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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Quando os rios falavam com Deus

 
No princípio dos tempos, quando Deus criou o mundo é do seguinte teor o relato do Génesis, no segundo dia:
E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi. Chamou Deus ao firmamento, céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.
Foi deste modo que foi criado o firmamento – chamado de céu – e ao dar-se a separação entre águas e águas, apareceram os primeiros riachos que nas confluências entre eles deram origem aos primeiros rios.
Era uma vez...
Aconteceu, quando um desses riachos ao ver-se criado e a correr cheio de vaidade da sua água límpida que traçava entre os montes, uma serpente borbulhante que parecia cantar ao galgar os penedos do leito que ia abrindo com a força da sua água que cada vez engrossava mais, se deu conta que ia entroncar-se com um outro, cujas águas há muito tempo represadas haviam dado origem a um pântano infecto.
Foi então – era no tempo em que os riachos tinham a faculdade de falar com  Deus Criador, que encetara, então, a Criação do Mundo – que este, cheio de temor de misturar as suas águas claras com as do pântano, chamou Deus e, veementemente, apresentou o seu protesto:
- Senhor, vê bem o castigo que me reservaste. Eu que sou um riacho puro, que tenho escolhido os melhores caminhos para continuar a correr límpido, achas bem que vá misturar as águas que me deste e o modo como eu as tenho tratado, com as águas daquele pântano tão mal cheiroso?
Deus ouviu serenamente as razões apontadas.
Tomou nota delas e respondeu, de pronto:
 - Olha bem. Tens dois caminhos a seguir. Ou entras brando e vencido dentro do pântano e ficas conspurcado, ou, pelo contrário entras decidido, forte e determinado e ao entrar nele com a tua força e determinação, fazes que ele seja arrastado pela tua corrente e do pântano que é, venha a suceder, nunca mais uma água parada e mal cheirosa – como dizes – mas, com a tua acção um riacho mais forte e limpo pelo poder das tuas águas...
Teimoso, o riacho vaidoso, ainda retrucou:
- E a minha água, como vai ficar?
Carinhosamente, O Criador – que sonhava conciliar todos os atritos que iam surgindo, por forma a que a Sua Obra ficasse perfeita, como veio a acontecer – sossegou-o:
- Vê bem. O pântano é pequeno e a tua corrente é já muito forte. Se entrares nele como te disse, as tuas águas têm o poder de tornar claras e límpidas as águas paradas e verás, como depois, continuarás mais forte.
O riacho tomou nota das palavras de Deus que lhe pareceram um sábio conselho.
Foi então que, tendo ganho mais força, mercê de um pequeno despenhadeiro que havia antes de chegar ao pântano, se lançou destemidamente sobre ele e, de tal modo o fez que as águas deste ao sofrer tão violento impacto galgaram as margens apertadas que o haviam represado e confundido com as águas puras que haviam chegado, lavou-se de todos os lodos do leito e dos que andavam soltos, tendo gratificantemente agradecido a sorte que lhe havia chegado, pois já não seria – nunca mais! - um pântano mal cheiroso, mas um riacho cheio de vida e de força que não tardou – com as águas dos outros  – a formar um grande rio e, depois, um dos mares, que foi como está escrito, a Obra de Deus, no terceiro dia.
Esta história transportada para a vida dos homens, traz consigo o seguinte ensinamento:
Se o homem se atemoriza perante uma dificuldade que lhe possa aparecer no caminho – e isto acontece, mais ou menos, com todos – é, logo à partida alguém que se deixa vencer a ele mesmo.
Se, pelo contrário, ganha forças e se agiganta perante um empecilho qualquer, ganha a partida e de timorato passa a ser um herói.
É preciso, por isso, entrar com determinação em todos os projectos da vida e não passar a viver nela um sofrimento constante, que não só lhe tira a vontade de lutar, como faz do mais valente o maior dos cobardes.
É a vontade que faz o homem grande ou pequeno, disse Friedrich Schiller, ([1]) o grande poeta e dramaturgo alemão, num claro aviso que ao homem – seja ele qual seja – no transcurso da vida terrena ou aceita o desafio de ser ousado e arrosta com as dificuldades do percurso – tal como fez o riacho da história, a conselho de Deus – ou, fica parado no tempo, desprezando o sabedoria que nos diz que há sempre um motivo que pode fazer de qualquer homem um vencedor se este porfiar, pois há-de ser sempre a vontade que faz o homem grande ou pequeno, e sobre isto que não haja qualquer dúvida.
A lição do riacho, que por fim se fez rio demonstra isto mesmo.
De pequeno que era tornou-se grande.
Que ela nos sirva em todos os aspectos da vida e em todos os lugares.


(1)  - Johann Christoph Friedrich von Schiller, nasceu em Marbach am die Neckar em 10 de novembro de 1759.
 Foi um notável  poeta, dramaturgo e filósofo alemão, interessado sobretudo na Estética. Deixou poesias e peças teatrais que marcaram a literatura e a filosofia alemãs. Filho de um militar,  mudou-se várias vezes com a família, mas os períodos passados em Lorch e Ludwigsburg, permitiram que Schiller recebesse educação regular. Em 1773 o duque Karl Eugen de Wurttemberg, exigiu que o jovem fosse matriculado na escola militar do ducado.
A brutalidade do regime militar a que fora sujeito fizeram crescer sua revolta contra a tirania dos governos, revolta que deixou extravasar em sua primeira obra, a peça Die Räuber ("Os assaltantes"), que escreveu de 1777 a 1778 enquanto estudante.
Desertor do exército, passou por Mannheim, tendo procurado refúgio em Bauerbach, em casa de um ex-colega da universidade. É lá que completa o drama Luise Millerin e escreveu outras peças, todas elas, - inclusive a primeira Die Röuber -, levadas ao palco no Teatro Nacional de Mannheim a partir de 1781.
Em abril de 1785 deixou Mannheim, tendo alcançado Leipzig, Dresden e Loschwitz em atenção de um convite de  amigos que havia feito por correspondência. Neste último local completou o seu Don Carlos, Infant von Spanien, em que revela o conflito entre o Rei Filipe II da Espanha e seu filho do primeiro casamento, Dom Carlos, que ama sua madrasta, a segunda mulher de seu pai.
Faleceu em Weimar em Maio de 1805.
 
 

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