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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Uma velha fragata do Tejo


Gravura publicada em "O Occidente" de 1 de Julho de 1894

Noticia aquela velha publicação que este quadro pertencia ao Conde de Almedina, Delfim Deodato Guedes e esteve presente na Quarta Exposição do "Grémio Artístico", uma Instituição que conjuntamente com a "Sociedade Promotora das Belas Ates", tendo-se fundido, deram origem à actual "Sociedade Nacional de Belas Artes".

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Exemplar típico das airosas embarcações que povoaram o Rio Tejo nos séculos XIX e XX, recordo-me de as ver, ora em plena acção de velas desfraldadas, ora atracadas aos cais de Lisboa com o bojo cheio de mercadorias.

Menino e moço - como eu me recordo! - nos intervalos das aulas, quando não nas próprias gazetas que o irrequietismo folgazão da idade o permitia a par da irreflexão da atitude, corria com os meus companheiros daquelas aventuras para as ver sustadas, admirando as suas linhas gráceis e os afãs dos seus mestres marinheiros a dirigir as descargas, no tempo devido e, depois, no modo como a bordo cozinhavam as próprias refeições, enquanto elas balouçavam ao sabor das pequenas ondas que se desfaziam de encontro à carcaça dos madeirames.

Recordo-me de me admirar com os nomes que todas tinham pintados com grandes letras, perto das proas elevadas bem acima da linha de água, interrogando-me de onde tinham surgido nomes, como: Senhora do Tejo; Gaivota Veloz; Maria Papoila; Que Deus Te Guie e outros que a idade apagou da minha lembrança.

Na altura não sabia que aquelas mulheres que eu via a correr pela pranchas que ligavam as fragatas aos cais carregando à cabeça as pesadas mercadorias, já haviam merecido a atenção de um Poeta de que só muito mais tarde vim a conhecer o nome - Cesário Verde - tendo-as visto, como eu as vi nas minhas andanças e tendo-as retratado deste modo:

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Vazam-se os arsenais e as oficinas;
 Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
 E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção.

in, poema "Avé-Marias"

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