O Zé Fazendeiro era conhecido na zona que
antigamente havia sido povoada pelos monges da Ordem de Cister como o rei
das maçãs, fruta que segundo a sua opinião abalizada eram a rainha da
fruta, especialmente as produzidas no seu pomar, ao qual dedicava o zelo de um
relojoeiro, desde a escolha da melhor terra, dos adubos, dos tratamentos na
época certa e tudo isto acompanhado da limpeza e poda das árvores, fazendo do
minguante da Lua de Fevereiro para este efeito a mola real do sucesso do seu
célebre pomar de macieiras, que levava a palma nas redondezas a todos os
demais.
Acrescia a tudo isto, uma certa dose de conhecimento
da vida, que ele aprendera do estudo do meio e da sua natural propensão para
falar de assuntos de uma ciência vivencial que passava ao largo da maioria dos
seus conterrâneos.
Um facto que lhe valia, na opinião de alguns, o
apodo de excêntrico, mas noutros, mais compreensivos da sua índole
propensa a opiniões eruditas, o título de um pensador que merecia ser ouvido.
Estes últimos tinham toda a razão.
Dir-se-ia que na alma do Zé Fazendeiro morava um
filósofo sem qualquer engajamento académico, mas cujos ensinamentos, não raro,
deixavam boquiabertos os seus amigos e, mesmo, pessoas de cultura académica que
o ouviam.
Não fazia alarde disso, mas nunca perdia o ensejo de
dar uma lição aprendida na escola das suas cogitações mais íntimas. Sem o
saber, tinha o senso de Platão que disse, que a Filosofia é a música que a
alma faz na procura da verdade.
Foi neste contexto, que num certo dia, tendo
escolhido para base da sua oratória três maças colhidas no seu pomar, no
intuito de com elas falar sobre a verdade dos acontecimentos que envolvem o
homem ao longo do percurso da vida, se dispôs a perorar no jeito que era de
todos bem conhecido.
No meio de uma roda de amigos e de alguns dos seus
mais fiéis jornaleiros, em pleno pomar, mas abrigados de um sol inclemente, o
Zé Fazendeiro tomou as maçãs e começou a falar, sorrindo.
- Porque
estás tão bem disposto? – perguntou-lhe, de rompante, o Toino do Poço.
- Sabes porquê? – Eu digo-te. Encontrei nestas três
maçãs uma lição de vida muito grande. Tão grande, que merece ser meditada...
por ti e por todos nós.
Entreolharam-se todos os circunstantes e muito
embora conhecessem o orador e as suas excentricidades – como alguns
diziam – todos ficaram presos do que viria a seguir.
Foi então que ele, tendo colocado na palma da mão
uma das maçãs, disse o seguinte:
- Esta
maçã, embora com bom aspecto, está podre.
E
apertando-a entre os dedos mostrou que
assim era.
-
Simboliza sabeis o quê?
Ninguém arriscou uma palavra.
Ele, ciente do que queria transmitir, ajuntou:
- Simboliza a vida que já passou e que por descuido,
incompetência ou indolência não foi vivida pelo homem no momento exacto. E,
como esta maçã, há homens, reluzentes por fora mas podres por dentro.
Todos acenaram “que sim” com a cabeça e ficaram a
meditar naquelas palavras.
Tomou, depois outra das maçãs.
- Esta – disse - é uma maçã verde. Faço-vos a mesma
pergunta. Sabeis o que ela nos quer dizer?
Ninguém se manifestou, como antes já acontecera.
- Meus amigos, esta maçã, significa o contrário da
primeira. Simboliza a vida que ainda não aconteceu, mas espera pelo homem para
que a viva no momento certo, fazendo dela uma fruta apetecida e sumarenta...
O Zé Fazendeiro, efectivamente, sabia cada coisa!
Então, isto não é verdade? – perguntaram todos. Não
será verdade que uma maçã verde é como a vida do homem, no princípio da vida?
Que, sim senhor!
Era uma verdade da altura do penedo das Gralhas,
onde só os pássaros chegavam.
Voltou de novo o filósofo popular com a terceira
maçã.
- Esta está
madura. Simboliza o dia de hoje, ou seja, este momento em que estamos aqui
reunidos no meu pomar. Há que viver sofregamente o momento que passa.
A vida cria homens maduros para o bem e para o mal.
Graças a Deus que todos somos pessoas de bem.
Homens maduros, calejados pela vida e pelo trabalho.
Somos, assim, como as maçãs maduras, que todos procuram.
E rematou:
- Na
vida, acreditai, só se procura aquilo que presta.
E, parece, que as excentricidades
do Zé Fazendeiro, mais uma vez, deram lugar a uma meditação profunda, de tal
modo fora eloquente ao servir-se dos exemplos dados pelas rês maçãs do seu
pomar.
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