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sexta-feira, 7 de junho de 2013

As palavras eruditas e o apelo de Deus



(…) e ainda mais tarde veio todo o conjunto de palavras especiais. As tais palavras “cristãs”, com significado entre eruditos e a distanciar o pensamento da vida. Veio isso de se dizer que o pregador fez um sermão bonito… de que nada se entendeu. E a religião ficou a pertencer ao domínio das coisas que se não entendem… E Deus foi relegado para igual espaço.
Falar de Deus na linguagem de toda a gente…Mas ignoramos a linguagem de toda a gente. Assim não saberemos comunicar Deus para toda a gente…E até supomos a linguagem de toda a gente indigna do Deus de toda a gente.
Zacarias de Oliveira
in, "Deus para que serve?"


A abrir o capítulo do livro donde se copiou ipsis verbis este pequeno texto, o autor apresenta Jesus a falar a linguagem do tempo, mas fazendo-o com tal arte, que num certo dia uma mulher idosa do povo, admirada com tanto saber, explodiu: Este fala como quem sabe, significando que entendia de fio a pavio toda a pregação que ouvia, bem ao contrário das longas e enfadonhas arengas dos doutores da Lei, duros nos modos e sempre empertigados nas suas túnicas brancas.
A grande vantagem de Jesus é que Ele, elevando, sobremaneira, os conceitos da Mensagem do Pai, os apresentava por palavras normais, numa linguagem serena, de que são exemplos todas as parábolas que iam sempre beber no saber da terra e dos costumes, o que tornava acessível a todos aquilo que Ele queria transmitir.
Diz Zacarias de Oliveira, apontando-nos caminhos de transmissão e de diálogo neste tempo tão necessitado de discursos simples e directos, que o Deus da fé de Pedro era o Deus das palavras de Pedro, afirmação que nos leva a concluir que a força das palavras do apóstolo vinham de dentro, como se da fonte que havia em de si mesmo, só brotasse a água pura da fé, e onde cada palavra tivesse a frescura das coisas simples, embora determinadas.
Será, que na cartilha de Pedro, é assim que  se revê o Deus das palavras especiais e cujo significado pertence, apenas, aos eruditos?
Atenção a isto.
O trecho transcrito é elucidativo e não pode ser julgado de ânimo leve, e muito menos o seu autor pode ser apelidado de menos respeitador de um certo cientismo espiritual que parece gravitar fora do mundo actual, porque nos traz verdades que se metem, como diz o povo, pelos olhos dentro e que devem merecer inquietações às consciências desatentas da realidade, sobretudo quando ela, por descuido da forma, faz que aquilo que é dito ou escrito passe a pertencer ao domínio das coisas que se não entendem.
Então para que servem os nossos discursos – ou os nossos livros - se não são entendidos?
Imitemos Jesus, lembrando a cena daquele erudito do seu tempo – um doutor da Lei - que pensando embaraçá-l’O, lhe perguntou sobre quem era o seu próximo, tendo ouvido o que não julgava, numa linguagem sóbria, sem arrebiques, mas profundamente humana, onde o divino esteve presente, mas sem qualquer ostentação.
Sem entrar em explicações académicas, isto é, sem entrar no seu jogo, Jesus, contou a bela história do homem que descia de Jerusalém para Jericó e, desse modo, a parábola do bom samaritano como ficou conhecida, embora despida de toda a retórica foi uma resposta eloquente.
Jesus não se prendeu com rodriguinhos, mas falou como até então ninguém tinha falado sobre a solidariedade e fraternidade humanas, apresentando a Mensagem de Deus numa linguagem viva, onde não faltaram, para além do sacerdote, do levita e do samaritano, os salteadores que era hábito aparecerem naquele caminho, um facto bem conhecido de todos e o remate, com o pormenor dos dois dinheiros dados ao estalajadeiro.
E tudo numa linguagem de tal modo correntia que a pergunta final deixava adivinhar a resposta.
Falar de Deus na linguagem de toda a gente, eis o que nos é pedido.
Algo que parece, por causa da nossa muita erudição estar a ser uma coisa difícil porque perdida que está a simplicidade, perdeu-se o sentido que tinha a linguagem de toda a gente, e já não se sabe com se deve falar de Deus, pois de tão acima que O colocamos, teme-se que não cheguem lá as palavras vulgares, mas tão só, as dos enfatuados discursos, supondo-se até, a linguagem de toda a gente indigna do Deus de toda a gente, quando é ela, afinal, a chave mestra da ligação dos homens com Ele.

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