"Quem crê,
diz Tomás de Aquino, crê, antes de tudo, na palavra de outrem. Por isso, em
qualquer forma de crença, a pessoa em que se crê precede à
palavra na qual se crê. A fé, portanto - antes mesmo de
ser uma adesão a uma palavra - é um ato pessoal, no qual uma
pessoa se fia na palavra de outra pessoa:
Ora, como o que
crê adere à palavra de outro, considera-se como principal e fim, em qualquer
espécie de crença, aquele em cuja palavra assentimos; e, como quase secundário,
aquilo que admitimos por querermos assentir à palavra de outro.
Desta feita, no
ato de fé, aderimos à palavra, não em virtude de
termos atestado, demonstrativa e evidentemente a sua veracidade,
senão porque, quem no-la diz, é digno de nosso assentimento:
Nesse género de
fé, que, em oposição à anterior, poderemos chamar de autoridade, o
motivo que determina o assentimento não é a evidência de que o testemunho é
verdadeiro e de que aquele que o prestou, actualmente, no caso concreto, não
faltou à verdade, mas a autoridade habitual da testemunha que, pela sua ciência
e veracidade, tem direito a uma adesão dócil das nossas inteligências.
No caso da fé
cristã, ocorre algo análogo.
Com efeito, o crente cristão,
não é senão aquele que adere, por um ato da vontade, a Cristo e, por
isso mesmo, a doutrina de Cristo. Antes de aderir às palavras,
o ato de fé implica, portanto, um assentimento à pessoa
de Cristo. Em outras palavras, quem aderiu às palavras de
Cristo é porque já assentiu, ipso facto, à pessoa de
Cristo. Em uma palavra, em Cristo inseparáveis são a pessoa e a doutrina.
Ele é, pois, o fundamento da nossa fé. O original latino, não
deixa dúvida quanto a isso: “Sic igitur recte fidem Christianam habet sua
voluntate assentitChristo in his quae vere ad eius doctrinam pertinent.” (“Assim,
pois, aquele que possui a verdadeira fé cristã adere ao Cristo por sua vontade,
naquilo que verdadeiramente pertence à doutrina de Cristo”)
Ora, a doutrina
a testemunhar não é apenas teoria senão vida, e vida que consiste em aderir a
outra vida: a vida pessoal de Cristo. A pessoa de Platão ou de Aristóteles, por
exemplo, distingue-se de sua doutrina. Não assim Cristo: ‘Eu sou o
caminho, a verdade, a vida’, diz ele (Jo 14, 6). Aderir à verdade cristã, é
aderir à pessoa de Cristo, é viver de Cristo, ter em si o pensamento e o amor
de Cristo. (...) Logo, testemunhar o cristianismo não pode reduzir-se a repetir
fórmulas cristãs, nem mesmo a aceitar essas fórmulas. Testemunhar, é aceitar
a pessoa mesma de Cristo, entregando-se a ele, observando o que ele prescreveu."
in, A teologia da
Inquisição segundo Santo Tomás de Aquino - II
Por Sávio Laet
de Barros Campos
Este pequeno excerto do estudo do Professor da Universidade Federal de Mato Grosso (Brasil) tendo como fonte o pensamento preclaro de S. Tomás de Aquino dá-nos - na minha opinião - uma nova claridade sobre a fé que o homem adquire - ou não - na Pessoa de Jesus Cristo.
Logo, no começo, este ilustre académico, citando o pensamento de S. Tomás de Aquino, começa por dizer: "Quem crê,
diz Tomás, crê, antes de tudo, na palavra de outrem." e é por aqui que relativamente à aceitação da fé cristã, que tudo começa.
Crer na palavra de outrem.
Crer, portanto, na Palavra de Jesus Cristo, não porque atestamos demonstrativa e evidentemente a sua veracidade, mas porque, quem no-la diz, é digno de nosso assentimento e esse alguém, não se trata de uma só pessoa mas, no mínimo, de quatro: os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João.
E é nestas palavras de outrem que relatam os passos de Jesus e os seus ensinamentos a que o homem adere - ou não - por um acto de vontade e por assentimento à figura. de Jesus Cristo, observando o que Ele prescreveu.
Contam-se por muitos milhares de milhões de homens e mulheres que por crerem na palavra de outrem tem seguido ao longo dos tempos Jesus Cristo e n'Ele têm sabido encontrar o caminho da Fé, como acontece neste testemunho poético que é uma visão do homem sobre este atributo, que se é feito da imaterialidade que o forma esta tem o seu assento na humanidade de quem a viveu de perto e a sentiu actuante.
Fé
As orações dos homens
Subam eternamente aos teus
ouvidos;
Eternamente aos teus ouvidos
soem
Os cânticos da terra.
No turvo mar da vida,
Onde aos parcéis do crime a alma
naufraga,
A derradeira bússola nos seja,
Senhor, tua palavra.
A melhor segurança
Da nossa íntima paz, Senhor, é
esta;
Esta a luz que há de abrir à
estância eterna
O fulgido caminho.
Ah!! feliz o que pode,
No extremo adeus às cousas deste
mundo,
Quando a alma, despida de
vaidade,
Vê quanto vale a terra;
Quando das glórias frias
Que o tempo dá e o mesmo tempo
some,
Despida já, — os olhos
moribundos
Volta às eternas glórias;
Feliz o que nos lábios,
No coração, na mente põe teu
nome,
E só por ele cuida entrar
cantando
No seio do infinito.
Machado de Assis
in 'Crisálidas'
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