O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho
fica a cepa a sonhar outra aventura.
(Miguel Torga)
Torga
foi um génio de criação artística no domínio do estro que costuma marcar como
“marca d’água” o verbo que reflecte a fina sensibilidade do seu criador, como
aconteceu com muitas das palavras de recorte telúrico com as quais este
transmontano de gema, não raro, brindou os seus leitores ao longo de uma
produção literária valiosíssima.
Muitas
das suas palavras brotaram a partir do miradouro de São Leonardo da Galafura
onde costumava admirar o Douro que corria aos seus pés – não rendido, mas
dominador - enchendo a sua alma que se comprazia nos socalcos dos montes,
quando ao olhar as cepas dos vinhedos alinhados numa geometria artística a
emoldurar a terra úbere, eram um regalo para os olhos deslumbrados do grande
Poeta e profundos motivos de meditação.
Não
sabemos se a frase que vai em epígrafe nasceu ali, mas que foi ali buscar
alimento espiritual, parece não haver dúvidas.
Ao
dizer-nos que nos deve animar o facto de sabermos que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura, o
Poeta transmite-nos não o dom daquela
esperança que o homem costuma pedir de empréstimo ao seu desejo natural de
felicidade, mas a adesão voluntária, firme e absoluta do espírito à certeza que
ele sentia ao olhar as cepas das videiras que enchiam o seu olhar, porque
depois da vindima e da quedas das folhas, nas raízes que as prendiam à terra ou
às fráguas continuavam vivas na sua morte aparente, as vindimas do ano
seguinte.
A
vida do homem prende-se a este conceito.
Na
certeza que é preciso alimentar como um sonho que tem de sobreviver à morte de
um outro sonho qualquer, devendo estar isto latente na vida de todos os que,
prosseguem ao longo da sua caminhada terrena o aviso sensato de Henry
Céard, (1)
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(1)
- Henry
Céard (França,1851-1924) foi um ilustre romancista, poeta e autor dramático.
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