; 2 partes para... a partir daqui o texto é ilegível no todo, mas entende-se que a quantia se repartia, como se lê, distintamente, para a minha querida mulher e quantia que julgue conveniente para os bens da sua alma.
Pena foi que o editor não tivesse feito a transcrição paleográfica de tão importante documento.
O Caminho do Céu é um livro autobiográfico.
O herói do livro é "O Peregrino" que é, em todos os cambiantes o retrato psicológico e espiritual de Guerra Junqueiro, cuja consciência de ter feito, irreflectidamente, algumas injustiças - mormente em desfavor da Igreja - o inquietava.
O diálogo com "O Cabouqueiro" é uma peça das mais belas que o Poeta escreveu.
Num dado passo, esta personagem quer refrear o caminho ao "Peregrino"  e convida-o a ficar com ele:
- A febre devora-te. Vem comigo, vem comigo!
Convite que não é aceite. "O Peregrino" (Guerra Junqueiro) tinha um destino a cumprir e nada, nem ninguém, podia tolher-lhe o passo.
Assim, "O Peregrino" despede-se e responde-lhe do seguinte modo:
- Adeus. Só o Senhor do Resgate me poderá salvar.
A figura do "Senhor do Resgate" é a consciência que o Poeta tinha que a misericórdia de Deus lhe perdoaria os excessos cometidos, tendo a certeza que tal aconteceria, pela resposta que, num outro passo do livro "O Peregrino" dá à personagem "O Cavaleiro", que prefigura o Demónio e que o convida a subir para a anca do seu cavalo, dizendo-lhe: ainda esta noite gozarás no mais formosos palácio que há no mundo...
Ao que "O Peregrino" responde, depois de ter feito o Sinal da Cruz:
- Satanás, não me tentas. Vou ao Senhor do Resgate.
O Poeta, dera-se conta de lhe haverem nascido uns olhos de luz infinita com os quais aprendera a ver mais claro e a fazer um outro entendimento do grande Mistério em que Satanás, é apenas, o anjo caído que não desiste de ser um semeador de sombras.

Os golpes sangrentos, a raiva maldita,
Curei-os num banho de amor e perdão.
E em vez dos meus olhos de sombra e desdita,
Nasceram-me uns olhos de luz infinita,
Uns olhos abertos no meu coração.

Aqueles olhos abertos haviam, finalmente, feito luz no seu coração e lá, num cantinho muito especial, o Poeta aprendera a falar com Jesus, O "Senhor do Resgate".
Tenho a certeza - tal como aconteceu com o "bom ladrão" que agonizou no Calvário ao pé de Jesus e subiu ao Céu com Ele - que o "Senhor do Resgate" lhe terá perdoado as faltas cometidas, porquanto, a resposta dada ao Demónio é eloquente e ele sabia que a misericórdia de Deus era   - e é - infinita para todos os pecadores
Foi, por isso, que respondeu, convictamente:
- Satanás, não me tentas. Vou ao Senhor do Resgate.
E foi. O "Senhor do Resgate" acolheu a alma do "Peregrino".
O livro "O Caminho do Céu", na edição referida é  enriquecido com um Prefácio de João Grave – o autor dos “Famintos” que para além de escritor foi um celebrado pedagogo.
Diz assim, no início do seu testemunho:
Uma tarde luminosa e quente de Verão recebi, inesperadamente, um bilhete do grande Poeta, já muito doente, pedindo-me para eu chegar, sem demora à sua casa da Rua de Santa Catarina – porque tinha uma importante comunicação a fazer-me.
No quarto do enfermo, segundo o relato que no faz, Guerra Junqueiro, começou por dizer:
Conheço perfeitamente o meu estado!(...) É por isso que vou dispondo as minhas coisas... escute! Fui muitas vezes injusto, e agora que estou procedendo a um severo exame de consciência, depois de me libertar da influência de todas as paixões funestas, arrependo-me dessas injustiças – de resto involuntárias.(...)
Conta João Grave que o Poeta aludia constantemente à sua morte próxima e que o procurara distrair ao trazer para a conversa assuntos de cariz político ou filosóficos, não recebendo, com antigamente, as hilariantes caricaturas dos homens ou as sínteses críticas que foram facetas célebres do génio do grande homem, cujo esplendor se apagava, chegando a confessar ao seu interlocutor que perdera a rima com o enfraquecimento da memória, não deixando de recitar os versos iniciais do soneto de Antero de Quental:


                                           Na mão de Deus, na sua mão direita
                                           Vai enfim, repousar meu coração.


E a conversa recaiu, depois, no livro iconoclasta e dos grandes sarcasmos: "A Velhice do Padre Eterno" onde o Poeta não poupou o Deus do catolicismo e a Roma papal das teocracias.
Afirma João Grave que este celebrado livro, foi uma das maiores torturas dos seus últimos dias, ao ponto de ter ouvido do Poeta, o seguinte comentário:
Hoje não o escreveria tal como se tornou conhecido e foi aclamado, justamente pelo que nele há de grosseiro e imperfeito. Inspirou-mo, aos vinte e oito anos, o meu sentimento cristão sobreexcitado; (...) compus a “Velhice” estrofe a estrofe com entusiasmo e a audácia de quem tivesse a verdade presa na sua mão. (...) E toda a minha pena é de não poder eliminar esse livro da minha obra (...)
E termina do seguinte modo:
-Devia isto à minha consciência! (...) Pratiquei erros e entendo que confessá-los não é vergonha mas virtude.
Grande lição é esta:
O grande Poeta teve a grandeza e, sobretudo, a humildade de à hora em que a sombra do coval se agigantava com todo o seu poder para ceifar o génio, de fazer um acto de contrição e limpar da sua memória – que é grande na Pátria que o viu nascer – os actos que o atormentavam, especialmente, os que se espelhavam nas estrofes de A Velhice do Padre Eterno, que nalguns meios literários se comprazem em denegrir a Igreja, que cometeu erros, todos o sabemos, mas é, sem sombra de dúvida a instituição milenar que mais e melhor se encastrou no tecido social, impregnando-o altos de valores morais e éticos.
Guerra Junqueiro, deve, pelo seu exemplo de coragem moral, ser um exemplo para todos os homens, especialmente para todos aqueles que ainda hoje não se cansam de apontar o seu livro abjurado, como uma seta contra Deus e contra a Igreja.
Ao fazê-lo estão no seu direito, mas este passo à hora da morte contado por João Grave não pode deixar de ser considerado a favor da alma do grande poeta.
Com efeito não podemos esquecer o que disse naquela hora final o  autor da Velhice do Padre Eterno, como no-lo transmite o confidente e prefaciador de O Caminho do Céu, no qual a figura do “peregrino” é nem mais nem menos que o retrato psicológico e espiritual de Guerra Junqueiro, que põe a cantar uma voz de anjo embaladora, enquanto o “peregrino” cansado da jornada do mundo adormece.

Cantava assim a voz angelical:
Dei a volta ao mundo de olhos deslumbrados,
Esplendendo estrelas, radiações a flux…
Queimaram-me os olhos, por os ver doirados,
Fizeram meus olhos carvões calcinados,
Pagaram com trevas, esmolas de luz.

A sublimidade destes versos levam-nos a concluir que o “peregrino” dera a volta a um mundo muito seu, num adente desejo de irradiar beleza esplendendo estrelas, radiações a flux... só que o mundo real lhe pagou com trevas as esmolas de luz que ele levava para dar.
Guerra Junqueiro, o grande criador de beleza de uma poesia imorredoira morreu, arrependido de um que tinha consciência de ter feito, mas porque esta "confissão" não chegou onde devia, continuou a pagar os desmandos literários que teve contra a Igreja.
O mundo é assim.
Costuma pagar com trevas aos incautos a quem muitas vezes queima os olhos, porque é difícil encarar de frente com olhos límpidos os que costumam ser, num dia qualquer, o espelho das suas almas, como aconteceu com Guerra Junqueiro naquela tarde portuense, na Rua de Santa Catarina.

(1) - Trata-se da vila de Freixo de Espada à cinta, onde Guerra Junqueiro nasceu em 17 de Setembro de 1850.

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