(…) e ainda mais tarde veio todo o conjunto de palavras
especiais. As tais palavras “cristãs”, com significado entre eruditos e a
distanciar o pensamento da vida. Veio isso de se dizer que o pregador fez um
sermão bonito… de que nada se entendeu. E a religião ficou a pertencer ao
domínio das coisas que se não entendem… E Deus foi relegado para igual espaço.
Falar de Deus na linguagem de toda a gente…Mas ignoramos a
linguagem de toda a gente. Assim não saberemos comunicar Deus para toda a
gente…E até supomos a linguagem de toda a gente indigna do Deus de toda a
gente.
Zacarias de Oliveira
in, "Deus para que serve?"
A abrir o capítulo do
livro donde se copiou ipsis verbis
este pequeno texto, o autor apresenta Jesus a falar a linguagem do tempo, mas fazendo-o com tal arte, que num
certo dia uma mulher idosa do povo, admirada com tanto saber, explodiu: Este fala como quem sabe, significando
que entendia de fio a pavio toda a
pregação que ouvia, bem ao contrário das longas e enfadonhas arengas dos
doutores da Lei, duros nos modos e sempre empertigados nas suas túnicas
brancas.
A grande vantagem de
Jesus é que Ele, elevando, sobremaneira, os conceitos da Mensagem do Pai, os
apresentava por palavras normais, numa linguagem serena, de que são exemplos
todas as parábolas que iam sempre beber no saber da terra e dos costumes, o que
tornava acessível a todos aquilo que Ele queria transmitir.
Diz Zacarias de
Oliveira, apontando-nos caminhos de transmissão e de diálogo neste tempo tão
necessitado de discursos simples e directos, que o Deus da fé de Pedro era o Deus das palavras de Pedro, afirmação
que nos leva a concluir que a força das palavras do apóstolo vinham de dentro,
como se da fonte que havia em de si mesmo, só brotasse a água pura da fé, e
onde cada palavra tivesse a frescura das coisas simples, embora determinadas.
Será, que na cartilha
de Pedro, é assim que se revê o Deus das
palavras especiais e cujo significado
pertence, apenas, aos eruditos?
Atenção a isto.
O trecho transcrito é
elucidativo e não pode ser julgado de ânimo leve, e muito menos o seu autor
pode ser apelidado de menos respeitador de um certo cientismo espiritual que
parece gravitar fora do mundo actual, porque nos traz verdades que se metem,
como diz o povo, pelos olhos dentro e
que devem merecer inquietações às consciências desatentas da realidade,
sobretudo quando ela, por descuido da forma, faz que aquilo que é dito ou
escrito passe a pertencer ao domínio das
coisas que se não entendem.
Então para que servem
os nossos discursos – ou os nossos livros - se não são entendidos?
Imitemos Jesus,
lembrando a cena daquele erudito do seu tempo – um doutor da Lei - que pensando
embaraçá-l’O, lhe perguntou sobre quem era o seu próximo, tendo ouvido o que
não julgava, numa linguagem sóbria, sem arrebiques, mas profundamente humana,
onde o divino esteve presente, mas sem qualquer ostentação.
Sem entrar em
explicações académicas, isto é, sem entrar no seu jogo, Jesus, contou a bela
história do homem que descia de Jerusalém para Jericó e, desse modo, a parábola
do bom samaritano como ficou
conhecida, embora despida de toda a retórica foi uma resposta eloquente.
Jesus não se prendeu
com rodriguinhos, mas falou como até
então ninguém tinha falado sobre a solidariedade e fraternidade humanas,
apresentando a Mensagem de Deus numa linguagem viva, onde não faltaram, para
além do sacerdote, do levita e do samaritano, os salteadores que era hábito
aparecerem naquele caminho, um facto bem conhecido de todos e o remate, com o
pormenor dos dois dinheiros dados ao
estalajadeiro.
E tudo numa linguagem
de tal modo correntia que a pergunta final deixava adivinhar a resposta.
Falar de Deus na linguagem de toda a gente, eis o que nos é
pedido.
Algo que parece, por
causa da nossa muita erudição estar a ser uma coisa difícil porque perdida que
está a simplicidade, perdeu-se o sentido que tinha a linguagem de toda a gente, e já não se sabe com se deve falar de
Deus, pois de tão acima que O colocamos, teme-se que não cheguem lá as palavras
vulgares, mas tão só, as dos enfatuados discursos, supondo-se até, a linguagem de toda a gente indigna do Deus
de toda a gente, quando é ela, afinal, a chave mestra da ligação dos homens
com Ele.
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