Um sábio
índio (Sadhu Sundar Singh) deixou em um dos seus livros uma imagem que todo o
cristão deveria meditar séria e detidamente. Escreveu “Um dia estava eu sentado
junto do Himalaia, na margem dum rio. Tirei da água uma linda pedra dura,
redonda e parti-a. Pela parte de dentro estava completamente seca. Há quanto
esta pedra estava na água, sem que a
água nela penetrasse! O mesmo acontece com os homens, na Europa. Há séculos que
vivem envolvidos em cristianismo, mergulhados no cristianismo e este não
penetrou neles, não vive neles. A culpa não é do cristianismo, mas dos corações
cristãos”.
Tihamer Tóth
Pai Nosso – 2º volume
Este trecho do
conhecido Bispo húngaro é uma pedrada no charco de uma Europa aburguesada, cujo
retrato nos aparece singularmente espelhado pelo poder de análise de um índio
que a pena brilhante de Tihamer Tóth nos apresenta, dando-nos conta da secura
cristã que invadia os povos europeus, herdeiros de uma vasta cultura, onde o
cristianismo que a plasmou, tardava naquele tempo – década de trinta do século
XX – como ainda hoje acontece, em implantar Deus, como a referência mais
importante da sua história milenar.
Presente pela acção da
Igreja e pelo modo como o sopro do Evangelho encheu todos os caminhos e como
ela pela força dos apóstolos humanizou o tempo velho, deve-se aos primeiros
cristãos o aparecimento de verdadeiras comunidades, onde todos se reviam na
figura do Jesus.
Do ponto de vista
histórico, deve-se à Igreja alicerçada no exemplo cívico destas primeiras
comunidades a reconstrução da Europa após a queda do Império Romano do Ocidente
em 476 d. C., às mãos dos povos bárbaros, permanecendo triunfante em grande
parte da área continental, onde o cristianismo teve um papel de relevo na
manutenção da civilização, sendo a única
organização que não se desagregou com a dissolução do Império.
Deve-se-lhe, ainda, o
facto de ter feito crescer as cidades à volta das catedrais, proporcionando o
aparecimento de filósofos, músicos, literatos, arquitectos e escultores, que
por fim possibilitaram o Renascimento, donde é lícito concluir que a Europa
caldeada por todo este engenho de cultura civil e espiritual não pode existir
sem o enquadramento da sua herança cristã, do qual parece, andarmos esquecidos,
neste tempo em que o cristão é chamado a fazer partes das modernas sociedades
humanas, pedindo-se-lhe que continue a ser fermento
no meio da massa, mas fazendo-o numa tal invisibilidade que o anúncio do
Evangelho se dilui, como se não pesasse sobre a laicidade da sua condição a
responsabilidade profética das suas missões seculares.
Constituímos nesta
velha Europa uma manta retalhada de povos que tendo deixado de lado - por
demais evidente - o Evangelho criador e
orientador, enquanto manancial autêntico de vidas devotas, de entrega, paixão e
compaixão, está a correr o risco de ver os seus habitantes vomitados pelos aspectos mornos das suas acções, onde o Senhor, se
aparece, é imerso na diluição dos valores e onde a Sua Imagem verdadeira é algo
que nos devia envergonhar.
A força do vinho novo que era uma marca dos
primeiros apóstolos e que no tempo fazia romper os velhos odres, hoje, faz que
estes se mostrem novos, sendo velho, em tantas comunidades cristãs aquele vinho novo de que Jesus se serviu para
ilustrar tão bela parábola.
Temos uma Europa onde a
economia de mercado dita as suas leis como se fosse uma religião laica e os
Estados actuais, admitindo, embora, as
religiões verdadeiras fundadas sobre a Mensagem de Cristo fazem o possível por
as ignorar, esquecendo-se que os Estados europeus receberam o seu influxo
espiritual e se deixaram moldar por ele.
Somos um Continente à
deriva, espiritualmente falando.
Um montão de corações
secos que embora mergulhados profundamente numa cultura de raiz cristã, somos
parecidos em larguíssimos estratos, com aquela linda pedra dura que o sábio índio retirou do leito do rio e da
qual Tihamer Tóth nos fala, apontando o índio e a sua opinião do mesmo estar a
acontecer com os homens, na Europa. Há
séculos que vivem envolvidos em cristianismo, mergulhados no cristianismo e
este não penetrou neles, não vive neles.
A culpa, efectivamente,
não é da raiz, mas da árvore, que não está a aproveitar devidamente a força
espiritual que tem.
A culpa é dos maus
cristãos.
Dos que aparentam ser e
o não são, por culpa dos corações que se deixaram secar na assunção consentida
de uma mundividência falaciosa que
tornou a velha Europa num espaço ferido de valores espirituais.
Deus sabe de tudo. E
das pedras secas do rio – que somos muitos de nós – há-de, num dia qualquer,
fazer que apareçam os novos apóstolos, porque é urgente que sejam refloridos
os canteiros da Sua Cidade.
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