A cerimónia ocorreu no Palácio da Ajuda
em 30 de Outubro de 2015.
Como a História foi e será sempre uma sucessão de factos acontecidos, este aqui fica para memória futura, ficando prometido a mim mesmo que um dia, quando o bom senso voltar à cena política de Portugal - hoje arredia e encastelada em muralhas de barro - hei-de debruçar-me sobre este discurso e só o não faço agora porque me resta um pouco de esperança que aqueles que neste discurso são visados acordem para a realidade portuguesa e, depois, se tal fizerem em meu nome pessoal, que é obscuro, mas tem um passado limpo, dar-lhes-ei os parabéns em nome dos meus filhos e netos, tendo na mira os outros filhos e netos de portugueses como eu, que pensam como eu.
E por aqui me fico.
E por aqui me fico.
DISCURSO DE
TOMADA DE POSSE XX GOVERNO CONSTITUCIONAL
(texto integral)
Há quatro anos
assumi as funções de Primeiro-Ministro de um governo que tinha pela frente a
tarefa maior de salvar o País de um desastre económico e social de proporções
inimagináveis. Vivíamos tempos de emergência nacional a que era urgente
responder com uma estratégia firme e coerente. Nessa altura, eram muitas as
vozes dentro e fora do País que duvidavam das nossas possibilidades. No dia da
minha tomada de posse disse que “vivíamos tempos difíceis e mais tormentas
ainda nos aguardavam. Mas tínhamos de confrontar os nossos problemas com os
olhos bem abertos e afugentar o medo paralisante.”
E foram, de
facto, anos duros os que tivemos de enfrentar.
Sabíamos que
estávamos a “navegar em mares nunca dantes navegados”, mas nunca deixei de ter
a firme convicção de que o País que sempre conheci não falharia.
E não falhou.
Os Portugueses
deram uma lição de sacrifício, moderação e esforço colectivo que tão cedo não
será esquecida. Toda a Europa o sabe e nós sabemo-lo melhor do que ninguém.
Com muito
trabalho e com o sentido máximo das responsabilidades, o anterior executivo que
eu liderei foi o primeiro governo de coligação a cumprir integralmente o seu
mandato na história da democracia portuguesa.
Foi um governo
que fechou importantes acordos na concertação social e com instituições da
sociedade civil.
Foi um governo
que durante praticamente toda a sua vigência esteve envolvido num intenso e
difícil processo de negociação com os nossos parceiros europeus e
internacionais.
Foi um governo
que participou ativamente na discussão sobre a reforma da União Europeia e do
Euro.
Mesmo nestes
tempos difíceis, praticámos o diálogo e o compromisso. Esse sentido do
compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido, e o meu apelo ao
espírito de cooperação e de construção de entendimentos estende-se a todas as
forças políticas, cívicas e sociais.
A conjuntura
parlamentar, em que a maioria que suporta o governo é relativa, e não absoluta,
apenas reforça essa necessidade. Mas ela é ditada, no princípio e no fim, pelos
desafios que o País tem pela frente.
Pusemos o País no
caminho do crescimento económico, do investimento e do emprego. Recuperámos a
credibilidade e confiança externas e resgatámos a autonomia política nacional.
Portugal tornou-se um país atrativo para o investimento externo. Virámos a
situação cronicamente deficitária das nossas contas externas e agora temos
excedentes persistentes todos os anos. Aumentámos as nossas exportações para
níveis que nunca tínhamos registado no passado.
E apesar das
dificuldades e constrangimentos financeiros, conseguimos ainda atingir
resultados importantes na esfera social. Reduzimos significativamente o
abandono escolar precoce, ao mesmo tempo que instituímos a escolaridade
obrigatória de doze anos. Alargamos significativamente a rede de cuidados de
saúde primários, garantimos médico de família a mais 650 mil Portugueses e
vimos melhorar os principais indicadores de saúde no País, incluindo taxa de
mortalidade infantil, mortalidade prematura ou esperança de vida. Conseguimos
também atualizar sempre o valor das pensões mínimas, sociais e rurais.
Com estes
resultados lançámos os alicerces de um futuro melhor e é neles que as próximas
políticas devem assentar.
Tudo isto
resultou de um enorme esforço colectivo, de todos os Portugueses, que em cada
dia, com o seu trabalho, com a sua coragem e com a sua moderação, levantaram de
novo o seu País. A eles, e aos seus sacrifícios, todos os políticos devem
respeito.
Neste contexto,
desrespeitar o esforço dos Portugueses traduz-se por pôr em risco tudo o que
juntos alcançámos.
E isso eu,
enquanto Primeiro-Ministro, nunca farei.
Precisamos, pelo
contrário, de acelerar a recuperação económica que dura há já quase 5 semestres.
Precisamos de consolidar a confiança e incentivar mais investimento. Precisamos
de aumentar a velocidade da criação líquida de emprego.
Na conjuntura
interna que se gerou, e no contexto externo tão incerto que nos envolve, estes
objectivos nacionais requerem uma política consequente, uma estratégia global e
a vontade de continuar a confrontar os problemas que ainda temos pela frente.
Juntos, podemos
alcançar esses objetivos e caminhar para um nível mais elevado na nossa
democracia. Mas é um caminho estreito. E só quem sabe o caminho que é
necessário trilhar pode chegar ao destino que pretende.
Dado que os
condicionalismos são apertados, temos de lidar com eles, e não ignorá-los numa
vertigem voluntarista. Mas aprendemos custosamente nestes anos que só podemos
alcançar o que desejamos começando por trilhar os caminhos necessários. Fizemos
esse caminho e recuperámos a confiança e a ambição. São ativos que não podemos
desperdiçar. Num contexto em que a incerteza tem um custo tão elevado, em que a
confiança rapidamente se destrói e em que a competitividade facilmente se
evapora, os desvios precipitados poderiam deitar tudo a perder.
E seriam mais uma
vez os Portugueses, os mais desprotegidos e mais vulneráveis – seria uma vez
mais a classe média – a pagar o preço, como foi pago no passado.
E isso eu,
enquanto Primeiro-Ministro, não permitirei que volte a acontecer.
Para alcançarmos
os objectivos nacionais não podemos destruir as bases que já lançámos.
Em primeiro
lugar, ter contas públicas certas. Garantir que o défice em 2015 ficará abaixo
dos 3 por cento e, portanto, sair do Procedimento por Défice Excessivo, a que
estamos sujeitos há vários anos. Menos défice significa mais credibilidade,
mais confiança, menos dívida e, o que é muito importante, a perspectiva real de
desagravamento fiscal. Reduzir progressivamente a carga fiscal para as famílias
e para as empresas tem de constituir uma prioridade política assim que a
trajetória das nossas contas públicas for vista, cá dentro e lá fora, como
inequivocamente segura.
Em segundo lugar,
preservar os excedentes externos que conseguimos nos últimos 3 anos, reduzindo
a dívida ao estrangeiro e melhorando as condições do financiamento
indispensável à nossa economia. A nossa reputação internacional e o equilíbrio
financeiro das famílias e das empresas também se joga aqui.
Em terceiro
lugar, estabilizar e monitorizar as reformas estruturais já feitas, e iniciar
um novo ciclo de reformas, tirando partido da maior flexibilidade que a
autonomia política que reconquistámos nos traz. Depois do maior programa de
reformas estruturais da nossa democracia, precisamos de dar tempo de
consolidação a essas transformações para que possam dar todos os frutos que
delas se esperam. E temos de as avaliar, para fazer os aperfeiçoamentos e
correções que possam aumentar e distribuir melhor os seus benefícios. Temos
também de completar o ciclo reformista em áreas que exigem instrumentos de
reforma que não estavam disponíveis num contexto de profunda crise e
ajustamento orçamental.
Minhas senhoras e
meus senhores,
Tendo recebido
dos Portugueses um mandato claro para governar, aqui assumo hoje, na presença
de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a responsabilidade
indeclinável de respeitar essa vontade expressa pelos Portugueses.
Sem desvirtuar a
matriz de valores que sustenta o programa sufragado pelos eleitores, o governo
agora empossado tem ainda o encargo, com humildade, de mostrar abertura ao
compromisso leal e responsável que os Portugueses também apontaram como
propósito indispensável a assumir por todos os agentes políticos, sociais e
económicos para a conformação das políticas públicas.
E hoje, nesta
cerimónia de tomada de posse, reafirmo os princípios a que estivemos e estamos
vinculados.
O meu governo
será regido pelos valores da nossa democracia representativa e constitucional.
Somos fiéis ao
projeto da sociedade livre e aberta, da solidariedade e da prosperidade, a que
a esmagadora maioria dos Portugueses aspira e que todos merecem. Uma sociedade
da dignidade da pessoa, da tolerância, do trabalho e do conhecimento; uma
sociedade europeia e atlântica, porque é esse o propósito político fundamental
do nosso País nos últimos 40 anos.
Seremos
responsáveis perante todos os Portugueses com os seus valores comuns, que nos
unem como nação, e que desejam legitimamente uma vida melhor para si, para a
sua família e para o seu País.
Persistiremos no
cumprimento das nossas obrigações internacionais e no exercício dos direitos e
deveres que decorrem da nossa participação plena na União Europeia e na União
Económica e Monetária. Esta é uma condição absolutamente indispensável para
assegurar o nosso futuro comum com estabilidade e previsibilidade, com mais
emprego e mais justiça social. Não há ilusão política que possa disfarçar este
imperativo, e ninguém deve arriscar o bem-estar dos Portugueses em nome de uma
agenda ideológica ou de ambições políticas pessoais ou partidárias.
A par da
aceleração do crescimento da economia e do emprego, da estabilidade das contas
públicas e do desendividamento do País, bem assim como de uma agenda promotora
da natalidade e de inversão do declínio demográfico, o meu governo define duas
grandes prioridades.
Em primeiro
lugar, o combate às desigualdades sociais. Não há contradição entre a redução
das desigualdades e o reconhecimento dos méritos. Não opomos a redução do fosso
entre os mais ricos e os mais pobres à recompensa pelo trabalho e pela
criatividade. Pelo contrário, é pela conciliação destes desígnios que se
realiza a justiça social. Mas temos de confrontar as assimetrias sociais e
territoriais, muitas vezes gritantes, que durante décadas se agravaram em
Portugal. As desigualdades resultantes de privilégios injustificáveis
continuarão a ser combatidas, como foram nos últimos 4 anos. É por isso que
reafirmo o compromisso por uma economia aberta à participação de todos, e não
apenas de alguns.
Mas queremos
também que os frutos do crescimento económico e das crescentes possibilidades
tecnológicas cheguem a todos, segundo a grande promessa democrática da
mobilidade social. Isso implica quebrar os ciclos de pobreza e integrar todos
numa mesma sociedade de oportunidades. Supõe a transmissão de qualificações
reais para os nossos jovens, para que possam trabalhar, encontrar satisfação no
seu trabalho e competir na economia global de igual para igual. Exige, por
isso, uma nova geração de políticas sociais, com novas abordagens e soluções.
Esse é o significado político do Programa de Desenvolvimento Social que iremos
implementar.
Em segundo lugar,
vamos iniciar uma nova fase da modernização administrativa. Queremos remover os
obstáculos que ainda subsistem aos cidadãos, aos empreendedores e aos
inovadores. Desburocratizar e descentralizar serão os princípios orientadores
para levarmos mais longe a simplificação, a transparência e a eficiência das
instituições públicas. Temos de reconhecer que há estruturas, práticas e
procedimentos que já não se ajustam aos novos tempos. Com o apoio das
tecnologias e com novas ideias, queremos facilitar a vida aos empreendedores, e
não penalizá-los. Queremos acelerar os investimentos, e não atrasá-los. É o
cidadão que deve estar no centro das políticas públicas e é o Estado que deve
organizar-se em função do cidadão. Queremos libertar as iniciativas individuais
e colectivas, e não sufocá-las. Queremos, em suma, pôr o Estado ao serviço dos
cidadãos, e não os cidadãos ao serviço do Estado.
No governo,
seremos os agentes permanentes e incansáveis de uma política positiva, que
contraria o medo com a esperança, e o cinismo com o trabalho dedicado ao
serviço de todos os Portugueses sem exceção. Combateremos a demagogia com o
realismo, e a política negativa com a mobilização para um Portugal mais livre,
mais próspero e mais solidário.
Este governo
estará ao serviço de todos os Portugueses, mas dará uma atenção especial aos
que sentem dificuldades, aos que querem melhorar a sua vida, que querem
preparar o seu futuro, que aguardam por mais e melhores oportunidades, aos que
trabalham e querem ser justamente reconhecidos pelo seu esforço, aos que inovam
contra todas as resistências, aos que não estão protegidos por privilégios que
não têm justificação.
Todos devem
assumir as suas responsabilidades perante os Portugueses, perante a nossa
história e perante o nosso futuro. Todos - na política, na sociedade civil e na
economia – são chamados a cumprir o seu dever. Um dever fundamental para com os
seus concidadãos, que esperam de nós que estejamos à altura das tarefas que nos
aguardam.
Muito obrigado.
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