Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro publicada pelo Jormal
"O António Maria" de 4 de Janeiro de 1883
Se fizermos um exame retrospectivo – às vezes convém que o
façamos para julgarmos o tempo presente – levando o nosso pensamento, para o
efeito, para um tempo situado em finais do século XIX relativamente à nossa
vida pública e colectiva, concluímos que o tempo actual no que concerne às
finanças públicas tem tais similitudes que estas não deixam de ser
perturbantes, constituindo a análise, um facto demonstrativo da inépcia
endémica que nos devia envergonhar quando cotejamos as duas realidades, pesem
embora os 118 anos que a roda do tempo já consumiu desde o dia em que Oliveira
Martins subiu à tribuna para falar ao País.
Recuando todos esses anos, temos que no dia 20 de Janeiro de
1892, Oliveira Martins, Ministro das Finanças no governo presidido por Dias Ferreira,
apresentou o programa financeiro do novo governo empossado em 17 de Janeiro,
para substituir João Crisóstomo, que após a demissão do governo em exercício
aquando do Ultimato inglês de 1890, não conseguira unir as partes do governo de
unidade nacional que então se criara.
Num dado passo do seu discurso, Oliveira Martins, declarou:
Não cansarei a câmara reproduzindo algarismos que todos
conhecem, e fazendo considerações que hoje, felizmente, estão no espírito de
todos e que é deplorável que o não estivessem há muito tempo; porque o facto é
que, desde longos anos, nós vivemos uma vida completamente artificial,
abandonando as fontes da riqueza natural do pais. Nós chegámos a este estado,
verdadeiramente anormal, de consumir exclusivamente produtos estrangeiros e de
trabalhar exclusivamente com capitais estrangeiros; de nos dessangrarmos
anualmente com o serviço desses capitais e com o preço desses produtos! Assim
vivíamos efectivamente e assim vivemos durante largos anhos, se o espaço de
meio século, pouco mais ou menos, se pode chamar largos anos; mas vivemos como?
Vivemos exagerando a soma da dívida pública até às proporções verdadeiramente
esmagadoras em que hoje se encontra.
Nos tempos difíceis que correm, não raro, ouvimos dizer às
mentes menos comprometidas com os meandros políticos que Portugal nas últimas
duas dezenas de anos – no mínimo – tem vivido acima das suas posses, ou seja, a
riqueza criada não tem sustentado o nível de vida que temos feito,
endividando-nos em cada ano que tem passado, com a comparticipação da Banca e
dos Governos que temos tido, como se a Economia fosse um poço sem fundo e não
andássemos a pedir dinheiro emprestado, para suprir as faltas de liquidez dos
orçamentos nacionais, que já geraram asserções, como: “deixaram-nos o País de
tanga” ou, “deixaram-nos de calças na mão”, epítetos de mediato julgados
aterradores por alguns apaniguados dos governos do PS, então em exercício, como
se não tivesse acontecido que um Primeiro-Ministro, António Guterres, não
tivesse falado do “pântano” em que se tornara a vida pública...e tivesse
abalado.
Mas voltando ao discurso de Oliveira Martins de 20 de
Janeiro de 1892, relativamente ao facto de termos andado a viver, fingindo de
ricos, ele disse: desde longos anos, nós vivemos uma vida completamente
artificial, para acrescentar, logo a seguir, algo que nós temos feito, a
começar pelo abandono dos campos, tendo desleixado uma das fontes da riqueza natural do pais, a que se
seguiu, entre outras, o abandono do mar português, a indústria pesada e a
metalo-mecânica.
Tudo isto, por ordem da Europa, que nos convidou a deixar
cair os braços, de que resultou um empobrecimento suicida a que alegremente, ao
que parece, nos entregámos, sem termos uma voz de comando que nos alertasse que a diferença entre a
importação e a exportação havia de ser paga em espécie, isto é, com o dinheiro
recebido por empréstimos, que outra coisa não temos feito há décadas, ao ponto
de estarmos todos endividados, um facto de que só agora parece haver
consciência.
Tudo isto é o resultado de termos passado a consumir
exclusivamente produtos estrangeiros e de trabalhar exclusivamente com capitais
estrangeiros; de nos dessangrarmos anualmente com o serviço desses capitais e
com o preço desses produtos, como no mesmo discurso disse Oliveira Martins.
Voltar ao passado, lembrando aquele antigo chefe do governo,
é lembrar uma atitude que devia ter o actual responsável pelo governo que
temos, José Sócrates, o qual, ao contrário do que devia ter acontecido, por
motivos eleitoralistas andou a esconder a dura realidade em que Portugal estava
mergulhado, ainda que para a mesma fosse alertado, quer pelo Presidente da
República, como pela oposição mais consciente, a qual, também não está isentes
de culpas.
Voltando, ainda, ao discurso de Oliveira Martins, ele disse
com todas as letras: Vivemos exagerando a soma da dívida pública até às
proporções verdadeiramente esmagadoras em que hoje se encontra.
Hoje, dizemos o mesmo.
Mas é bom que fiquem estas palavras, demonstrativas que há
diferenças abissais nos homens de Estado, que é, precisamente, o que nos falta
no tempo que passa.
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