O adulador torna-se perigoso pelo facto de usar
a arte do engano para levar por diante aquilo que tem em mente, ainda que para
conseguir os seus intentos tenha de passar por cima de toda moral e decência,
sem se importar com o bom nome daquele que é vítima dos seus baixos instintos,
e que, muitas vezes, se deixa cair nas suas malhas, pela vaidade de ser adulado
ou por fraqueza humana.
Camilo Castelo Branco, que foi como é sabido,
um romancista de raro talento e um novelista exímio, a propósito das manhas dos
falaciosos dá-nos em “O Cego de Landim” das “Novelas do Minho”, um retracto
fiel do adulador sem escrúpulos, na pessoa do cego, natural do lugar de Landim,
lá para as bandas de Famalicão, e que um dia o procurou na sua casa de S.
Miguel de Seide.
Diz, Camilo, que o cego – cuja vida no Brasil
havia conhecido o desregramento social à mistura com negócios reprováveis - naquele
dia se fez anunciar através de um bilhete de visita, desejando ser
recebido pelo escritor.
Tendo este acedido mandou-o subir para o seu escritório.
Tendo este acedido mandou-o subir para o seu escritório.
Já instalado e antes de dizer o motivo que o
levava à sua presença, começou por o
adular, elogiando a imortalidade do romancista e lamentando que os
poderes públicos ainda não houvessem erigido uma estátua a tão ilustre
figura.
E a fechar o coro das adulações, rematou deste
jeito:
-Tenho ouvido ler os seus livros imortais. Não os leio porque sou cego.
E, depois disto - mas tendo Camilo já armado a sua
defesa - disparou que tendo um litígio pendente sobre a posse disputada de
umas azenhas, vinha pedir a valia do escritor a fim de que os juizes
(...) lhe fizessem justiça inteira.
Enganou-se.
Camilo não lhe satisfez o pedido e relata que o
cego acabou por perder a demanda das azenhas, porque não eram dele,
acrescentando: eu não podia pedir aos desembargadores que as tirassem ao
dono e mas dessem a mim para eu as dar ao cego.
Sarcástico com sempre foi, diz o escritor que
nunca mais o viu, mas que este lhe retirara a sua admiração e mais a
estátua.
Esta é uma história
exemplar.
Serve para nos dar a imagem
perversa daqueles que usam tais manhas, não tendo no fundo, quaisquer graus de
sentimentos humanos ou de afectividade genuína por aquele de quem pretende
obter os favores, senão que este lhos dê a troco das louvaminhas rasteiras com
que tenta enganar o adulado.
Temos para nós que só os tolos e amantes da
vaidade de deixam cair no logro de tais jogadas menos claras, enquanto o homem
precavido vê à distância o alcance das falsas importâncias recebidas.
É por isso que é preciso estar de atalaia
contra o jogo dos aduladores, como bem nos descreve na novela “O Cego de
Landim” essa figura cimeira da literatura portuguesa do século XIX, cujos
livros o tornaram imortal e cuja fama mereceu uma estátua numa praça de Lisboa.
Neste passo, até parece, que o cego ao adulá-lo
daquela maneira naquele dia em que procurou, adivinhava o que viria a
acontecer, mais tarde, quando a pena fulgurante do grande mestre da literatura
portuguesa se mostrou credora de tais honrarias
Só que naquele dia, no remanso da tarde calma
daquele mês de Agosto, em S. Miguel de Seide, as palavras do cego tiveram um
som falso, que é, afinal, o som que têm todas as palavras dos aduladores.
Camilo, nesta novela, para além de uma grande
lição de moralidade e prática dos bons costumes, revela-se um grande observador
da alma humana, de onde, afinal, viria a tirar
momentos inolvidáveis que a sua argúcia
imortalizou nas tramas dos seus livros.
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