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domingo, 16 de junho de 2013

As manhas dos aduladores


O adulador torna-se perigoso pelo facto de usar a arte do engano para levar por diante aquilo que tem em mente, ainda que para conseguir os seus intentos tenha de passar por cima de toda moral e decência, sem se importar com o bom nome daquele que é vítima dos seus baixos instintos, e que, muitas vezes, se deixa cair nas suas malhas, pela vaidade de ser adulado ou por fraqueza humana.
Camilo Castelo Branco, que foi como é sabido, um romancista de raro talento e um novelista exímio, a propósito das manhas dos falaciosos dá-nos em “O Cego de Landim” das “Novelas do Minho”, um retracto fiel do adulador sem escrúpulos, na pessoa do cego, natural do lugar de Landim, lá para as bandas de Famalicão, e que um dia o procurou na sua casa de S. Miguel de Seide.

Diz, Camilo, que o cego – cuja vida no Brasil havia conhecido o desregramento social à mistura com negócios reprováveis - naquele dia se fez anunciar através de um bilhete de visita, desejando ser recebido pelo escritor.
Tendo este acedido mandou-o subir para o seu escritório.
Já instalado e antes de dizer o motivo que o levava à sua presença,  começou por o adular, elogiando a imortalidade do romancista e lamentando que os poderes públicos ainda não houvessem erigido uma estátua a tão ilustre figura.
E a fechar o coro das adulações, rematou deste jeito:

-Tenho ouvido ler os seus livros imortais. Não os leio porque sou cego.

E, depois disto - mas tendo Camilo já armado a sua defesa - disparou que tendo um litígio pendente sobre a posse disputada de umas azenhas, vinha pedir a valia do escritor a fim de que os juizes (...) lhe fizessem justiça inteira.
Enganou-se.

Camilo não lhe satisfez o pedido e relata que o cego acabou por perder a demanda das azenhas, porque não eram dele, acrescentando: eu não podia pedir aos desembargadores que as tirassem ao dono e mas dessem a mim para eu as dar ao cego.
Sarcástico com sempre foi, diz o escritor que nunca mais o viu, mas que este lhe retirara a sua admiração e mais a estátua.
Esta é uma história exemplar.
Serve para nos dar a imagem perversa daqueles que usam tais manhas, não tendo no fundo, quaisquer graus de sentimentos humanos ou de afectividade genuína por aquele de quem pretende obter os favores, senão que este lhos dê a troco das louvaminhas rasteiras com que tenta enganar o adulado.
Temos para nós que só os tolos e amantes da vaidade de deixam cair no logro de tais jogadas menos claras, enquanto o homem precavido vê à distância o alcance das falsas importâncias recebidas.
É por isso que é preciso estar de atalaia contra o jogo dos aduladores, como bem nos descreve na novela “O Cego de Landim” essa figura cimeira da literatura portuguesa do século XIX, cujos livros o tornaram imortal e cuja fama mereceu uma estátua numa praça de Lisboa.

Neste passo, até parece, que o cego ao adulá-lo daquela maneira naquele dia em que procurou, adivinhava o que viria a acontecer, mais tarde, quando a pena fulgurante do grande mestre da literatura portuguesa se mostrou credora de tais honrarias
Só que naquele dia, no remanso da tarde calma daquele mês de Agosto, em S. Miguel de Seide, as palavras do cego tiveram um som falso, que é, afinal, o som que têm todas as palavras dos aduladores.
Camilo, nesta novela, para além de uma grande lição de moralidade e prática dos bons costumes, revela-se um grande observador da alma humana, de onde, afinal, viria a tirar  momentos inolvidáveis que a sua argúcia  imortalizou nas tramas dos seus livros.

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