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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Mudou o tempo, mas...




Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro publicada pelo Jormal
"O António Maria" de 4 de Janeiro de 1883
Se fizermos um exame retrospectivo – às vezes convém que o façamos para julgarmos o tempo presente – levando o nosso pensamento, para o efeito, para um tempo situado em finais do século XIX relativamente à nossa vida pública e colectiva, concluímos que o tempo actual no que concerne às finanças públicas tem tais similitudes que estas não deixam de ser perturbantes, constituindo a análise, um facto demonstrativo da inépcia endémica que nos devia envergonhar quando cotejamos as duas realidades, pesem embora os 118 anos que a roda do tempo já consumiu desde o dia em que Oliveira Martins subiu à tribuna para falar ao País.

Recuando todos esses anos, temos que no dia 20 de Janeiro de 1892, Oliveira Martins, Ministro das Finanças no governo presidido por Dias Ferreira, apresentou o programa financeiro do novo governo empossado em 17 de Janeiro, para substituir João Crisóstomo, que após a demissão do governo em exercício aquando do Ultimato inglês de 1890, não conseguira unir as partes do governo de unidade nacional que então se criara.

Num dado passo do seu discurso, Oliveira Martins, declarou:

Não cansarei a câmara reproduzindo algarismos que todos conhecem, e fazendo considerações que hoje, felizmente, estão no espírito de todos e que é deplorável que o não estivessem há muito tempo; porque o facto é que, desde longos anos, nós vivemos uma vida completamente artificial, abandonando as fontes da riqueza natural do pais. Nós chegámos a este estado, verdadeiramente anormal, de consumir exclusivamente produtos estrangeiros e de trabalhar exclusivamente com capitais estrangeiros; de nos dessangrarmos anualmente com o serviço desses capitais e com o preço desses produtos! Assim vivíamos efectivamente e assim vivemos durante largos anhos, se o espaço de meio século, pouco mais ou menos, se pode chamar largos anos; mas vivemos como? Vivemos exagerando a soma da dívida pública até às proporções verdadeiramente esmagadoras em que hoje se encontra.

Nos tempos difíceis que correm, não raro, ouvimos dizer às mentes menos comprometidas com os meandros políticos que Portugal nas últimas duas dezenas de anos – no mínimo – tem vivido acima das suas posses, ou seja, a riqueza criada não tem sustentado o nível de vida que temos feito, endividando-nos em cada ano que tem passado, com a comparticipação da Banca e dos Governos que temos tido, como se a Economia fosse um poço sem fundo e não andássemos a pedir dinheiro emprestado, para suprir as faltas de liquidez dos orçamentos nacionais, que já geraram asserções, como: “deixaram-nos o País de tanga” ou, “deixaram-nos de calças na mão”, epítetos de mediato julgados aterradores por alguns apaniguados dos governos do PS, então em exercício, como se não tivesse acontecido que um Primeiro-Ministro, António Guterres, não tivesse falado do “pântano” em que se tornara a vida pública...e tivesse abalado.

Mas voltando ao discurso de Oliveira Martins de 20 de Janeiro de 1892, relativamente ao facto de termos andado a viver, fingindo de ricos, ele disse: desde longos anos, nós vivemos uma vida completamente artificial, para acrescentar, logo a seguir, algo que nós temos feito, a começar pelo abandono dos campos, tendo desleixado uma das  fontes da riqueza natural do pais, a que se seguiu, entre outras, o abandono do mar português, a indústria pesada e a metalo-mecânica.

Tudo isto, por ordem da Europa, que nos convidou a deixar cair os braços, de que resultou um empobrecimento suicida a que alegremente, ao que parece, nos entregámos, sem termos uma voz de comando  que nos alertasse que a diferença entre a importação e a exportação havia de ser paga em espécie, isto é, com o dinheiro recebido por empréstimos, que outra coisa não temos feito há décadas, ao ponto de estarmos todos endividados, um facto de que só agora parece haver consciência.

Tudo isto é o resultado de termos passado a consumir exclusivamente produtos estrangeiros e de trabalhar exclusivamente com capitais estrangeiros; de nos dessangrarmos anualmente com o serviço desses capitais e com o preço desses produtos, como no mesmo discurso disse Oliveira Martins.
Voltar ao passado, lembrando aquele antigo chefe do governo, é lembrar uma atitude que devia ter o actual responsável pelo governo que temos, José Sócrates, o qual, ao contrário do que devia ter acontecido, por motivos eleitoralistas andou a esconder a dura realidade em que Portugal estava mergulhado, ainda que para a mesma fosse alertado, quer pelo Presidente da República, como pela oposição mais consciente, a qual, também não está isentes de culpas.

Voltando, ainda, ao discurso de Oliveira Martins, ele disse com todas as letras: Vivemos exagerando a soma da dívida pública até às proporções verdadeiramente esmagadoras em que hoje se encontra.

Hoje, dizemos o mesmo.

Mas é bom que fiquem estas palavras, demonstrativas que há diferenças abissais nos homens de Estado, que é, precisamente, o que nos falta no tempo que passa.

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