É este o título de um livro de eleição de Erico
Veríssimo.
Um título que pode parecer para o leitor menos
atento um pouco descabido quando se olha a correr para o conteúdo do livro e
não se reflecte com algum cuidado sobre o modo como ele se insere na trama dos
acontecimentos que nos são apresentados por aquela pena ilustre.
Vejamos, embora de relance, o que acontece.
Eugénio é um médico ambicioso, de uma ambição
doentia que o tornou no símbolo do homem transviado que não olha a meios para
atingir os fins. Encarna o papel de todo
aquele que põe acima de tudo e de todos a sua carreira, atropelando sentimentos
e sem sentir remorsos. A personagem que Erico Veríssimo nos descreve é o
paradigma do homem calculista que não hesita, como aconteceu com ele, em fazer
um casamento sem amor com Eunice, a filha do velho Sintra, dono de
indústrias florescentes.
Vive na chácara do sogro quando lhe
chega a notícia do hospital do estado gravíssimo de Olívia, que fora sua
companheira na Faculdade e que era, afinal, o seu grande amor. Corre, então,
desesperado e enquanto o automóvel galga a distância vai sentindo que a sua
vida é um tormento, pelo rumo que lhe dera.
Não tendo aprendido a sabedoria das palavras
bíblicas que chamam a nossa atenção para os lírios do campo que não fiam nem
tecem, vai passando em revista a sua carreira à qual havia sacrificado
pessoas que o amaram, a começar pelos pais e, por fim, Olívia, que era um
tesouro e que ele jogara fora.
Quando chega ao hospital, era tarde.
A mulher amada – e desprezada – havia morrido.
O seu desejo pessoal de sucesso a todo o custo
e a sua doentia preocupação de olhar antes de tudo o mais para si mesmo,
havia-lhe toldado o entendimento e cegado os olhos a tudo quanto havia à sua
volta e deveria ter merecido mais atenção, especialmente aqueles que estavam
mais perto.
A sua ânsia, no entanto, era subir,
subir...subir sempre...
Diz Erico Veríssimo que a sua carreira tinha
sido como um elefante sagrado caminhando sobre um tapete de criaturas humanas,
de almas que as suas patas brutais esmagavam.
O escritor dá-nos uma imagem que é a antítese
da sabedoria que se esconde sob o título do seu livro, em cuja ciência o homem
deve procurar aquilo que é fundamental, ou seja, tudo aquilo que passa por um
certo abandono à providência divina, sem se viver tão ansiosamente – como
aconteceu com Eugénio – na procura calculista e doentia de bens a todo o custo.
Na última página do romance, o autor põe-nos
perante um dia de Sol aberto e coloca
Eugénio a reflectir sobre os homens e os seus problemas, apontando-se
num dado passo que se um habitante de Marte caísse sobre a Terra havia de
ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio,
de Sol tão dourado, os homens, na sua maioria, estavam metidos em escritórios,
oficinas, fábricas, o que não sendo um mal – porque é preciso ganhar a vida
- passaria a sê-lo se o trabalho
passasse a constituir uma ânsia desmedida de viver a vida.
E pela pena do escritor, Eugénio, reflecte que
os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer
davam pela vida que passava.
E que era preciso trabalhar menos e viver mais. Agitavam-se no
Mundo e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam. A
competição transformava-os em inimigos. E havia muitos séculos tinham
crucificado um profeta que se esforçara por lhes mostrar que eles eram irmãos.
Jesus é o profeta citado.
É dele o ensinamento: olhai os lírios do
campo que não fiam nem tecem... (1)
E à mente de Eugénio chegam-lhe as antigas
palavras de Olívia, a querida morta:
Devemos ser um pouco como as cigarras...
É isso, no entanto, que muitas vezes
esquecemos.
Andamos tão cheios de nós mesmos e de tal modo
atarefados que para darmos cumprimento aos problemas criados pela nossa fúria
de viver, atropelamos o mundo, passando por cima de tudo e de todos sem nos
lembrarmos que de vez em quando é preciso ser como a cigarra e cantar ao vento
uma canção de amor à vida que passa. Eis, porque, na segunda parte do livro,
Eugénio depois de romper o seu casamento falhado com Eunice, encontra-se com a
vida.
Passando a ser médico de pobres harmoniza-se interiormente
e a sua visão do mundo passa pela solidariedade e na procura de um mundo mais
justo.
E, foi, talvez, lembrando-se disto que Eugénio
tomou pela mão a filha Ana Maria, nascida da sua ligação com Olívia e de mão
dada com ela saiu ao encontro do dia que estava lindo para apanhar em cheio um
banho de Sol, tendo por perto o retrato vivo daquela que tudo lhe havia dado e
ele não tinha sabido merecer.
É assim que acaba o livro do grande escritor
brasileiro. É com esta lição de amor que Eugénio se redime.
Temos para nós que é deixado um convite a todos
os homens ansiosos e atarefados na conquista de bens sobre bens, chamando-os à
atenção para o facto de ser preciso
viver debaixo do Sol e de mãos
dadas com aqueles que mais se amam.
A lição é enorme e eloquente.
Assim seja aproveitada.
(1) Mt 6, 28
(1) Mt 6, 28
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