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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Os homens de corações secos


Um sábio índio (Sadhu Sundar Singh) deixou em um dos seus livros uma imagem que todo o cristão deveria meditar séria e detidamente. Escreveu “Um dia estava eu sentado junto do Himalaia, na margem dum rio. Tirei da água uma linda pedra dura, redonda e parti-a. Pela parte de dentro estava completamente seca. Há quanto esta pedra  estava na água, sem que a água nela penetrasse! O mesmo acontece com os homens, na Europa. Há séculos que vivem envolvidos em cristianismo, mergulhados no cristianismo e este não penetrou neles, não vive neles. A culpa não é do cristianismo, mas dos corações cristãos”.
Tihamer Tóth
Pai Nosso – 2º volume


Este trecho do conhecido Bispo húngaro é uma pedrada no charco de uma Europa aburguesada, cujo retrato nos aparece singularmente espelhado pelo poder de análise de um índio que a pena brilhante de Tihamer Tóth nos apresenta, dando-nos conta da secura cristã que invadia os povos europeus, herdeiros de uma vasta cultura, onde o cristianismo que a plasmou, tardava naquele tempo – década de trinta do século XX – como ainda hoje acontece, em implantar Deus, como a referência mais importante da sua história milenar.
Presente pela acção da Igreja e pelo modo como o sopro do Evangelho encheu todos os caminhos e como ela pela força dos apóstolos humanizou o tempo velho, deve-se aos primeiros cristãos o aparecimento de verdadeiras comunidades, onde todos se reviam na figura do Jesus.
Do ponto de vista histórico, deve-se à Igreja alicerçada no exemplo cívico destas primeiras comunidades a reconstrução da Europa após a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d. C., às mãos dos povos bárbaros, permanecendo triunfante em grande parte da área continental, onde o cristianismo teve um papel de relevo na manutenção da civilização, sendo a  única organização que não se desagregou com a dissolução do Império.
Deve-se-lhe, ainda, o facto de ter feito crescer as cidades à volta das catedrais, proporcionando o aparecimento de filósofos, músicos, literatos, arquitectos e escultores, que por fim possibilitaram o Renascimento, donde é lícito concluir que a Europa caldeada por todo este engenho de cultura civil e espiritual não pode existir sem o enquadramento da sua herança cristã, do qual parece, andarmos esquecidos, neste tempo em que o cristão é chamado a fazer partes das modernas sociedades humanas, pedindo-se-lhe que continue a ser fermento no meio da massa, mas fazendo-o numa tal invisibilidade que o anúncio do Evangelho se dilui, como se não pesasse sobre a laicidade da sua condição a responsabilidade profética das suas missões seculares.
Constituímos nesta velha Europa uma manta retalhada de povos que tendo deixado de lado - por demais evidente -  o Evangelho criador e orientador, enquanto manancial autêntico de vidas devotas, de entrega, paixão e compaixão, está a correr o risco de ver os seus habitantes vomitados pelos aspectos mornos das suas acções, onde o Senhor, se aparece, é imerso na diluição dos valores e onde a Sua Imagem verdadeira é algo que nos devia envergonhar.
A força do vinho novo que era uma marca dos primeiros apóstolos e que no tempo fazia romper os velhos odres, hoje, faz que estes se mostrem novos, sendo velho, em tantas comunidades cristãs aquele vinho novo de que Jesus se serviu para ilustrar tão bela  parábola.
Temos uma Europa onde a economia de mercado dita as suas leis como se fosse uma religião laica e os Estados actuais, admitindo, embora,  as religiões verdadeiras fundadas sobre a Mensagem de Cristo fazem o possível por as ignorar, esquecendo-se que os Estados europeus receberam o seu influxo espiritual e se deixaram moldar por ele.
Somos um Continente à deriva, espiritualmente falando.
Um montão de corações secos que embora mergulhados profundamente numa cultura de raiz cristã, somos parecidos em larguíssimos estratos, com aquela linda pedra dura que o sábio índio retirou do leito do rio e da qual Tihamer Tóth nos fala, apontando o índio e a sua opinião do mesmo estar a acontecer com os homens, na Europa. Há séculos que vivem envolvidos em cristianismo, mergulhados no cristianismo e este não penetrou neles, não vive neles.
A culpa, efectivamente, não é da raiz, mas da árvore, que não está a aproveitar devidamente a força espiritual que tem.
A culpa é dos maus cristãos.
Dos que aparentam ser e o não são, por culpa dos corações que se deixaram secar na assunção consentida de uma mundividência  falaciosa que tornou a velha Europa num espaço ferido de valores espirituais.
Deus sabe de tudo. E das pedras secas do rio – que somos muitos de nós – há-de, num dia qualquer, fazer que apareçam os novos apóstolos, porque é urgente que sejam   refloridos  os canteiros da Sua Cidade.

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