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domingo, 18 de outubro de 2015

"Os Amigos" - Um soneto de Camilo Castelo Banco





   OS AMIGOS

Amigos cento e dez, e talvez mais,
eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos cento e dez, tão serviçais,
tão zelosos das leis da cortesia,
que eu, já farto de os ver, me escapulia
às suas curvaturas vertebraís.

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez, houve um somente
que não desfez os laços quase rotos.

- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver". .
- Que cento e nove impávidos marotos!

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A cegueira que vitimou Camilo Castelo Branco começou a dar os primeiros sinais em 1865 tinha ele 40 anos, tendo-o atormentado nos seus últimos 25 anos de vida, sempre preenchidos com novos livros, até que em 1887 acaba por não publicar nenhum estando quase cego.

A 21 de Maio de 1890 escreve para Aveiro - num último acto de esperança - a seguinte carta ao então  muito conhecido oftalmologista Dr. Edmundo de Magalhães Machado:

Illmo. e Exmo. Sr.,

Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante 40 anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego. Ainda há quinze dias podia ver cingir-se a um dedo das minhas mãos uma flâmula escarlate. Depois, sobreveio uma forte oftalmia que me alastrou as córneas de tarjas sanguíneas. Há poucas horas ouvi ler no Comércio do Porto o nome de V. Exa. Senti na alma uma extraordinária vibração de esperança. Poderá V. Exa. salvar-me? Se eu pudesse, se uma quase paralisia me não tivesse acorrentado a uma cadeira, iria procurá-lo. Não posso. Mas poderá V. Exa. dizer-me o que devo esperar d’esta irrupção sanguínea nuns olhos em que não havia até há pouco uma gota de sangue? Digne-se V. Exa. perdoar à infelicidade estas perguntas feitas tão sem cerimónia por um homem que não conhece.
                                                                                              Camilo Castelo Branco

No dia 1 de Junho recebe na sua casa de S, Miguel de Seide aquele clínico que perante o seu estado, sentindo-se impotente para o curar recomenda-lhe, caridosamente descanso e umas termas e retira-se levando por companhia até à porta a esposa do escritor, Ana Plácido, quando é ouvido, no cimo da escadaria que dava para o quinteiro, o tiro que na têmpora direita liquidou de vez a vida de quem havia sido um dos maiores cultores da língua portuguesa.

O soneto de Camilo que se reproduz, célebre pela dor que encerra é dedicado a um amigo seu - o único que ficou dos tais cento e dez - e é, pela crueza que encerra um libelo acusatório contra os amigos que desaparecem - que vamos nós lá fazer? Se ele está cego, não nos pode ver! 

Dá que pensar o que aconteceu com Camilo Castelo Branco e o soneto é a prova maior que ele quis deixar para a posteridade, tendo-se a certeza - posso dizer -  que se não fora o seu suicídio, mesmo cego, Camilo Castelo Branco ter-se-ia servido de Ana Plácido para nos deixar mais um romance sobre o tema da amizade fátua que dura - como ele sentiu - mas só enquanto a fama existe.

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