Estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à
sua chama. Eles consomem-nos, é verdade, mas são eles que nos dão o nosso
esplendor. E, se a nossa alma valeu alguma coisa, é porque ardeu com mais ardor
do que outras.
(André Gide)
Todos
os actos do homem são produzidos pela sua dualidade biológica e cultural pelo
facto de conterem dentro de si os sentimentos fraternos e de compita que se
desenvolvem de um modo que é possível a uma só criatura assumir em tempos
diversos – ou em simultâneo - a amizade ou a hostilidade para com o
outro, assumindo, assim, a cultura positiva ou negativa do meio onde eles são
exercidos.
Razão
fundamental que levou o pensador a dizer que se estamos ligados aos nossos actos como um fósforo à sua chama, torna-se um
dever de ordem cívica no âmbito biocultural da sociabilidade humana, que
todos eles, ainda que nos consumam é que nos
dão o nosso esplendor, ou seja, o caminho capaz de nos conduzir à aceitação
dos outros, ganhando assim todo o sentido o facto da nossa alma, pela sua
valia, ter ardido com mais ardor do que
outras, como uma consequência directa dos actos praticados.
André
Gide ao colocar a alma como sujeito da sua tese não o fez por mero acaso ou por
querer emprestar àquela forma literária um valor acrescentado, mas, porque a
alma significa vida e ao representar a própria criatura é por ela se
anima e é, só por ela, que é capaz de se valorizar através dos seus actos.
O
acto, é assim, uma execução cognitiva repartida em acções falhadas ou consequentes,
onde se entrecruzam bioculturalmente os destinos do homem.
Fazê-lo
e assumi-lo tendo em cada um deles a alma inteira na imaterialidade da sua
substância, é, um dever social que cumpre a cada homem na tarefa que lhe cabe
de alindar um pouco mais o mundo por onde passa.
No
tempo actual, não raro topamos aqui e ali com actos de homens públicos – ou não
- cujas consequências nem sempre primam pela compostura e brilhantismo, razão
de que se queixa a sociedade doente que temos, onde a própria lei pelos alçapões
que contém deixa campo aberto às diatribes dos menos respeitadores.
Até
no campo da palavra que devia conter em si um acto consequente, o que acontece
– não rato – é a constatação de muito embora se distinguirem as que se dizem
das que se escrevem, se as primeiras podem voar como pardais ao vento que
passa, as segundas deviam assumir sempre a coragem de quem as escreveu, o que
nem sempre acontece, porquanto, muitas vezes, como temos assistido, ouvimos
como resposta terem sido mal interpretadas, quando elas falavam direito e eram
claras como a água da nascente.
Mas
há, temos de o afirmar, homens que no cumprimento de valores mais altos, vivem
assumidamente a palavra dita, dando-lhe igual ou mais valor que a palavra
escrita.
São
os que vivem o acto e a consequência, tendo como mira dentro do seu ínfimo
metro quadrado a intenção garbosa de mudar o mundo, ao comprometerem-se com as
palavras que dizem, porque conhecem o seu valor e ao invés, conhecem o desvalor
e as trapaças dos mentirosos.
Eis,
porque, ainda que os nossos actos – se tenderem ao bem colectivo – ainda que
nos consumam, no dizer de André Gide, tem de ser por eles que devemos atingir o
esplendor, na certeza que a alma que
assim procede se vale alguma coisa, é
porque ardeu com mais ardor do que outras.
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