O
xaile é uma peça de agasalho feminino utilizada ainda hoje com alguma
frequência nos meios rurais. É esse adorno, que se traça em diagonal e que veio
substituir as antigas capas e capuchas, hoje quase abandonadas, que veio à
minha lembrança, fazendo que ela fizesse um vôo muito largo, até um passado que
continua presente pela força mágica do encanto que ele possui, guardado como está,
como uma jóia preciosa, na minha casa da aldeia.
Na minha saudade pela minha mãe que já partiu,
sinto-me envolto nele, quando ao seu colo acariciador o seu amor me embalava
para dormir os primeiros sonos descansados, tão longe daqueles, que mais tarde
as canseiras da vida haviam de tornar menos reparadores e, sobretudo, menos
encantados.
Ao
olhar o xaile antigo é fácil de ver que pelo uso que lhe deu a Mãe o tornou
puído no centro, mantendo no entanto, ainda nas pontas, e distintamente, o
padrão do tecido de merino de que fora feito, num tom azulado com laivos de
verde garrafa.
O
xaile utilizado nos ambientes serranos, na ampla difusão que lhe deram todas as
nossas Mães, constitui no sentimentalismo do nosso povo um lugar muito
importante, porque a ele ficaram presas gratas recordações da meninice, quando
aos seus colos e na quentura da lã os meninos adormeciam ao som das singelas
cantigas de embalar, próprias daquela tenra idade.
Todos
guardamos disto algo que ficou e que o tempo não apaga e, por isso, todos temos
viva e nostálgica uma atitude de profundo amor por tal peça do vestuário
feminino que se confundiu com as nossas primeiras camisas.
Há
dias, ao ler o livro “Poesias” de
António Patrício, falecido em 1930 quando se deslocava para Macau onde ia cumprir
funções diplomáticas, deparei com o soneto “Relíquia” que é um hino de amor de
rara beleza ao xaile de sua Mãe, e que o Poeta na liberdade literária que lhe
assistia chamou de “chale” e o cantou desta maneira:
Era de minha mãe; é um pobre chale
Que tem p’ra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
Da que ele agasalhou em nossa casa.
Na sua trama já puída e lassa
Deixo os meus dedos p’ra senti-la ainda;
E Ela vem, é ela que me abraça,
Fala de coisas que a saudade alinda.
É a minha mãe mais perto, mais pertinho,
Que eu sinto quando toco o velho chale
Que guarda um não sei quê do seu
carinho.
E quando a vida mais me dói, no escuro,
Sinto ao tocá-lo como alguém que embale
E beije a minha sede de amor puro.
Tiro
o chapéu a este formoso soneto de António Patrício.
O
último terceto tem um encanto tal, que só uma alma distraída pode não apreciar,
por não entender que naqueles momentos em que a vida dói – e esses momentos
acontecem sempre! – tocar o xaile da meninice é embalar a sede de amor puro,
própria das tenras idades, quando a vida não tem feito, ainda, estragos às
almas que as Mães embalaram nos seus colos de amor.
António
Patrício escreveu com elevação o poema que todos os filhos gostariam de ter
escrito a suas mães, honrando a peça acariciadora que lhes serviu de agasalho
e, foi para eles muito bela, simples mas de tão grande significado que o seu
perfume é uma carícia que rompe os tempos e percorre todos os caminhos da
existência.
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