Acontece, não raro, e todos - de um modo geral, somos testemunhas desta
anomalia patriótica – termos ouvido, aqui e ali, cantar loas ao que é
estrangeiro, pondo-se em causa o que é nacional, sejam homens, objectos ou
instituições, o que, convenhamos, é uma falta de respeito por Portugal, este
belo País que herdamos dos nossos maiores, íntegro e carregado de valores
ancestrais e que por causa do nosso gelo patriótico vamos enterrado um pouco
por todo o lado na vala comum de um desamor secular que nos devia envergonhar.
É por isso, que temos o dever de falar dos homens que ao longo de todos os tempos se tem
rebelado contra este estado de coisas, como fez António Sardinha, um insigne
filho do Alentejo.
Monárquico de pensamento e acção, veio a ser um
dos fundadores do Integralismo Lusitano, movimento político que se opôs aos
republicanos, em especial aos apaniguados da “Nova Renascença” que
afirmavam que a regeneração de Portugal
só seria possível com a quebra dos laços com a Igreja Católica, ao que ele contrapunha – na linha ideológica
do seu companheiro Almeida Braga - que tal só seria possível com um retorno à
integralidade do espírito católico que esteve na fundação da Pátria portuguesa.
Eram outros tempos.
Corria o ano de 1913.
Homem injustamente esquecido, nestes tempos em
que o pensamento das virtualidades da raça portuguesa não deixam continuamente
de se esbater, indo-se muitas vezes ao ponto de dizermos mal de nós mesmos e
erigindo os estranhos como escola de virtudes, a sua figura de intelectual e
político deve ser lembrada, pesem, muito embora, os tempos e os distanciamentos
políticos.
No ano de 1923, estando em Elvas, cidade onde
viria a morrer em 1925, António Sardinha redigiu uma comovente homenagem a um
amigo, Dr. Manuel Ferreira Deusdado, onde ao falar de si mesmo se declara filho
dum século que envenenou a inteligência e perverteu a sensibilidade(...) e, depois, de uma análise sobre a
sua situação de soldado de contra-revolução religiosa e política que urgia
fazer para um retorno aos seus ideais patrióticos, declara sem rebuço, focando o Integralismo,
que as suas campanhas nacionalistas desceram das Letras à Política - subiram
da Acção à atmosfera Diáfana das Ideias. Tudo se obliterara entre nós - desde o instinto das nossas raízes
seculares até à posição que nos tocava, como raça e como Estado, no drama
agudíssimo das nações contemporâneas. Como se o solo sagrado da terra dos Avós
se tivesse transformado num tablado ignominioso de títeres de feira.
De seguida, chama para o seus escrito a pena
desempoeirada do historiador Oliveira Martins, citando-o a partir da sua obra
“História de Portugal” e transcrevendo dela o seguinte: Daí vem o caso
- escreve ele - talvez único na Europa,
de um povo que, não só desconhece o patriotismo, que não só ignora o sentimento
espontâneo de respeito e amor pelas suas tradições, pelos seus homens
superiores, que não só vive de copiar, literária e politicamente, a França, de
um modo servil e indiscreto, que não só não possui uma alma social, mas se
compraz em escarnecer de si próprio, com os nomes mais ridículos e o desdém
mais burlesco. Quando uma nação se condena pela boca de seus próprios filhos, é
difícil, sendo impossível, descortinar o futuro de quem perdeu por tal forma a
consciência da dignidade colectiva.
António Sardinha sentiu na sua alma patriótica
todas estas palavras do brilhante intelectual e bateu-se em defesa delas. Em
vão, pois, não foi, como era natural, considerado pelos republicanos do seu
tempo e foi de igual modo esquecido nos tempos subsequentes – até hoje - mas ele foi um patriota de sangue antigo que bem merecia ser
mais respeitado, mesmo até, pela sua posição política contra-revolucionária
dirigida a um sistema que para se impor matou o Rei e o Príncipe e não dava
mostras de achar uma regra política consciente e consistente para Portugal, que
no seu tempo se ia atolando nas cambalhotas quase diárias das quedas dos
ministérios.
Ao chamar para defesa dos seus ideais a pena de
Oliveira Martins, que no fim do século XIX, assistiu, atónito, à falta de
patriotismo, à falta de respeito pelas tradições e pelos homens superiores,
vivendo-se a fazer cópia de tudo o que vinha da França jacobina, onde faltava
uma alma social, indo-se ao ponto
masoquista do povo se comprazer em fazer
escárnio de si mesmo, não tendo dos homens que dirigiam os negócios públicos
uma imagem positiva.
Mas não se julgue que o pensamento de algum
desconforto que passou a existir do alheamento
da alma nacional arcaica por parte de algumas camadas do povo português
era uma toleima, quer de António Sardinha, quer do brilhante historiador.
No prefácio do livro “Portugal Terra de
Mistérios” da autoria de Paulo Alexandre Loução, recentemente publicado, a
escritora-filósofa Dalila Lello Pereira da Costa assume com frontalidade que a
decadência espiritual terá começado no reinado de D. João III, afirmando que o Portugal
mítico passa à clandestinidade e caminha à deriva ao longo dos últimos
séculos(...)
António Sardinha
sentindo-se filho dum século que envenenou a inteligência e perverteu a
sensibilidade, teve a coragem que falta a muitos dos nossos intelectuais
contemporâneos, expondo claramente o seu pensamento em ordem perante a Nação
decadente do espírito mítico que a enformou nos princípios da nacionalidade, ao
afirmar que as suas campanhas nacionalistas desceram das Letras à Política -
subiram da Acção à atmosfera Diáfana das Ideias.
É isto que nos falta para regenerar Portugal,
mas infelizmente, não vemos nem homens nem associações políticas interessadas
ou capazes de num esforço de retorno às raízes, erguerem a bandeira do
nacionalismo mítico, assumindo como causa a defesa da atmosfera Diáfana das
Ideias, sendo certo, que, ou passa por estado de alma um movimento
restaurador de Portugal ou, veremos, a breve trecho o País mergulhado na
insensibilidade das Pátrias que perderam o
sentido histórico da sua posição no mundo.
Só por isto merece a pena, lembrar, quase um
século depois, o pensamento desse homem que fez do Integralismo um modo de amar
Portugal, pela simples razão que no nosso tempo tão ensosso e tão cinzento,
onde o patriotismo é uma aragem que passou em muitas almas, onde as poucas
tradições que conseguiram sobreviver vão morrendo e onde não há respeito pelos
homens grados, de que resulta a necessidade urgente em fazer de novo uma
chamada a uma terceira regeneração de Portugal, que a não ser feita nos levará
a todos a cair na embocadura de um desânimo colectivo, perdida a chama da
Pátria, porque aos poucos – sem o sentirmos -
se vai perdendo a consciência da dignidade colectiva que fez de Portugal
uma pequena, mas grande Nação.
É que, se atentarmos no tempo que nos é dado
viver – ainda que a esperança seja a última coisa a morrer – o que vemos é,
mais ou menos generalizado, um certo abatimento e desinteresse do povo pelas
coisas do Estado, não vendo nos homens mais responsáveis referências de valor
que possam fazer vir acima um certo
orgulho que havia em se ser português.
E não se julgue que isto é uma imagem de
retórica.
É a verdade que se vê espelhada em muitas
mentes, que sem culpa, deixaram de ter confiança em Portugal, neste País que um
dia se fez ao mar das trevas para encontrar novos mundos e onde levou a
sua cultura, que ainda hoje perdura como uma marca indelével que há-de ficar a
marcar para sempre a gesta de homens oriundos de um povo prenhe de valores
fundados num nacionalismo mítico – nunca é demais dizê-lo - e que foi morrendo
aos poucos quando passou a olhar a
partir de Junot, a quem chamou servilmente el-rei Junot, bajulando sem
vergonha o chefe invasor e passando sem qualquer disfarce e com maior ênfase a
partir daí, a denegrir os valores intrínsecos da raça lusitana caldeada nos
gelos agrestes dos montes da Estrela, onde viveu e lutou esse Viriato Trágico,
cantando pelo insigne poeta de Avô.
É preciso voltar a regenerar Portugal. E
depressa.
E isto tem de começar por cima, pelos homens
que nos governam, obrigando-os a ter mais respeito pelo exemplo que dão das
suas vidas, das suas atitudes e dos seus discursos, que é de tudo isto que
parte muita da desesperança que o povo sente ao alhear-se da política e dos
seus fautores, a quem cabe a grande responsabilidade de voltar a por Portugal
na mó de cima, ou seja, na atmosfera Diáfana das Ideias, mesmo com os actuais ventos de um mundo cada
vez mais globalizado, onde a perda das fronteiras não pode nem deve matar os
valores genuínos dos povos.
Ao lembrar hoje, António Sardinha e o
pensamento do historiador que ele chama em defesa do seu amor à raça portuguesa
o que se pretende é chamar a atenção para a necessidade de voltarmos a erguer
em Portugal – já não com as ideias do Integralismo que estão ultrapassadas –
mas com as ideias nobres da reintegração dos valores perdidos a favor de
conceitos estranhos, dizendo mal dos nossos e erigindo o estrangeiro como
escola, quando a nossa, que é velhinha e honrada não pode nem deve ser
obliterada.
Às jovens gerações que nunca ouviram falar de
António Sardinha que sobressaiu no primeiro quartel do século XX – até porque
as Selectas escolares se esqueceram dele, como de tantos outros que não tiveram
a dita de estar conectados com os regimes que se têm repartido no poder – faria
bem a leitura dos seus textos e de igual modo os seus versos exemplares, como
estes que iniciam a sua poesia “Letreiro”:
Tudo
o que sou o sou por obra e graça
da
comoção rural que está comigo.
Foi
a virtude lírica da Raça
a
herança que eu herdei do sangue antigo.
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