Não desejes viver a vida dos outros, não foi feita para ti.
O Pai fez-nos a cada um uma vida à nossa medida: querer viver a dos outros
seria um erro, tal qual como se quisesses vestir o casaco do teu amigo, com o
pretexto de que te serve perfeitamente.
Michel Quoist (1)
In, Construir
Este juízo sobre a vida e o modo como ela deve ser vivida é
um aviso aos que desistem de si mesmos e aceitam ser cópias de outros, quase
sempre, aceitando, o que neles é a carapaça.
Diz a sabedoria humana que nos devemos aceitar tal como
somos, com os nossos defeitos e virtudes, na certeza que logo que o outro
descubra que estamos a querer encobrir a nossa própria natureza, deixa de nos
considerar quando passamos a fazer parte do circo da vida e a ser com a nossa
atitude insensata mais um artista, mas sem arte
- ou com ela mal disfarçada – tapando o que deveria andar descoberto e
vestindo o casaco do amigo, com o pretexto de que nos serve perfeitamente.
E fica a nossa autenticidade a doer-se por temer a opinião
contrária do outro, sem se lembrar que é sempre do choque dos contrários que se
faz o caminho.
É por isso que o disfarce é uma tontice, para além de ser um
engano que só ao próprio dá frutos – mas frutos enganosamente sazonados - porque o outro apercebe-se sempre, mais cedo
ou mais tarde da máscara que ao contrariar a verdade que cada um representa,
deixa entrever a mentira posta em cima do tabuleiro da vida.
Vive-se, um mundo perverso onde a humildade que cultiva a
verdade deixou de ser uma mérito e onde a vaidade mal medida impõe a lei
estranha, por demais aceite, dos engenhosos, um facto que leva os menos atentos
a desistir de viver com a sua própria personalidade, e a roubar a do vizinho,
seja nas atitudes mais básicas, como no vestir ou no ter, sobretudo, aqui, onde
para se conseguir o céu que se quer alcançar se cometem as piores tropelias.
Ter porque o outro tem.
E, no entanto, há uma voz que soa:
Não desejes viver a vida dos outros, não foi feita para ti.
O Pai fez-nos a cada um uma vida à nossa medida.
É o que diz o pensador, que é cristão, mas podia não ser,
porque qualquer homem equilibrado na justiça de saber viver, diria o mesmo,
pois cada uma de per si foi criada para encher o destino, sabendo que cada
homem é, até ao fim, uma vida em construção.
Reconhecer, por isso, e aceitar os limites que se têm – num
dado momento existencial - é um acto
sábio, como é, o facto de se saber o valor das qualidades e saber joeirá-las,
partindo das melhores para as por a render como elas merecem no negócio da
vida, e nunca deixar que elas se afundem por tibieza própria.
Não se deve jamais deixar que aquilo que geneticamente são
em nós qualidades válidas, deixem de se mostrar – embora sem alarido – à
sociedade de que fazemos parte.
Reconhecer isto, quando temos consciência de não podermos ir
mais além, num dado momento, é como se estivéssemos a balizar o caminho e esta
atitude, ao invés de nos diminuir, é que nos há-de, num passo mais adiante, dar
as asas para um voo mais largo na aventura de viver.
A voz autorizada do pensador cristão continua a fazer-se
ouvir:
Não desejes viver a vida dos outros, não foi feita para ti.
Mas, se tiveres este percalço mental, corrige-o logo que te
apercebas que a tua máscara fendeu e está a mostrar o teu verdadeiro rosto,
espantado, decerto, de o teres escondido.
(1) - Michel Quoist nasceu em 1921 em Le Havre. Sacerdote e
escritor francês. Entrou no seminário
aos 18 anos. Sacerdote em1947. Doutor em ciências sociais e políticas do
Instituto Católico de Paris. Secretário Geral do Comité Francês episcopal para
a América Latina. Responsável do Serviço de vocacões da Diocese de Le Havre.
Faleceu em 1997.
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