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domingo, 16 de junho de 2013

"Olhai os lírios do campo"


É este o título de um livro de eleição de Erico Veríssimo.

Um título que pode parecer para o leitor menos atento um pouco descabido quando se olha a correr para o conteúdo do livro e não se reflecte com algum cuidado sobre o modo como ele se insere na trama dos acontecimentos que nos são apresentados por aquela pena ilustre.
Vejamos, embora de relance, o que acontece.
Eugénio é um médico ambicioso, de uma ambição doentia que o tornou no símbolo do homem transviado que não olha a meios para atingir os fins.  Encarna o papel de todo aquele que põe acima de tudo e de todos a sua carreira, atropelando sentimentos e sem sentir remorsos. A personagem que Erico Veríssimo nos descreve é o paradigma do homem calculista que não hesita, como aconteceu com ele, em fazer um casamento sem amor com Eunice, a filha do velho Sintra, dono de indústrias florescentes.
Vive na chácara do sogro quando lhe chega a notícia do hospital do estado gravíssimo de Olívia, que fora sua companheira na Faculdade e que era, afinal, o seu grande amor. Corre, então, desesperado e enquanto o automóvel galga a distância vai sentindo que a sua vida é um tormento, pelo rumo que lhe dera.

Não tendo aprendido a sabedoria das palavras bíblicas que chamam a nossa atenção para os lírios do campo que não fiam nem tecem, vai passando em revista a sua carreira à qual havia sacrificado pessoas que o amaram, a começar pelos pais e, por fim, Olívia, que era um tesouro e que ele jogara fora.
Quando chega ao hospital, era tarde.
A mulher amada – e desprezada – havia morrido.

O seu desejo pessoal de sucesso a todo o custo e a sua doentia preocupação de olhar antes de tudo o mais para si mesmo, havia-lhe toldado o entendimento e cegado os olhos a tudo quanto havia à sua volta e deveria ter merecido mais atenção, especialmente aqueles que estavam mais perto.

A sua ânsia, no entanto, era subir, subir...subir sempre...

Diz Erico Veríssimo que a sua carreira tinha sido como um elefante sagrado caminhando sobre um tapete de criaturas humanas, de almas que as suas patas brutais esmagavam.
O escritor dá-nos uma imagem que é a antítese da sabedoria que se esconde sob o título do seu livro, em cuja ciência o homem deve procurar aquilo que é fundamental, ou seja, tudo aquilo que passa por um certo abandono à providência divina, sem se viver tão ansiosamente – como aconteceu com Eugénio – na procura calculista e doentia de bens a todo o custo.

Na última página do romance, o autor põe-nos perante um dia de Sol aberto e coloca  Eugénio a reflectir sobre os homens e os seus problemas, apontando-se num dado passo que se um habitante de Marte caísse sobre a Terra havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de Sol tão dourado, os homens, na sua maioria, estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas, o que não sendo um mal – porque é preciso ganhar a vida -  passaria a sê-lo se o trabalho passasse a constituir uma ânsia desmedida de viver a vida.

E pela pena do escritor, Eugénio, reflecte que os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam pela vida que passava.

E que era preciso trabalhar menos e viver mais. Agitavam-se no Mundo e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam. A competição transformava-os em inimigos. E havia muitos séculos tinham crucificado um profeta que se esforçara por lhes mostrar que eles eram irmãos.


Jesus é o profeta citado.
É dele o ensinamento: olhai os lírios do campo que não fiam nem tecem... (1)

E à mente de Eugénio chegam-lhe as antigas palavras de Olívia, a querida morta:

Devemos ser um pouco como as cigarras...

É isso, no entanto, que muitas vezes esquecemos.
Andamos tão cheios de nós mesmos e de tal modo atarefados que para darmos cumprimento aos problemas criados pela nossa fúria de viver, atropelamos o mundo, passando por cima de tudo e de todos sem nos lembrarmos que de vez em quando é preciso ser como a cigarra e cantar ao vento uma canção de amor à vida que passa. Eis, porque, na segunda parte do livro, Eugénio depois de romper o seu casamento falhado com Eunice, encontra-se com a vida.
Passando a ser médico de pobres harmoniza-se interiormente e a sua visão do mundo passa pela solidariedade e na procura de um mundo mais justo.


E, foi, talvez, lembrando-se disto que Eugénio tomou pela mão a filha Ana Maria, nascida da sua ligação com Olívia e de mão dada com ela saiu ao encontro do dia que estava lindo para apanhar em cheio um banho de Sol, tendo por perto o retrato vivo daquela que tudo lhe havia dado e ele não tinha sabido merecer.

É assim que acaba o livro do grande escritor brasileiro. É com esta lição de amor que Eugénio se redime.
Temos para nós que é deixado um convite a todos os homens ansiosos e atarefados na conquista de bens sobre bens, chamando-os à atenção para o facto de ser preciso  viver debaixo do Sol e  de mãos dadas com aqueles que mais se amam.
A lição é enorme e eloquente.
Assim seja aproveitada.

(1) Mt 6, 28

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