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domingo, 16 de junho de 2013

Dizer mal de nós mesmos...



Acontece, não raro, e todos -  de um modo geral, somos testemunhas desta anomalia patriótica – termos ouvido, aqui e ali, cantar loas ao que é estrangeiro, pondo-se em causa o que é nacional, sejam homens, objectos ou instituições, o que, convenhamos, é uma falta de respeito por Portugal, este belo País que herdamos dos nossos maiores, íntegro e carregado de valores ancestrais e que por causa do nosso gelo patriótico vamos enterrado um pouco por todo o lado na vala comum de um desamor secular que nos devia envergonhar.
É por isso, que temos o dever de falar dos  homens que ao longo de todos os tempos se tem rebelado contra este estado de coisas, como fez António Sardinha, um insigne filho do Alentejo.

Monárquico de pensamento e acção, veio a ser um dos fundadores do Integralismo Lusitano, movimento político que se opôs aos republicanos, em especial aos apaniguados da “Nova Renascença” que afirmavam  que a regeneração de Portugal só seria possível com a quebra dos laços com a Igreja Católica,  ao que ele contrapunha – na linha ideológica do seu companheiro Almeida Braga - que tal só seria possível com um retorno à integralidade do espírito católico que esteve na fundação da Pátria portuguesa.
Eram outros tempos.
Corria o ano de 1913.

Homem injustamente esquecido, nestes tempos em que o pensamento das virtualidades da raça portuguesa não deixam continuamente de se esbater, indo-se muitas vezes ao ponto de dizermos mal de nós mesmos e erigindo os estranhos como escola de virtudes, a sua figura de intelectual e político deve ser lembrada, pesem, muito embora, os tempos e os distanciamentos políticos.
No ano de 1923, estando em Elvas, cidade onde viria a morrer em 1925, António Sardinha redigiu uma comovente homenagem a um amigo, Dr. Manuel Ferreira Deusdado, onde ao falar de si mesmo se declara filho dum século que envenenou a inteligência e perverteu a sensibilidade(...)  e, depois, de uma análise sobre a sua situação de soldado de contra-revolução religiosa e política que urgia fazer para um retorno aos seus ideais patrióticos,  declara sem rebuço, focando o Integralismo, que as suas campanhas nacionalistas desceram das Letras à Política - subiram da Acção à atmosfera Diáfana das Ideias. Tudo se obliterara entre nós  - desde o instinto das nossas raízes seculares até à posição que nos tocava, como raça e como Estado, no drama agudíssimo das nações contemporâneas. Como se o solo sagrado da terra dos Avós se tivesse transformado num tablado ignominioso de títeres de feira.

De seguida, chama para o seus escrito a pena desempoeirada do historiador Oliveira Martins, citando-o a partir da sua obra “História de Portugal” e transcrevendo dela o seguinte: Daí vem o caso - escreve ele -  talvez único na Europa, de um povo que, não só desconhece o patriotismo, que não só ignora o sentimento espontâneo de respeito e amor pelas suas tradições, pelos seus homens superiores, que não só vive de copiar, literária e politicamente, a França, de um modo servil e indiscreto, que não só não possui uma alma social, mas se compraz em escarnecer de si próprio, com os nomes mais ridículos e o desdém mais burlesco. Quando uma nação se condena pela boca de seus próprios filhos, é difícil, sendo impossível, descortinar o futuro de quem perdeu por tal forma a consciência da dignidade colectiva.
António Sardinha sentiu na sua alma patriótica todas estas palavras do brilhante intelectual e bateu-se em defesa delas. Em vão, pois, não foi, como era natural, considerado pelos republicanos do seu tempo e foi de igual modo esquecido nos tempos subsequentes – até hoje -  mas ele foi um  patriota de sangue antigo que bem merecia ser mais respeitado, mesmo até, pela sua posição política contra-revolucionária dirigida a um sistema que para se impor matou o Rei e o Príncipe e não dava mostras de achar uma regra política consciente e consistente para Portugal, que no seu tempo se ia atolando nas cambalhotas quase diárias das quedas dos ministérios.

Ao chamar para defesa dos seus ideais a pena de Oliveira Martins, que no fim do século XIX, assistiu, atónito, à falta de patriotismo, à falta de respeito pelas tradições e pelos homens superiores, vivendo-se a fazer cópia de tudo o que vinha da França jacobina, onde faltava uma alma social, indo-se  ao ponto masoquista do povo  se comprazer em fazer escárnio de si mesmo, não tendo dos homens que dirigiam os negócios públicos uma imagem positiva.
Mas não se julgue que o pensamento de algum desconforto que passou a existir do alheamento  da alma nacional arcaica por parte de algumas camadas do povo português era uma toleima, quer de António Sardinha, quer do brilhante historiador.
No prefácio do livro “Portugal Terra de Mistérios” da autoria de Paulo Alexandre Loução, recentemente publicado, a escritora-filósofa Dalila Lello Pereira da Costa assume com frontalidade que a decadência espiritual terá começado no reinado de D. João III, afirmando que o Portugal mítico passa à clandestinidade e caminha à deriva ao longo dos últimos séculos(...)

 António Sardinha sentindo-se filho dum século que envenenou a inteligência e perverteu a sensibilidade, teve a coragem que falta a muitos dos nossos intelectuais contemporâneos, expondo claramente o seu pensamento em ordem perante a Nação decadente do espírito mítico que a enformou nos princípios da nacionalidade, ao afirmar que as suas campanhas nacionalistas desceram das Letras à Política - subiram da Acção à atmosfera Diáfana das Ideias.
É isto que nos falta para regenerar Portugal, mas infelizmente, não vemos nem homens nem associações políticas interessadas ou capazes de num esforço de retorno às raízes, erguerem a bandeira do nacionalismo mítico, assumindo como causa a defesa da atmosfera Diáfana das Ideias, sendo certo, que, ou passa por estado de alma um movimento restaurador de Portugal ou, veremos, a breve trecho o País mergulhado na insensibilidade das Pátrias que perderam o  sentido histórico da sua posição no mundo.
Só por isto merece a pena, lembrar, quase um século depois, o pensamento desse homem que fez do Integralismo um modo de amar Portugal, pela simples razão que no nosso tempo tão ensosso e tão cinzento, onde o patriotismo é uma aragem que passou em muitas almas, onde as poucas tradições que conseguiram sobreviver vão morrendo e onde não há respeito pelos homens grados, de que resulta a necessidade urgente em fazer de novo uma chamada a uma terceira regeneração de Portugal, que a não ser feita nos levará a todos a cair na embocadura de um desânimo colectivo, perdida a chama da Pátria, porque aos poucos – sem o sentirmos -  se vai perdendo a consciência da dignidade colectiva que fez de Portugal uma pequena, mas grande Nação.

É que, se atentarmos no tempo que nos é dado viver – ainda que a esperança seja a última coisa a morrer – o que vemos é, mais ou menos generalizado, um certo abatimento e desinteresse do povo pelas coisas do Estado, não vendo nos homens mais responsáveis referências de valor que possam fazer vir  acima um certo orgulho que havia em se ser português.
E não se julgue que isto é uma imagem de retórica.
É a verdade que se vê espelhada em muitas mentes, que sem culpa, deixaram de ter confiança em Portugal, neste País que um dia se fez ao mar das trevas para encontrar novos mundos e onde levou a sua cultura, que ainda hoje perdura como uma marca indelével que há-de ficar a marcar para sempre a gesta de homens oriundos de um povo prenhe de valores fundados num nacionalismo mítico – nunca é demais dizê-lo - e que foi morrendo aos poucos quando passou a olhar  a partir de Junot, a quem chamou servilmente el-rei Junot, bajulando sem vergonha o chefe invasor e passando sem qualquer disfarce e com maior ênfase a partir daí, a denegrir os valores intrínsecos da raça lusitana caldeada nos gelos agrestes dos montes da Estrela, onde viveu e lutou esse Viriato Trágico, cantando pelo insigne poeta de Avô.
É preciso voltar a regenerar Portugal. E depressa.
E isto tem de começar por cima, pelos homens que nos governam, obrigando-os a ter mais respeito pelo exemplo que dão das suas vidas, das suas atitudes e dos seus discursos, que é de tudo isto que parte muita da desesperança que o povo sente ao alhear-se da política e dos seus fautores, a quem cabe a grande responsabilidade de voltar a por Portugal na mó de cima, ou seja, na atmosfera Diáfana das Ideias,  mesmo com os actuais ventos de um mundo cada vez mais globalizado, onde a perda das fronteiras não pode nem deve matar os valores genuínos dos povos.

Ao lembrar hoje, António Sardinha e o pensamento do historiador que ele chama em defesa do seu amor à raça portuguesa o que se pretende é chamar a atenção para a necessidade de voltarmos a erguer em Portugal – já não com as ideias do Integralismo que estão ultrapassadas – mas com as ideias nobres da reintegração dos valores perdidos a favor de conceitos estranhos, dizendo mal dos nossos e erigindo o estrangeiro como escola, quando a nossa, que é velhinha e honrada não pode nem deve ser obliterada.
Às jovens gerações que nunca ouviram falar de António Sardinha que sobressaiu no primeiro quartel do século XX – até porque as Selectas escolares se esqueceram dele, como de tantos outros que não tiveram a dita de estar conectados com os regimes que se têm repartido no poder – faria bem a leitura dos seus textos e de igual modo os seus versos exemplares, como estes que iniciam a sua poesia “Letreiro”:
Tudo o que sou o sou por obra e graça
da comoção rural que está comigo.
Foi a virtude lírica da Raça
a herança que eu herdei do sangue antigo.

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