Os costumes, cuja excelência torna o governo quase inútil e
cuja corrupção o torna quase impossível
Tocqueville , Charles
Se os teus princípios morais te deixam triste, podes estar
certo de que estão errados
Fonte: "Across the
Plains"
Stevenson , Robert
A moral cívica é o
conjunto de preceitos e normas que a generalidade dos indivíduos de uma
comunidade aceitam como adequados ou válidos. Este é o conceito normalmente
inserto nos manuais de Filosofia.
O óbice está na
definição correcta dos preceitos e das normas.
Os preceitos sugerem os
deveres e as atribuições que lhe são próprias e as normas a directriz e os
métodos a que esta deve obedecer, mas é aqui, no estabelecimento harmoniosos
destas balizas motoras das sociedades adultas que está a moral das coisas.
Vejamos: partindo de um
tempo antigo e numa procura de moralizar a vida e a política, vemos Aristóteles ao lado de Alexandre, e Séneca
ao pé de Nero, acontecendo, até, que em séculos mas próximos, nunca
deixou de haver preceptores eméritos ao lado dos que tinham a herdar o ceptro e
a coroa.
Sabe-se, contudo, que
aqueles antigos moralistas nem sempre foram bem sucedidos, quer na área
religiosa, quer na área civil.
Vieram, depois, os tempos modernos.
Cada homem foi
levantado a cidadão; cada cidadão teve a sua parte na governação do Estado. E
daí resultou que todo o homem, além da sua moral como indivíduo, como membro de
urna família e como fiel de uma comunhão religiosa, precisou da moral própria
da sua nova situação, da moral política, que é melindrosíssima e de uma
dificuldade enorme.
Onde resolver isto?
Nasceu aqui o dilema.
O cristianismo não
tinha, não podia ter, normas prefixas para a existência militante, activíssima,
que é a própria essência da liberdade, embora tenha dado um contributo inestimável na
concertação da sociedade, porque em grande parte é ele que formam e movem o
amor, a fé, a abnegação, o entusiasmo pelo bem, a dedicação tenaz, a lealdade
completa, todos os brandos sentimentos que constituem a nobreza da nossa
espécie, e nunca foi possível apertar e conter nas fórmulas estreitas do
egoísmo animal.
O cristianismo puro,
enquanto doutrina moral e cívica foi, por isso
– e devia ser no tempo de hoje -
o cimento agregador da liberdade individual do homem, se levarmos em
linha de conta que um dos mais belos períodos da história humana foi aquele
em que se inaugurou a transição dramática do antigo sistema para o actual
regime da liberdade. É ainda recente. Os nossos pais foram agentes ou
testemunhas dessa transição. O que fascinou, encantou os povos foi a ilusão
imensa – formosíssima ilusão! - que fez crer que a felicidade social podia
resultar, imediata e perfeita, da simples acção das leis! Certas palavras
tiveram então o maior prestígio que pode haver nos sons articulados da nossa
língua. A poesia lírica, esta adorável faculdade que conserva sempre no género
humano, ainda nas velhas idades, a sua antiga alma infantil e moça; a poesia
lírica tomou para si, como assunto, a emancipação da liberdade humana, e
cantou-a fervorosamente.
Mas não foi somente no coração popular,
naturalmente ingénuo, que o entusiasmo pela aparência das coisas chegou ao
sublime desvairamento em que é possível a germinação conjunta da poesia e do
heroísmo. Os primeiros efeitos da mutação política perturbaram e iludiram até
os melhores espíritos. Pensou-se, escreveu-se que a liberdade era escola de si
própria e um curso permanente de moral política.
Erro profundo foi este,
pois, não tardou que a esperança caísse, desfeita... A alma dos povos, como
a alma dos indivíduos, agitada e sacudida por uma comoção violenta;
transfigura-se, ilumina-se, sente em si um deus interior, vê intuitivamente mil
coisas que eram obscuras... Depois a vibração acaba, o entusiasmo arrefece, as
coisas entram no seu curso normal, irregular e lento... e vê-se então que em
matéria de costumes não se edifica levemente, não se edifica depressa.
Este tem sido outro
erro provindo de um regime totalitário anterior ao Liberalismo e, mesmo, no
decorrer deste - embora já muito atenuado – a multidão que compunha a
sociedade, obedecendo no primeiro dos casos a um só senhor e no segundo a
vários mas já menos prepotentes, tem vindo a sofrer de um mal social que não
tem sabido erguer os costumes morais numa escala bem alta, não tendo deles
apenas uma visão egoísta – como acontece – mas fazer deles a grande alavanca da
harmonia colectiva.
Desse modo, por muitos
que nos custe, diremos que os povos modernos não têm sabido como reformar o Estado e que muito embora
resulte de leis imanentes de agrupamentos sociais se estes na génese esquecem a
moral do cristianismo original – e essa é a pedra angular - o Estado em vez de ser um acidente no
destino humano, de muito secundária importância, ele é esta instituição
orgânica, complexa, multiforme, quase omnipotente, que nos envolve por todos os
lados, que toma conta de nós antes de nascermos e nem à beira da sepultura nos
deixa, que influi na nossa liberdade, que actua na nossa consciência, que tem a
seu cargo defender-nos a propriedade e a vida, que, como um grande navio no
imenso mar do tempo, nos leva inteiramente para o futuro, com boa ou má
fortuna.
Se
isto fosse entendido assim, os interesses do Estado andariam, como andam,
pospostos na consciência pública, com infinita distância, aos interesses
individuais e aos interesses familiares?!
O Corão que vai beber
muitas vezes à pureza do cristianismo, tem num dado versículo esta máxima
importante: O governo que nomeia um homem para um emprego, havendo nos seus
estados outro homem melhor, peca contra o Estado e contra Deus. Quem se
impressiona já, neste nosso mundo de Cristo, com a exaltação, predisposta ou
improvisada, de tantos que têm apenas, na sede do talento, a habilidade da
intriga, e no lugar do coração... um espaço vazio?!
Não há nada mais
melindroso do que a reputação do homem de Estado. E com toda a razão. Eu sei
que não pode provar-se uma acusação de improbidade pessoal contra qualquer dos
homens eminentes, que superintendem nas coisas públicas (...) mas tenho pensado
muitas vezes com tristeza que sendo honrados, como quero acreditar, nem sempre
se preocupam muito de o parecer!
Palavras sábias, que nos deixam a pensar na
moral das coisas…
Palavras
actuais. Mas é de referir que todo o texto em itálico pertence a António
Cândido (1)
tendo feito parte de um discurso, em 29 de Agosto de 1887 no Ateneu Comercial
do Porto, tendo como pano de fundo a Moral Política.
Faz parte do programa
“Vida Nova” apresentado por ele mesmo na Câmara dos Deputados em 17 de
Fevereiro de 1880 e que viria a ser desenvolvido por António Pedro Oliveira
Martins, em 1884, dentro das linhas orientadoras do Partido Progressista.
Já naquela altura,
António Cândido afirmara que a situação política – tal como estava –
preparava-se para ir ao fundo na primeira borrasca, declarando:
É preciso refazer o homem
interior, desmoralizado pela lição contraditória dos livros e dos factos, pela
desastrosa influição da doutrina quase sempre falsa e dos exemplos
terrivelmente contagiosos; é urgente restabelecer a justiça, a eterna justiça
simples e eficaz, nos sentimentos da opinião e nos factos do poder. Sem isto a
teoria é vã e a prática é mortal.
Tem de ser por aqui,
refazendo o homem interior, que temos de nos erguer, não nos venha a
acontecer o que ele mesmo relatou no final da sua conferência, com esta história,
que é um velho apólogo de Platão:
Navegava uma barca pelo
mar. Os marinheiros mataram o capitão, e deitaram-no às ondas; depois
guerrearam entre si, desesperadamente, disputando o leme.
Os passageiros, que
eram pessoas gradas e ricas, sentados comodamente, riam daquela fúria insana, e
contemplavam com imenso gosto a sua própria sabedoria... Ninguém notara ainda
o, estado do Céu.
De
repente, levanta-se o vento, encrespa-se o mar, desencadeia-se uma temerosa
tempestade, e a barca, com todos que estavam dentro, vai para o fundo...
Estes passageiros – não
importa serem pessoas gradas e ricas, mas pessoas responsáveis – somos
todos nós. Não podemos ficar indiferentes às lutas nem sempre exemplares que se
passam ao nosso lado e que têm uma profunda influência no nosso destino
colectivo.
Cumpre-nos o dever de
intervir na sociedade onde quer que nos movamos, dando exemplo de conduta moral
e cívica e desmascarando todos aqueles
marinheiros que querem matar o capitão, sendo que aqui, o capitão é o País que
temos.
Cumpre-nos o dever de
cada um de per si moralizar os costumes, em nome da Liberdade!
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(1) - António Cândido Ribeiro da Costa (Amarante, Candemil, 29 de
Março de 1850 - 9 de Novembro de 1922) foi um clérigo, orador e político
português; ganhou fama de extraordinário orador, ficando conhecido por A Águia
do Marão.(in, Wikipédia)
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