Acreditar que podemos dispensar a oração vocal, será
pretender criar o anjo; mas julgar que, recitando preces, não temos de nos
preocupar com manter e desenvolver a piedade interior é cair num materialismo
religioso que suprime no homem o que é propriamente humano.
Jacques
Leclercq (1)
In, “Vida
Interior” - Cap. IV “A Oração Vocal”
O autor que foi um
pensador cristão de fina água leva-nos a perceber que o fim da oração é
descobrir e fazer a vontade que Deus quer operar na pessoa, em que o caminho
começa por ser nosso (ascese) pondo em uso a plena liberdade que temos quando
nos dispomos ao encontro com Ele e, depois, é que pertence a Deus o passo seguinte
que é o da sua actuação em nós.
Eis, porque, a oração
vocal tem de começar por ser uma conversa com a divindade como se tem com o
nosso melhor amigo num sentimento ascético em que nos podemos servir ou não de
orações conhecidas, tendo em mente que ela tem de ser sempre um diálogo amoroso
com Deus, frente a frente, expressando os nossos sentimentos.
Eis, porque, a oração
vocal é o primeiro passo da caminhada de todo o crente.
É de tal modo assim que
não a podemos dispensar, porque para chegarmos a Deus por outro caminho em que
a mente toma para si esse encargo é uma tarefa que roça o transcendental,
porque será pretender criar o anjo
como nos diz Jacques Leclercq e nós não somos anjos, mas criaturas biológicas.
Se pensarmos nos
apóstolos, concluiremos que eles transmitindo-nos as orações que ouviram a
Jesus, o fizeram porque Ele orou em voz alta, de que é exemplo a belíssima Oração
do Pai-Nosso e aquele formidável hino de louvor: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas
coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25)
donde nos fica a certeza de como é indispensável a oração vocal que Ele não se
esqueceu de fazer no Calvário no momento culminante, quando a sua voz se ergueu
para recitar o versículo inicial do Salmo 22: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste.
Chega isto para nos
dizer que é de tal modo importante orar assim que na hora final a voz de Jesus
se ergueu para falar de frente com Deus, invocando palavras antigas que Ele bem
conhecia, o que nos deixa todo o campo livre para podermos usar orações
tradicionais, quando nos faltarem palavras nossas.
A oração vocal
enriquece porque fazem sair do coração coisas que lá não estão, mas nós
colocamos lá através dos nossos sentimentos, verdades e desejos.
É ponto assente ter
contado definitivamente, em Santo Agostinho, para a sua conversão o facto de
ter assistido na Basílica de Milão e se ter emocionou com o canto dos Salmos e
dos hinos da lavra de Santo Ambrósio – bispo daquela Basílica – ao verificar que
todo o povo os sabia de cor o que originou que a sua alma, que era a de um
homem culto e inteligente onde havia luzes de Deus tivesse despertado e de tal
modo que agradeceu o momento vivido dentro daquela Basílica, porque só, não
teria conseguido elevar-se, como veio a acontecer, ao tornar-se, depois, num
dos maiores Doutores da Igreja Universal.
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(1)
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Jacques Leclrercq (1891-1971) foi um profundo
pensador cristão. Sociólogo, professor da Universidade de Lovaina, membro da
“Libre Academia de Belgique”, Jacques Leclercq deixa-se reconhecer por uma
característi-ca rara de se encontrar: não lança mão de argumentos clamorosos,
estilisticamente enfeitados ou escorrendo sentimentalismo, mas vai sempre à
busca da objectividade. Com a isenção do analista, que não é chamado a iludir,
mas a elucidar, alicerça-se nos fatos para desnudá-los, até dar com a raiz e as
linhas estruturais, à busca do sentido e da plenitude.
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