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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Descentralizar o Poder




Duas vezes nos comícios populares, muitas na imprensa tenho manifestado a minha íntima convicção de que nenhum círculo eleitoral deve escolher para seu representante indivíduo que lhe não pertença; que por larga experiência não tenha conhecido as suas necessidades e misérias, os seus recursos e esperanças; que não tenha com os que o elegeram comunidade de interesses, interesses que variam, que se modificam, e até se contradizem, de província para província, de distrito para distrito, e às vezes de concelho para concelho. Esta doutrina, posto que tenha vantagem no presente, reputo-a sobretudo importante pelo seu alcance, pelos seus resultados em relação ao futuro.(...)

Durante meses, no decurso de dois anos (...) Pude então observar amplamente quantas misérias, quanto abandono, quantos vexames pesam sobre os habitantes das províncias, principalmente dos distritos rurais, (...) que constituem a grande maioria do país.(...)
E isto que vi perspicuamente, apesar de uma observação transitória, vêem-no todos os dias, palpam-no, e, o que mais é, padecem-no centenares de homens honestos e inteligentes que vivem obscuramente por essas vilas e aldeias de Portugal. Como os seus vizinhos, eles são vítimas da nossa absurda organização; disso a que por antífrase chamamos administração e governo. É entre tais homens que os círculos deveriam escolher os seus representantes.(...)

Os partidos, sejam quais forem as suas opiniões ou os seus interesses, ganham sempre com a centralização. Se não lhes dá maior número de probabilidades de vencimento nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as, e, obtido o poder, a centralização é o grande meio de o conservarem.(...) (1)

Estas palavras são antigas. Reinava D. Pedro V.

Pertencem a um homem lúcido e inteligente, daqueles que não fizeram carreira política activa ao longo da vida, porque os profissionais da política do seu tempo sobrepuseram o interesse dos seus partidos à causa nacional por que ele se bateu com denodo, ao erguer afoitamente contra o conservadorismo reinante, a bandeira da descentralização que ainda hoje está por fazer e não se sabe quando se fará.

Estamos a falar de Alexandre Herculano.

Com a dissolução da Câmara dos Deputados em 26 de Março de 1858, tinham ocorrido as eleições de 2 de Maio, que já então  elegeram 162 deputados.
As palavras do grande homem das letras nacionais resumem maravilhosamente o seu apego ao municipalismo pelo qual se bateu em defesa do povo da avidez do poder centralizado. Esta defesa acérrima que levou ao longo da vida, fez que ele, de igual modo tenha condenado o materialismo do Setembrismo, de Passos Manuel (1836-1842) através de “A Voz do Profeta”, o Cabralismo ditatorial de Costa Cabral (1842-1846) que o fez retirar pela primeira vez da política activa entre os anos de 1841 e 1846 e a Regeneração, de Saldanha (1851-1865), embora reconhecesse que o Marechal era o político e militar português com mais carisma, tendo colaborado com ele naquele movimento político.

    Mas, mesmo assim, na peugada dos anteriores – que não eram estruturalmente Partidos políticos, mas antes, agremiações de interesses onde não havia ideologias consistentes – Herculano não deixou de meter os três no mesmo saco, pelo facto de todos eles representarem a negação dos princípios liberais, já que todos defendiam a ideia do centralismo contra a sua ideia da vida local ser, como devia, uma realidade com repercussão no governo e constituir no seu seio uma voz com a autoridade de quem sabia, melhor que ninguém, os problemas do País.

Arauto da defesa da gente simples contra o poder de qualquer tirania, Herculano, abjurava a tirania do rei em desfavor dos povo, bem como a da classe privilegiada contra a arraia miúda, da grande cidade contra o direito da província, de uma facção social – fosse qual fosse – contra o resto do País e, finalmente, não podia conceber que um oligarquia instalada no poder se impusesse à maioria, neste caso, ao povo humilde, trabalhador e sofredor.
Com os seus olhos de águia este homem lúcido, nascido numa família da pequena burguesia citadina que não teve meios de o mandar estudar em Coimbra, via mais longe, ao chamar a atenção para a necessidade imperiosa de se estender a vida política à vida das localidades, pois, segundo ele, era só desse modo, que o governo central poderia representar o pensamento do País, defendendo o que ele chamou a eleição de campanário, ou seja, aquela que escolhia o representante local no meio onde o mesmo vivia, pelo facto deles conhecerem os problemas do País real.

Esta sua visão da realidade do País já vinha de trás.

Em 1851, na Regeneração, quando Saldanha chamou para o governo Rodrigo da Fonseca Magalhães, de imediato, passa para a oposição, no pressuposto, que muito embora este vulto importante fosse um político de convicções – como veio a acontecer, não soube imprimir no Acto Adicional à Carta Constitucional, em 5 de Julho de 1852 - e nos cinco anos em que se demorou no governo, o cunho democrático como Herculano sonhava para bem do País e do povo.

O municipalismo por que pugnava e cujo desiderato político era o estabelecimento de uma classe média que se interpusesse entre os aristocratas e o povo e deste emanada, veio a falhar rotundamente, um facto que viria a tornar bem claro o seu pensamento em 1853, quando se rebelou contra Fontes Pereira de Melo e Rodrigo da Fonseca, nas páginas de “O Portuguez”, impondo a sua crença, que era um divisa de um profundo recorte social: que o País seja governado pelo País, desejando que a vida política fosse levada às mais recônditas parcelas da Nação.

Vem tudo isto a propósito para concluir que o País tem andado a perder tempo.

Começou, com este homem de eleição em 1851 e nas eleições de 2 de Maio de 1858, por perder, definitivamente  para a vida política – embora tenha sido eleito por Sintra – um homem da estirpe do grande escritor, que recusou trabalhar com políticas centralistas, levando-o no ano de 1867 a retirar-se para a sua quinta de Vale de Lobos, nas cercanias de Santarém, afastando-se de vez da cena política, tendo lavrado do seguinte modo a sua recusa em pertencer ao governo:

Fortes tendências para a eleição da localidade se manifestam já por muitas partes, e os governos e as parcialidades vêem-se constrangidos a transigir com esse instinto salvador. Se não me é lícito gloriar-me de ter contribuído para ele se desenvolver, ser-me-á lícito, ao menos, aplaudi-lo. É o primeiro passo no caminho do verdadeiro progresso social: cumpre não recuar.
Mas, pensando assim, como poderia eu, sem desmentir a minha consciência e as minhas palavras; sem trair a verdade, sem vos trair a vós próprios, aceitar em silêncio o vosso mandato? É honroso merecer a confiança dos nossos concidadãos, mas é mais honroso viver e morrer honrado.
Não haverá no meio de vós um proprietário, um lavrador, um advogado, um comerciante, qualquer indivíduo, que, ligado convosco por interesses e padecimentos comuns, tenha pensado na solução das questões sociais, administrativas e económicas que vos importam; um homem de cuja probidade e bom juízo o trato de muitos anos vos tenha certificado? Há, sem dúvida. Porque, pois, não haveis de escolhê-lo para vosso mandatário? (2)

Neste tempo, as palavras de Herculano deviam ser um sino a tocar a rebate nas consciência da Nação, porque ou entendemos de uma vez para sempre que esta só será realizável nos seus planos sociais e económicos, quando os homens do Parlamento - como aconteceu nas últimas eleições de 4 de Outubro de 2015, mais uma vez - não forem os homens de mão dos Partidos, mas os representantes do povo autêntico que mora nas lonjuras das grandes cidades e, muito dele, se esconde nas brenhas das serras do Portugal profundo, que aspira a mais justiça social.

Pensamos, que do mesmo modo – como a  Regeneração  perdeu Herculano, muito embora, e valha a verdade, foi com este movimento político que Portugal começou a entrar na modernidade, ao abandonar os Cabrais situados na ala direita do Liberalismo -  nos tempos mais recentes, Portugal  tem perdido, homens capazes que se têm recusado a pactuar com discussões estéreis centradas em Regionalismos, quando, afinal, Portugal no seu todo, é uma pequena Região, à escala mundial, e melhor seria levar por diante a ideia do municipalismo descentralizado do poder central, embora a ele sujeito por força constitucional.

Chamando ainda, Herculano, diremos como ele deixou dito:

Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade. (3)



(1) - Texto de A. Herculano, escrito na Ajuda e datado de 22 de Maio de 1858 e dirigido aos eleitores de Sintra, que o elegeram para o Parlamento no acto eleitoral de 2 de Maio do mesmo ano.
(2) - Idem, idem.
(3)  - Idem, idem


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